quarta-feira, 18 de setembro de 2013

4 - BRIENNE



- Procuro uma donzela de treze anos - disse ela à dona de casa de cabelos grisalhos junto ao poço da aldeia. - Uma donzela bem-nascida e muito bela, com olhos azuis e cabelos ruivos. Talvez esteja viajando com um cavaleiro corpulento de quarenta anos ou com um bobo. Você a viu?
- Que me lembre não - respondeu a mulher batendo na testa com os nós dos dedos. - Mas vou ficar alerta, ah, isso vou.
O ferreiro também não a tinha visto, e o septão da aldeia também não, ou a garota que arrancava cebolas de seu jardim, ou qualquer outra das pessoas simples que a Donzela de Tarth encontrou entre as cabanas de taipa de Rosby. Mesmo assim, persistiu. Este é o caminho mais curto para Valdocaso, disse Brienne a si mesma. Se Sansa veio por aqui, alguém deve tê-la visto. Aos portões do castelo fez sua pergunta aos dois lanceiros cuja divisa mostravam três arminhos vermelhos, as armas da Casa Rosby.
- Se ela está na estrada por esses dias, não será donzela por muito tempo - disse o homem mais velho. O mais novo quis saber se a garota também era ruiva entre as pernas.
Aqui não encontrarei ajuda. Quando Brienne voltou a montar, vislumbrou um garoto magricela em cima de um cavalo malhado na outra ponta da aldeia. Não falei com aquele, pensou, mas o garoto desapareceu atrás do septo antes de ela ter tempo de interrogá-lo. Não se incomodou em segui-lo. O mais provável era que não soubesse mais do que os outros, Rosby era pouco mais que um lugarejo à beira da estrada; Sansa não teria motivo algum para se demorar ali. Regressando à estrada, Brienne seguiu para norte e para leste, passando por pomares de macieiras e campos de cevada, e rapidamente deixou a aldeia e seu castelo para trás. Seria em Valdocaso que encontraria sua presa, disse a si mesma. Se é que Sansa veio nesta direção.
- Encontrarei a garota e a manterei a salvo - prometera Brienne a Sor Jaime em Porto Real. - Pela senhora sua mãe. E por você - nobre promessa, mas proferir palavras era fácil. Agir era difícil. Demorara-se demais e descobrira muito pouco na cidade. Devia ter partido mais cedo... mas para onde? Sansa Stark desaparecera na noite em que o Rei Joffrey morreu, e se alguém a vira desde então, ou tivera alguma pista do local para onde poderia ter se dirigido, não falava. Comigo, pelo menos.
Brienne estava convencida de que a garota deixara a cidade. Se ainda estivesse em Porto Real, os homens de manto dourado a teriam encontrado. Só poderia ter ido para outro local... mas outro local é um lugar muito grande. Se eu fosse uma donzela que acabou de florir, sozinha e assustada, em perigo desesperador, o que faria? Perguntara a si mesma. Para onde iria? Para ela, a resposta foi simples. Regressaria a Tarth, para junto do pai. Mas o pai de Sansa fora decapitado diante dela. A senhora sua mãe também estava morta, assassinada nas Gêmeas, e Winterfell, a grande fortificação dos Stark, fora saqueado e queimado, e sua gente passada na espada. Ela não tem um lar para onde voltar, não tem pai, não tem mãe, não tem irmãos. Podia estar na vila seguinte, ou num navio com destino a Asshai; uma coisa parecia tão provável quanto a outra.
Mesmo se Sansa Stark quisesse voltar para casa, como chegaria lá? A estrada do rei não era segura; até uma criança saberia disso. Os homens de ferro controlavam Fosso Cailin no meio do Gargalo, e nas Gêmeas estavam os Frey, que tinham assassinado o irmão de Sansa e a senhora sua mãe. A garota podia seguir por mar se tivesse dinheiro, mas o porto em Porto Real continuava em ruínas, com o rio transformado numa confusão de cais quebrados e galés incendiadas e afundadas. Brienne fizera perguntas ao longo das docas, mas ninguém conseguia se lembrar de um navio ter partido na noite em que Rei Joffrey morrera. Alguns navios mercantes tinham ancorado na baía e descarregaram por meio de botes, dissera-lhe um homem, mas eram mais numerosos os que prosseguiam ao longo da costa até Valdocaso, cujo porto nunca tivera tanto movimento.
A égua de Brienne era linda de se ver, e manteve um belo ritmo. Havia mais viajantes do que teria imaginado ser possível. Irmãos mendicantes passavam por ela com as tigelas penduradas ao pescoço. Um jovem septão passou a galope num palafrém tão elegante como o de qualquer lorde, e, mais tarde, encontrou um bando de irmãs silenciosas que balançaram a cabeça quando Brienne lhe fez suas perguntas. Um comboio de carros de bois arrastava-se penosamente para o sul, com cereais e sacas de lã, e mais tarde ela passou por um criador de porcos que levava uma vara de animais, e por uma velha numa liteira a cavalo, com uma escolta de guardas montados. Perguntou a todos se teriam visto uma garota de nascimento elevado, com treze anos, olhos azuis e cabelos ruivos. Ninguém vira. Interrogou-os também a respeito da estrada que tinha em frente.
