segunda-feira, 23 de setembro de 2013

43 - CERSEI



Septã Moelle era uma velha de cabelos brancos, com um rosto pontudo como um manchado e lábios comprimidos em perpétua desaprovação. Esta ainda tem a virgindade intacta, aposto, Cersei pensou, embora a essa altura esteja dura e rígida como couro fervido. Seis dos cavaleiros do Alto Pardal escoltavam-na, com a espada arco-íris de sua ordem renascida desenhada nos escudos pontiagudos.
- Septã - Cersei estava sentada sob o Trono de Ferro, vestida de seda verde e renda dourada. - Diga à Sua Alta Santidade que estamos aborrecidos com ele. Ousa demais - esmeraldas cintilavam em seus dedos e nos cabelos dourados. Os olhos da corte e da cidade estavam postos nela, e queria que vissem a filha de Lorde Tywin. Quando aquela farsa terminasse, saberiam que não tinham mais do que uma verdadeira rainha. Mas, primeiro, temos de dançar a dança e não falhar nenhum passo. - Senhora Margaery é a leal e gentil esposa do meu filho, sua companheira e consorte. Sua Alta Santidade não tinha motivo para pôr as mãos na sua pessoa, ou para aprisioná-la e às jovens primas, que tão queridas são por todos nós. Exijo que as liberte.
A expressão severa da Septã Moelle não vacilou.
- Transmitirei as palavras de Vossa Graça a Sua Alta Santidade, mas tenho o penoso dever de dizer que a jovem rainha e suas senhoras não podem ser libertadas até que a sua inocência seja provada.
- Inocência? Ora, basta olhar para seus doces e jovens rostos para ver como são inocentes.
- Um rosto doce esconde frequentemente um coração de pecador.
Senhora Merryweather interveio da mesa do conselho.
- De que ofensa foram essas jovens donzelas acusadas, e por quem?
A septã respondeu:
- Megga Tyrell e Elinor Tyrell são acusadas de lascívia, fornicação e conspiração para cometer alta traição. Alia Tyrell, de testemunhar sua vergonha e de ajudá-las a escondê-la. E disso foi também acusada a Rainha Margaery, além de adultério e alta traição.
Cersei levou uma mão ao peito.
- Diga-me quem anda espalhando tais calúnias sobre a minha nora! Não acredito em uma palavra do que estou ouvindo. Meu querido filho ama a Senhora Margaery de todo o coração, ela nunca poderia ter sido cruel a ponto de enganá-lo.
- O acusador é um cavaleiro de sua própria guarda. Sor Osney Kettleblack confessou ao Alto Septão em pessoa ter tido contato carnal com a rainha, diante do altar do Pai.
Na mesa do conselho, Harys Swyft arfou, e o Grande Meistre Pycelle virou a cabeça. Um zumbido encheu o ar, como se houvesse mil vespas à solta na sala do trono. Algumas das senhoras nas galerias começaram a se esgueirar para o exterior, seguidas por uma corrente de pequenos senhores e cavaleiros que estavam no fundo da sala. Os homens de manto dourado deixaram-nos ir, mas a rainha instruíra Sor Osfryd para tomar nota de todos os que fugissem. De repente as rosas Tyrell não cheiram tão bem.
- Sor Osney é jovem e enérgico, admito - disse a rainha - mas, apesar disso, é um cavaleiro de confiança. Se ele diz que participou nisto... Não, não pode ser. Margaery é uma donzela!
- Não é. Eu mesma a examinei, a pedido de Sua Alta Santidade. Sua virgindade não está intacta. Septã Aglantine e Septã Melicent dirão o mesmo, bem como a própria septã da Rainha Margaery, Nysterica, que foi confinada a uma cela de penitente pelo papel desempenhado na vergonha da rainha. Senhora Megga e Senhora Elinor também foram examinadas. Descobriu-se que ambas tinham sido rompidas.
As vespas tornavam-se tão ruidosas que a rainha já quase nem conseguia ouvir-se pensar. Espero que a pequena rainha e as primas tenham gostado dessas suas cavalgadas.
Lorde Merryweather pôs-se aos murros na mesa.
- A Senhora Margaery prestou juramentos solenes atestando sua virgindade à Sua Graça, à rainha e ao falecido Lorde Tywin. Muitos dos presentes os testemunharam. Lorde Tyrell também proclamou sua inocência, e o mesmo fez a Senhora Olenna, a qual todos sabemos estar acima de qualquer suspeita. Quer que acreditemos que todas essas nobres pessoas mentiram?