- Daqui a Valdocaso está bastante segura - disse-lhe um homem - mas, mais adiante, há fora da lei e desertores na floresta.
Só os pinheiros marciais e as árvores-sentinelas ainda ostentavam verde; as árvores de folha caduca tinham vestido mantos marrom-avermelhados e dourados, ou então haviam se descoberto para arranhar o céu com ramos castanhos e nus. Cada rajada de vento fazia que a estrada sulcada fosse atravessada por rodopiantes nuvens de folhas mortas. Faziam um som roçagante ao se esgueirar junto aos cascos da grande égua baia que Jaime Lannister lhe concedera. É tão fácil encontrar uma folha no vento como achar uma garota perdida em Westeros. Deu por si perguntando-se se Jaime teria lhe atribuído aquela tarefa como uma cruel brincadeira. Talvez Sansa Stark estivesse morta, decapitada pelo papel desempenhado na morte do Rei Joffrey, enterrada em alguma sepultura anônima. Que melhor forma de esconder seu assassinato do que enviar uma garota grande e estúpida de Tarth à sua procura?
Jaime não faria isso. Ele foi sincero. Deu-me a espada e a batizou Cumpridora de Promessas. Fosse como fosse, não fazia diferença. Prometera à Senhora Catelyn que lhe traria as filhas, e não havia promessa mais solene do que aquela feita aos mortos. A garota mais nova estava morta havia muito, Jaime afirmara; a Arya que os Lannister tinham enviado para o norte a fim de se casar com o bastardo de Roose Bolton era uma fraude. Só restava Sansa. Brienne tinha de encontrá-la.
Perto do ocaso, viu uma fogueira de acampamento ardendo ao lado de um regato. Dois homens encontravam-se sentados junto dela grelhando trutas, com as armas e armaduras empilhadas debaixo de uma árvore. Um deles era velho, e o outro, de qualquer forma mais novo, estava longe de ser jovem. O homem mais novo ergueu-se para saudar Brienne. Tinha uma grande barriga que lhe esticava os cordões do justilho de pele de corça malhado. Uma barba hirsuta e por aparar cobria-lhe o rosto e o queixo da cor de ouro antigo.
- Temos truta para três, sor - gritou.
Não era a primeira vez que Brienne era confundida com um homem. Tirou o elmo, deixando que os cabelos se derramassem, livres. Eram loiros, da cor da palha seca, e quase igualmente quebradiços. Longos e finos, foram soprados em volta de seus ombros.
- Agradeço-lhe, sor.
O cavaleiro andante semicerrou os olhos com um tal zelo que ela compreendeu que o homem devia ser míope.
- É uma senhora? Armada e vestida de armadura? Illy, pela bondade dos deuses, o tamanho que ela tem.
- Também a tomei por um cavaleiro - disse o mais velho, virando as trutas.
Se Brienne fosse um homem, seria chamada de grande; para uma mulher, era enorme. Monstruosa era a palavra que ouvira a vida inteira. Era larga de ombros e mais larga nas ancas. As pernas eram longas, e os braços, grossos. O peito era mais músculo do que seios. As mãos eram grandes, e os pés, enormes. E, além de tudo, era feia, com uma cara equina e sardenta, e dentes que pareciam ser quase grandes demais para a boca. Não precisava que lhe recordassem de nada daquilo.
- Sores - disse - viram uma donzela de treze anos na estrada? Tem olhos azuis e cabelos rubros, e talvez estivesse na companhia de um homem robusto, de rosto ruborizado, com quarenta anos.
O cavaleiro andante míope coçou a cabeça.
- Não me lembro de nenhuma donzela assim. Que tipo de cabelo é o rubro?
- Vermelho-acastanhado, normalmente - disse o homem mais velho. - Não, não a vimos.
- Não a vimos, senhora - disse-lhe o mais novo. - Vamos, desmonte, o peixe está quase pronto. Tem fome?
De fato tinha, mas também tinha cautela. A reputação dos cavaleiros andantes era duvidosa. “Um cavaleiro andante e um cavaleiro assaltante são dois lados da mesma espada”, dizia-se. Esses dois não parecem muito perigosos.
- Posso saber seus nomes, sores?
- Tenho a honra de ser Sor Creighton Longbough, sobre o qual cantam os cantores - disse o barrigudo. - Talvez tenha ouvido falar de meus feitos na Água Negra. Meu companheiro é Sor Illifer, o Sem-Vintém.
Se havia canções sobre Creighton Longbough, não eram das que Brienne tivesse ouvido. Os nomes dos homens não tinham mais significado para ela do que suas armas. O escudo verde de Sor Creighton mostrava apenas um comandante castanho e uma profunda ranhura feita por algum machado de guerra. O de Sor Illifer mostrava-se gironado de ouro e arminho, embora tudo nele sugerisse que nunca conhecera mais do que ouro e arminho pintado. Não teria menos de sessenta anos, e possuía um rosto atormentado e estreito, sob o capuz de um remendado manto de tecido grosseiro. Andava vestido de cota de malha, mas pontos de ferrugem sarapintavam o ferro como sardas. Brienne era uma cabeça mais alta do que qualquer dos dois, e estava mais bem montada e armada também. Se temer homens como estes, é melhor que troque a espada por um par de agulhas de tricô.
- Agradeço a vocês, bons sores - disse. - De bom grado partilharei sua truta - desmontando, Brienne tirou a sela da égua e deu-lhe de beber antes de prendê-la, deixando-a pastar. Empilhou as armas, escudo e alforjes sob um ulmeiro. Quando terminou, a truta já estava pronta e estaladiça. Sor Creighton trouxe-lhe uma, e Brienne sentou-se de pernas cruzadas no chão para comer.
- Seguimos para Valdocaso, senhora - disse-lhe Longbough, enquanto desfazia sua truta com os dedos. - Faria bem em seguir conosco. As estradas são perigosas.
Brienne poderia ter lhe contado mais sobre os perigos das estradas do que ele gostaria de saber.
- Agradeço-lhe, sor, mas não preciso de sua proteção.
- Insisto. Um verdadeiro cavaleiro deve proteger o sexo gentil.
Brienne tocou o cabo da espada:
- Isto me defenderá, sor.
- Uma espada tem apenas o valor do homem que a brande.
- E eu a brando suficientemente bem.
- Como quiser. Não seria cortês discutir com uma senhora. Nós a levaremos em segurança até Valdocaso. Um grupo de três pode cavalgar de forma mais segura do que uma pessoa sozinha.
Éramos três quando partimos de Correrrio, e, no entanto, Jaime perdeu a mão da espada, e Cleos Frey, a vida.
- Sua montaria não seria capaz de acompanhar o ritmo da minha - o castrado castanho de Sor Creighton era uma velha criatura, com o dorso demasiado curvo e olhos ramelosos, e o cavalo de Sor Illifer parecia pouco robusto e meio morto de fome.
- Meu corcel serviu-me bastante bem na Água Negra - insistiu Sor Creighton. - Ora, ali realizei grande carnificina e conquistei uma dúzia de resgates. A senhora conhecia Sor Herbert Bolling? Nunca o reencontrará agora. Matei-o de um golpe. Quando as espadas se encontram, nunca achará Sor Creighton Longbough na retaguarda.
O companheiro soltou um risinho seco:
- Creigh, para com isso. Gente como ela não tem uso a dar a gente como nós.
- Gente como eu? - Brienne não tinha certeza do que ele queria dizer.
Sor Illifer entortou um dedo ossudo na direção de seu escudo. Embora a pintura estivesse rachada e descascando, o símbolo aparecia com clareza: um morcego negro num campo dividido em faixas de prata e ouro.
- Usa um escudo de mentiroso, ao qual não tem direito. O avô de meu avô ajudou a matar os últimos Lothston. Ninguém desde então se atreveu a mostrar esse morcego, negro como as ações daqueles que o usavam.
O escudo era aquele que Sor Jaime levara do armeiro de Harrenhal. Brienne encontrara-o nos estábulos com a égua e muitas outras coisas; sela e freios, camisa de cota de malha e grande elmo com viseira, bolsas de ouro e prata e um pergaminho mais valioso do que qualquer delas.
- Perdi meu escudo - explicou.
- Um verdadeiro cavaleiro é o único escudo de que uma donzela necessita - declarou Sor Creighton em tom resoluto.
Sor Illifer o ignorou:
- Um homem descalço procura uma bota, e um homem com frio, um manto. Mas quem se cobriria em vergonha? Lorde Lucas usou o morcego, bem como o Proxeneta e Manfryd do Capuz Negro, seu filho. Por que usar um brasão desses, pergunto eu a mim mesmo, a menos que seu pecado seja ainda maior... e mais fresco - desembainhou o punhal, um feio bocado de ferro barato. - Uma mulher monstruosamente grande e forte que esconde suas verdadeiras cores. Creigh, contemple a Donzela de Tarth, que abriu a real goela de Renly,
- Isto é uma mentira - Renly Baratheon fora mais do que um rei para ela. Amara-o desde que ele fora a Tarth pela primeira vez, durante a vagarosa viagem senhorial com que marcara a passagem à idade adulta. O pai dera-lhe as boas-vindas com um banquete e ordenara a Brienne para estar presente; de outro modo ter-se-ia escondido em seu quarto como uma fera ferida. Naquela época, não era mais velha do que Sansa, e temia mais os risos abafados do que as espadas. Eles saberão da rosa, dissera a Lorde Selwyn, rirão de mim. Mas a Estrela da Tarde não quisera ceder.
E Renly Baratheon mostrou-lhe toda cortesia, como se ela fosse uma donzela como devia ser, e bonita. Até dançara com Brienne, e nos braços dele sentira-se graciosa, e seus pés flutuaram chão afora. Mais tarde, outros pediram-lhe uma dança, por causa do exemplo dado por ele. Desse dia em diante, só desejara estar perto de Lorde Renly, para servi-lo e protegê-lo. Mas, no fim, falhara-lhe. Renly morreu em meus braços, mas não o matei, pensou, mas aqueles cavaleiros andantes nunca compreenderiam.
- Teria dado a vida por Rei Renly e morrido feliz - disse. - Não lhe fiz nenhum mal. Juro-o pela minha espada.
- Quem jura pela espada são os cavaleiros - disse Sor Creighton.
- Jure pelos Sete - sugeriu Illifer, o Sem-Vintém.
- Seja pelos Sete. Não fiz nenhum mal ao Rei Renly, Juro-o pela Mãe. Que eu nunca conheça sua misericórdia se estiver mentindo. Juro-o pelo Pai, e peço que ele possa me julgar com justiça. Juro-o pela Donzela e pela Velha, pelo Ferreiro e pelo Guerreiro. E juro-o pelo Estranho, e que ele me leve agora se sou falsa.
- Ela jura bem, para uma donzela - admitiu Sor Creighton.
- É verdade - Sor Illifer, o Sem-Vintém encolheu os ombros. - Bem, se mente, os deuses tratarão dela - voltou a guardar o punhal. - O primeiro turno de vigia é seu.
Enquanto os cavaleiros andantes dormiam, Brienne perambulou sem descanso pelo pequeno acampamento, escutando o crepitar da fogueira. Devia seguir caminho enquanto posso. Não conhecia aqueles homens, mas não conseguia se convencer a abandoná-los sem defesa. Mesmo na escuridão da noite, havia viajantes na estrada e ruídos nos bosques que podiam ou não ser corujas e raposas à caça. E assim Brienne vagou, e manteve a lâmina solta dentro da bainha.
No fim das contas, o turno foi fácil. Depois é que se tornou difícil, quando Sor Illifer acordou e disse que a renderia. Brienne abriu uma manta no chão e enrolou-se para fechar os olhos. Não dormirei, disse a si mesma, apesar de se encontrar exausta até os ossos. Nunca dormira facilmente na presença de homens. Mesmo nos acampamentos de Lorde Renly, o risco de violação estava sempre presente. Era uma lição que aprendera sob as muralhas de Jardim de Cima, e voltara a aprender quando ela e Jaime caíram nas mãos dos Bravos Companheiros.
O frio da terra infiltrou-se através dos cobertores de Brienne e enfiou-se em seus ossos. Não demorou muito para sentir cada músculo comprimido e dolorido, do queixo aos dedos dos pés. Perguntou a si mesma se Sansa Stark também teria frio onde quer que estivesse. Senhora Catelyn dissera que Sansa era uma alma gentil, que adorava bolo de limão, vestidos de seda e canções de cavalaria, mas a garota vira a cabeça do pai ser cortada e depois fora forçada a se casar com um de seus assassinos. Se metade das histórias fosse verdadeira, o anão era o mais cruel de todos os Lannister. Se ela envenenou Rei Joffrey, o Duende certamente a forçou. Ela estava só e sem amigos naquela corte. Em Porto Real, Brienne encontrara um a certa Brella, que fora uma das aias de Sansa. A mulher dissera-lhe que havia pouco calor entre Sansa e o anão. Talvez estivesse fugindo tanto dele quanto do assassinato de Joffrey.
Quaisquer sonhos que Brienne pudesse ter tido haviam desaparecido quando a aurora a despertou. Sentia as pernas rígidas como madeira devido ao terreno frio, mas ninguém a molestara, e seus bens mantinham-se intactos. Os cavaleiros andantes estavam acordados e de pé. Sor Illifer esfolava um esquilo para o café da manhã, enquanto Sor Creighton estava virado para uma árvore, aliviando-se numa boa e longa mijadela. Cavaleiros andantes, pensou, velhos, vaidosos, roliços e míopes, mas, apesar de tudo, homens decentes. Animava-a saber que ainda existiam homens decentes no mundo.
Quebraram o jejum com esquilo assado, mingau de bolota e picles, enquanto Sor Creighton a divertia com suas façanhas na Água Negra, onde matara uma dúzia de temíveis cavaleiros de que ela nunca ouvira falar:
- Oh, foi uma luta fora do comum, senhora - disse - um combate único e sangrento - admitiu que Sor Illifer também lutara nobremente na batalha. Mas o próprio Illifer pouco disse.
Quando chegou o momento de continuarem a viagem, os cavaleiros puseram-se um de cada lado dela, como guardas protegendo uma grande senhora qualquer... embora aquela senhora fizesse que ambos os protetores se parecessem anões e, na ocasião, estivesse mais bem armada e couraçada.
- Alguém passou durante o turno de vocês? - Brienne lhes perguntou.
- Alguém como uma donzela de treze anos, com cabelos rubros? -disse Sor Illifer, o Sem-Vintém. - Não, senhora. Ninguém.
- Eu vi alguns - interpôs Sor Creighton. - Um moço de lavoura qualquer, montado num cavalo malhado, e meia hora mais tarde seis homens a pé com cajados e foices. Viram nossa fogueira e pararam para deitar um longo olhar aos nossos cavalos, mas mostrei-lhes um pouco do meu aço e disse-lhes para prosseguirem. Tipos duros, pelo aspecto, e também desesperados, mas não o suficiente para brincar com Sor Creighton Longbough.
Certamente não, pensou Brienne, assim tão desesperados, não. Virou a cabeça para esconder o sorriso. Felizmente Sor Creighton estava absorto demais na história de sua épica batalha com o Cavaleiro da Galinha Vermelha para reparar que a donzela se divertia. Era bom ter companheiros na estrada, mesmo companheiros como aqueles dois.
Era meio-dia quando Brienne ouviu cânticos à deriva através das árvores nuas e marrons.
- Que barulho é esse? - perguntou Sor Creighton.
- Vozes erguidas em prece - Brienne conhecia o cântico. Imploram proteção ao Guerreiro e pedem à Velha que lhes ilumine o caminho.
Sor Illifer, o Sem-Vintém desnudou sua lâmina deformada e refreou o cavalo para esperar a chegada do grupo.
- Já estão próximos.
Os cânticos enchiam a floresta como um trovão piedoso. E, de súbito, a fonte do som surgiu na estrada. Um grupo de irmãos suplicantes seguia à frente, homens malvestidos e barbudos, com vestes de tecido grosseiro, alguns descalços, e outros de sandálias. Atrás deles marchavam três vintenas de homens, mulheres e crianças esfarrapadas, uma porca malhada e várias ovelhas. Vários dos homens traziam machados, e os que empunhavam pedaços de madeira e maças toscas eram mais numerosos. Entre eles seguia uma carroça de duas rodas feita de madeira cinzenta e lascada, contendo uma grande pilha de crânios e pedaços de osso. Quando viram os cavaleiros andantes, os irmãos mendicantes pararam e o cântico morreu.
- Bons cavaleiros - disse um deles - a Mãe ama vocês.
- E a você, irmão - disse Sor Illifer. - Quem são?
- Pobres companheiros - disse um homem grande com um machado. Apesar do frio da floresta outonal, não vestia camisa, e no peito tinha cinzelada uma estrela de sete pontas. Guerreiros ândalos ostentavam estrelas como aquela gravadas na carne quando atravessaram pela primeira vez o mar estreito para esmagar os reinos dos Primeiros Homens.
- Marchamos para a cidade - disse uma mulher alta atrás da carroça - para levar estes ossos sagrados ao Abençoado Baelor, e procurar o auxílio e a proteção do rei.
-Juntem -se a nós, amigos - exortou um pequeno homem magro que trajava uma veste de septão e usava um cristal numa corrente em volta do pescoço. - Westeros necessita de todas as espadas.
- Nós seguimos para Valdocaso - declarou Sor Creighton - mas talvez pudéssemos levar vocês em segurança até Porto Real.
- Caso tenham dinheiro para nos pagar pela escolta - acrescentou Sor Illifer, que parecia tão prático como sem vintém.
- Os pardais não precisam de ouro - respondeu o septão.
Sor Creighton não compreendeu:
- Pardais?
- O pardal é a mais humilde e a mais comum das aves, assim como nós somos os mais humildes e os mais comuns dos homens - o septão possuía um rosto magro e anguloso e uma barba curta, grisalha e castanha. Seus cabelos finos estavam puxados e atados atrás da cabeça, e tinha os pés nus e negros, nodosos e duros como raízes de uma árvore. - Estes são os ossos de homens santos, assassinados por sua fé. Serviram os Sete até a morte. Alguns morreram de fome, outros foram torturados. Septos foram pilhados, donzelas e mães foram violadas por homens ímpios e adoradores de demônios. Até irmãs silenciosas foram molestadas. Nossa Mãe no Céu grita em sua angústia. É hora de todos os cavaleiros ungidos abandonarem seus senhores terrenos e defenderem a nossa Fé Sagrada. Venham conosco para a cidade, caso amem os Sete.
- Tenho bastante amor por eles - disse Illifer - mas preciso comer.
- Assim como todos os filhos da Mãe.
- Vamos para Valdocaso - Sor Illifer repetiu terminantemente.
Um dos irmãos mendicantes cuspiu, e uma mulher soltou um gemido.
- São falsos cavaleiros - disse o grandalhão com a estrela gravada no peito. Vários outros brandiram pedaços de madeira.
O septão descalço os acalmou com uma palavra.
- Não julguem, pois o julgamento cabe ao Pai. Deixe-os passar em paz. Eles também são pobres companheiros, perdidos na terra.
Brienne fez a égua avançar:
- Minha irmã também está perdida. Uma garota de treze anos com cabelos ruivos e bonita de se ver.
- Todos os filhos da Mãe são bonitos de se ver. Que a Donzela vigie essa pobre moça... e a você também, julgo eu - o septão pôs um dos tirantes da carroça no ombro e começou a puxar. Os irmãos mendicantes recomeçaram o cântico. Brienne e os cavaleiros andantes ficaram parados, montados nos cavalos, enquanto a procissão passava lentamente, seguindo a estrada sulcada na direção de Rosby. O som de seus cânticos foi diminuindo lentamente até morrer.
Sor Creighton ergueu uma nádega da sela para coçar o traseiro.
- Que tipo de homem mataria um santo septão?
Brienne conhecia esse tipo de homem. Perto de Lagoa da Donzela, recordava-se, os Bravos Companheiros tinham pendurado um septão, de cabeça para baixo, no galho de uma árvore e usado seu cadáver para praticar tiro ao alvo. Perguntou a si mesma se seus ossos estariam empilhados naquela carroça com todos os outros.
- Um homem teria de ser um idiota para violar uma irmã silenciosa - Sor Creighton declarou. - Ou até para pôr as mãos em uma... diz-se que são as esposas do Estranho, e suas partes femininas são frias e úmidas como gelo - lançou um relance a Brienne. - Ah... peço perdão.
Brienne esporeou a égua na direção de Valdocaso. Um momento depois, Sor Illifer a seguiu, e Sor Creighton fechou a retaguarda.
Três horas mais tarde encontraram outro grupo que seguia penosamente na direção de Valdocaso; um mercador e seus criados, acompanhados por outro cavaleiro andante. O mercador montava uma égua cinzenta sarapintada, enquanto os criados se revezavam para puxar seu carro. Quatro esforçavam-se nos tirantes, enquanto os outros dois caminhavam ao lado das rodas. Mas quando ouviram o som de cavalos se colocaram em volta do carro com bastões de freixo ferrados, prontos para serem usados. O mercador puxou uma besta e o cavaleiro, uma espada.
- Perdoem minha suspeita - gritou o mercador - mas os tempos são conturbados, e só tenho o bom Sor Shadrich para me defender. Quem são?
- Ora - respondeu Sor Creighton, ofendido sou o famoso Sor Creighton Longbough, vindo da batalha da Água Negra, e este é meu companheiro, Sor Illifer, o Sem-Vintém.
- Não pretendemos lhes fazer nenhum mal - disse Brienne.
O mercador a avaliou com ar duvidoso.
- Senhora, devia estar a salvo em casa. Por que usa um vestuário tão pouco natural?
- Procuro minha irmã - não se atrevia a mencionar o nome de Sansa, com a garota sendo acusada de regicídio. - É uma donzela bem-nascida e bela, com olhos azuis e cabelos ruivos. Talvez a tenham visto com um cavaleiro robusto de quarenta anos, ou um bobo bêbado.
- As estradas estão cheias de bobos bêbados e de donzelas espoliadas. Quanto a cavaleiros robustos, é difícil a qualquer homem honesto manter a barriga redonda quando a tantos falta comida... embora Sor Creighton não tenha passado fome, ao que parece.
- Tenho ossos grandes - insistiu Sor Creighton. - Seguimos juntos por algum tempo? Não duvido do valor de Sor Shadrich, mas ele parece pequeno, e é melhor três lâminas do que uma.
Quatro lâminas, pensou Brienne, mas controlou a língua.
O mercador olhou para sua escolta.
- O que diz, sor?
- Oh, esses três não são nada a temer - Sor Shadrich era um homem seco e nervoso, com rosto de raposa, nariz aguçado e um montículo de cabelos cor de laranja, montado num corcel marrom de pernas altas. Embora não tivesse mais de um metro e cinquenta e cinco, possuía modos senhores de si. - Aquele é velho; o outro, gordo, e a grande é mulher. Que venham.
- Assim seja - o mercador abaixou a besta.
Quando retomaram viagem, o cavaleiro contratado deixou-se ficar para trás e olhou Brienne de cima a baixo como se ela fosse uma boa peça de porco salgado.
- É uma garota forte e saudável, parece.
A troça de Sor Jaime golpeara-a profundamente; as palavras do homenzinho quase nem lhe tocaram.
- Uma gigante, comparada com certos homens.
Ele deu risada.
- Sou suficientemente grande onde conta, garota.
- O mercador chamou-o Shadrich.
- Sor Shadrich de Vale Sombrio. Há quem me chame de Rato Louco - virou o escudo para lhe mostrar seu símbolo, um grande rato branco com ferozes olhos vermelhos sobre faixas marrom e azul. - O marrom simboliza as terras que percorri, e o azul, os rios que atravessei. O rato sou eu.
- E você é louco?
- Oh, bastante. Um rato comum foge do sangue e da batalha. O louco procura-os.
- Aparentemente é raro encontrá-los.
- Encontro-os o suficiente. É verdade que não sou nenhum cavaleiro de torneios. Guardo meu valor para o campo de batalha, mulher.
Supunha que mulher era marginalmente melhor do que garota.
- Então, você e o bom Sor Creighton têm muito em comum.
Sor Shadrich deu risada:
- Oh, duvido, mas pode ser que você e eu partilhemos uma missão. Uma irmãzinha perdida, não é? Com olhos azuis e cabelos ruivos? - voltou a rir. - Não é o único caçador nos bosques. Eu também procuro Sansa Stark.
Brienne manteve o rosto como uma máscara para esconder a consternação.
- Quem é essa Sansa Stark, e por que a procura?
- Por amor, que outra coisa poderia ser?
Brienne franziu a testa:
- Amor?
- Sim, amor pelo ouro. Ao contrário de nosso bom Sor Creighton, realmente lutei na Água Negra, mas do lado perdedor. Meu resgate arruinou-me. Sabe quem é Varys, espero? O eunuco ofereceu um saco rechonchudo de ouro por essa garota de que nunca ouviu falar. Não sou um homem ganancioso. Se alguma moça grande demais me ajudasse a encontrar essa criança marota, eu dividiria o dinheiro da Aranha com ela.
- Julguei que estivesse a soldo do mercador.
- Só até Valdocaso. Hibald é tão avarento quanto temeroso. E é muito temeroso. Que me diz, garota?
- Não conheço nenhuma Sansa Stark - ela insistiu. - Ando à procura de minha irmã, uma moça bem-nascida...
- ... com olhos azuis e cabelos ruivos. Diga-me, quem é esse cavaleiro que viaja com sua irmã? Ou será que o chamou de bobo? - Sor Shadrich não esperou pela resposta de Brienne, o que era bom, visto que não tinha nenhuma. - Um certo bobo desapareceu de Porto Real na noite da morte do Rei Joffrey, um tipo robusto com o nariz cheio de veias rotas, um certo Sor Dontos, o Vermelho, originalmente de Valdocaso. Rezo para que sua irmã e seu bobo bêbado não sejam confundidos com a garota Stark e Sor Dontos. Isto poderia ser um grande infortúnio - bateu os calcanhares no corcel e avançou a trote.
Até Jaime Lannister só raramente fizera que Brienne se sentisse uma tola tão grande. Não é o único caçador nos bosques. A mulher, Brella, contara-lhe como Joffrey despojara Sor Dontos das esporas, como a Senhora Sansa suplicara a Joffrey que lhe poupasse a vida. Ele a ajudou a fugir, decidiu Brienne, depois de ouvir a história. Se encontrar Sor Dontos, encontrarei Sansa. Deveria ter sabido que outros também o compreenderiam. Alguns podem mesmo ser menos palatáveis do que Sor Shadrich. Só podia esperar que Sor Dontos tivesse escondido bem Sansa. Mas, se for assim, como é que eu a encontro?
Curvou os ombros e prosseguiu, com a testa franzida.
A noite já se aproximava quando o grupo chegou a uma estalagem, um edifício alto de madeira que se erguia junto à confluência de dois rios, empoleirada numa velha ponte de pedra. Era este o nome da estalagem, disse-lhes Sor Creighton, a Velha Ponte de Pedra. O estalajadeiro era seu amigo.
- Não é mau cozinheiro, e os quartos não têm mais pulgas do que o habitual - assegurou. - Quem é a favor de uma cama quente esta noite?
- Nós não, a não ser que seu amigo as esteja nos oferecendo - disse Sor Illifer, o Sem-Vintém - Não temos dinheiro para quartos.
- Posso pagar por nós três - a Brienne não faltava dinheiro; Jaime tratara disso. Nos alforjes encontrara uma bolsa cheia de veados de prata e estrelas de cobre, outra menor atulhada de dragões de ouro, e um pergaminho ordenando a todos os súditos leais do rei para prestarem assistência à portadora, Brienne da Casa Tarth, que tratava de assuntos de Sua Graça. Estava assinado numa letra infantil por Tommen, o Primeiro do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, e Senhor dos Sete Reinos.
Hibald também parou na estalagem e pediu aos seus homens para deixarem a carroça perto dos estábulos. Uma quente luz amarela brilhava através das vidraças em forma de losango das janelas do estabelecimento, e Brienne ouviu um garanhão bramir ao sentir o cheiro de sua égua. Estava soltando a sela quando um rapaz saiu da porta do estábulo e disse:
- Deixe-me fazer isso, sor.
- Não sou nenhum sor - respondeu-lhe - mas pode levar a égua. Certifique-se de que seja alimentada e escovada, e que lhe deem de beber.
O rapaz ruborizou-se:
- Peço perdão, senhora. Pensei...
- É um erro comum - Brienne entregou-lhe as rédeas e seguiu os outros para a estalagem, com os alforjes no ombro e o rolo de dormir debaixo de um braço.
Serragem cobria o chão de tábuas da sala comum, e o ar cheirava a lúpulo, fumaça e carne. Um assado silvava e crepitava no fogo, sem ninguém cuidando dele. Seis homens da terra estavam sentados em volta de uma mesa, conversando, mas calaram-se quando os estranhos entraram. Brienne sentiu seus olhos. Apesar da cota de malha, do manto e do justilho, sentiu-se nua quando um homem disse:
- Olhem para aquilo -soube que não estava falando de Sor Shadrich.
O estalajadeiro apareceu, trazendo três canecas em cada mão e derramando cerveja a cada passo.
- Tem quartos, bom homem? - perguntou-lhe o mercador.
- Pode ser que tenha - respondeu o estalajadeiro - para quem tiver dinheiro.
Sor Creighton Longbough pareceu ofendido.
- Naggle, é assim que saúda um velho amigo? Sou eu, Longbough.
- É você, sim. Deve-me sete veados. Mostre-me alguma prata e eu lhe mostro uma cama - o estalajadeiro pousou as canecas uma a uma, derramando mais cerveja sobre a mesa enquanto o fazia.
- Pago por um quarto para mim e por outro para os meus dois companheiros - Brienne indicou Sor Creighton e Sor Illifer.
- Eu também vou querer um quarto - disse o mercador - para mim e para o bom Sor Shadrich. Meus criados dormirão em seus estábulos, se concordar.
O estalajadeiro olhou-os bem:
- Não me agrada, mas pode ser que deixe. Vão querer jantar? Aquilo ali no espeto é uma boa cabra, oh se é.
- Eu mesmo julgarei se ela é boa ou não - anunciou Hibald. -Meus homens se contentarão com pão e gordura do assado.
E assim jantaram. Brienne experimentou a cabra, depois de seguir o estalajadeiro escada acima, enfiar-lhe umas tantas moedas na mão e guardar suas posses no segundo quarto que o homem lhe mostrou. Pediu também cabra para Sor Creighton e para Sor Illifer, visto que tinham partilhado as trutas com ela. Os cavaleiros andantes e o septão empurraram a carne para baixo com cerveja, mas Brienne bebeu uma taça de leite de cabra. Ficou à mesa, escutando as conversas e esperando, contra qualquer esperança, ouvir algo que a ajudasse a encontrar Sansa.
- Vem de Porto Real - disse um dos homens da terra a Hibald. - E verdade que o Regicida foi mutilado?
- É bem verdade - disse Hibald - Perdeu a mão da espada.
- Sim - disse Sor Creighton - arrancada por um lobo gigante, segundo ouvi dizer, um daqueles monstros que desceram do Norte. Nunca veio nada de bom do Norte. Até os deuses deles são esquisitos.
- Não foi um lobo - ouviu-se Brienne contestar. - Sor Jaime perdeu a mão para um mercenário de Qohor.
- Não é coisa fácil lutar com a mão ruim - observou Rato Louco.
- Bah - disse Sor Creighton Longbough. - Acontece que luto igualmente bem com ambas as mãos.
- Oh, não tenho nenhuma dúvida disso - Sor Shadrich ergueu a caneca numa saudação.
Brienne recordou sua luta com Jaime Lannister na floresta. Fora com dificuldade que mantivera a espada dele afastada. Ele estava fraco do tempo que passou encarcerado, e tinha correntes nos pulsos. Nenhum cavaleiro dos Sete Reinos poderia enfrentá-lo na posse de todas as suas forças, sem correntes que lhe dificultassem os movimentos. Jaime fizera muitas coisas malignas, mas o homem sabia lutar! Sua mutilação fora monstruosamente cruel. Uma coisa era matar um leão, outra era cortar-lhe a pata e deixá-lo quebrado e desorientado.
De súbito, a sala comum ficou ruidosa demais para suportá-la nem que fosse por mais um momento. Brienne murmurou boas-noites e foi para a cama. O teto em seu quarto era baixo; ao entrar com uma vela na mão, teve de se abaixar para não bater a cabeça. Os únicos objetos no quarto eram uma cama suficientemente grande para seis pessoas e o coto de uma vela alta no peitoril da janela. Acendeu-a com a vela que trazia na mão, trancou a porta e pendurou o cinto da espada em uma das colunas da cama. A bainha era uma coisa simples, madeira envolta em couro marrom e fendido, e a espada ainda mais simples. Comprara-a em Porto Real, para substituir a lâmina que os Bravos Companheiros lhe tinham roubado. A espada de Renly. Ainda doía-lhe saber que a perdera.
Mas tinha outra espada escondida no rolo de dormir. Sentou-se na cama e a tirou para fora. Ouro cintilou, amarelo, à luz da vela, e rubis arderam, rubros. Quando tirou a Cumpridora de Promessas da bainha ornamentada, Brienne sentiu que a respiração se prendia em sua garganta. As ondulações corriam, negras e vermelhas, pelas profundezas do aço. Aço valiriano, forjado com feitiços. Era uma espada digna de um herói. Quando pequena, a ama enchera-lhe os ouvidos com contos de valor, regalando-a com os nobres feitos de Sor Galladon de Morne, de Florian, o Bobo, do Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão, e de outros campeões. Cada um usava sua espada famosa, e certamente o lugar da Cumpridora de Promessas era na sua companhia, mesmo que o seu não fosse.
- Irá proteger a filha de Ned Stark com o aço do próprio Ned Stark - prometera Jaime.
Ajoelhando-se entre a cama e a parede, ergueu a lâmina e proferiu uma prece silenciosa à Velha, cuja lâmpada dourada mostrava aos homens o caminho pela vida. Guie-me, rezou, ilumine o caminho que tenho pela frente, mostre-me o rumo que leva até Sansa. Falhara a Renly, falhara à Senhora Catelyn. Não podia falhar a Jaime. Ele confiou sua espada a mim. Confiou-me sua honra.
Depois, estendeu-se o melhor que pôde na cama. Apesar de ser bem larga, não era comprida o suficiente, por isso Brienne deitou-se em diagonal. Ouvia o tinir das canecas vindo de baixo e vozes que ecoavam degraus acima. As pulgas de que Longbough falara fizeram sua aparição. Coçar-se a ajudou a se manter acordada. Ouviu Hibald subir as escadas, e algum tempo depois também os cavaleiros.
- ... não cheguei a saber seu nome - Sor Creighton disse enquanto passava - mas no escudo trazia uma galinha vermelha como sangue, e sua lâmina pingava tripas... - a voz do homem desvaneceu-se, e em algum lugar mais acima uma porta se abriu e fechou.
A vela apagou-se. A escuridão caiu sobre a Velha Ponte de Pedra, e a estalagem ficou tão sossegada que Brienne conseguia ouvir o murmúrio do rio. Só então se levantou para reunir suas coisas. Abriu lentamente a porta, pôs-se à escuta, e descalça desceu as escadas. Lá fora calçou as botas e se dirigiu rapidamente aos estábulos para selar a égua baia, pedindo um perdão silencioso a Sor Creighton e a Sor Illifer enquanto montava. Um dos criados de Hibald acordou quando ela passou por ele, já a cavalo, mas nada fez para detê-la. Os cascos da égua ressoaram na velha ponte de pedra. Então, as árvores fecharam-se à sua volta, negras como breu e cheias de fantasmas e memórias. Vou à sua procura, Senhora Sansa, pensou, enquanto penetrava na escuridão. Não tenha medo. Não descansarei enquanto não encontrá-la.  

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