- Talvez elas também tenham sido enganadas, senhor - Septã Moelle se manifestou. - Quanto a isso não posso dizer nada. Só posso garantir a verdade daquilo que descobri pessoalmente quando examinei a rainha.
A imagem daquela velha amarga enfiando os dedos enrugados pela bocetinha cor-de-rosa de Margaery era tão engraçada que Cersei quase soltou uma gargalhada.
- Insistimos que Sua Alta Santidade permita que nossos meistres examinem minha nora, para determinar se há alguma migalha de verdade nessas calúnias. Grande Meistre Pycelle, irá acompanhar Septã Moelle ao Septo do Adorado Baelor e voltará para junto de nós com a verdade acerca da virgindade de nossa Margaery.
Pycelle ficara da cor do branco coalhado. Nas reuniões do conselho, o maldito do velho imbecil não se cala, mas agora que preciso de algumas de suas palavras perdeu a capacidade da fala, pensou a rainha, antes de o velho finalmente sair com um:
- Não preciso examinar suas... suas partes privadas - sua voz estava trêmula. - Lastimo dizer... a Rainha Margaery não é donzela. Ordenou-me que lhe fizesse chá da lua, não uma, mas muitas vezes.
O tumulto que se seguiu àquilo foi tudo que Cersei Lannister poderia ter desejado.
O arauto real bateu no chão com seu bastão, mas isso pouco fez para abafar o ruído. A rainha deixou-o inundá-la por alguns segundos, saboreando o som da desgraça da pequena rainha. Quando o achou suficiente, ergueu-se com uma expressão de pedra e ordenou que os homens de manto dourado evacuassem o salão. Margaery Tyrell está acabada, pensou, exultante. Seus cavaleiros brancos puseram-se ao seu redor enquanto saía pela porta do rei, por trás do Trono de Ferro; Boros Blount, Meryn Trant e Osmund Kettleblack, os últimos membros da Guarda Real que restavam na cidade.
O Rapaz Lua estava junto à porta, com o chocalho numa mão, fitando a confusão com os seus grandes olhos redondos. Pode ser um bobo, mas mostra sua loucura honestamente. Maggy, a Rã, também devia andar vestida de retalhos por tudo o que sabia sobre o futuro. Cersei rezava para que a velha fraude estivesse aos gritos no inferno. A rainha mais nova, cuja chegada predissera, estava acabada, e se essa profecia podia falhar, as outras também podiam. Nada de mortalhas douradas, nada de valonqar, estou finalmente livre da sua maldade coaxante.
O restante de seu pequeno conselho saiu atrás dela. Harys Swyft parecia aturdido. Tropeçou à porta, e poderia ter caído se Aurane Waters não o tivesse segurado pelo braço. Até Orton Merryweather parecia ansioso.
- O povo gosta da pequena rainha - disse. - Não receberá isso bem. Temo o que possa acontecer em seguida, Vossa Graça.
- Lorde Merryweather tem razão - Lorde Waters concordou. - Se aprouver a Vossa Graça, lançarei à água o resto de nossos novos dromones. Vê-los na Água Negra com o estandarte do Rei Tommen flutuando em seus mastros recordará à cidade quem governa aqui, e os manterá a salvo, caso a turba decida voltar a entrar em motim.
Deixou o resto por dizer. Uma vez na Água Negra, os dromones podiam impedir Mace Tyrell de atravessar o rio com seu exército, tal como Tyrion impedira Stannis. Jardim de Cima não possuía poderio marítimo próprio deste lado de Westeros. Dependia da frota Redwyne, atualmente de regresso à Árvore.
- Uma medida prudente - anunciou a rainha. - Até essa tempestade passar, quero seus navios tripulados e na água.
Sor Harys Swyft estava tão pálido e suado que parecia prestes a desmaiar.
- Quando as notícias sobre isso chegarem a Lorde Tyrell, sua fúria não conhecerá limites. Haverá sangue nas ruas...
O cavaleiro das galinhas trêmulas, refletiu Cersei. Devia escolher um verme como símbolo, sor. Uma galinha é ousada demais para você. Se Mace Tyrell nem sequer assalta Ponta Tempestade, como imagina que se atreverá a atacar os deuses? Quando o homem acabou de disparatar, disse:
- Não deve chegar-se ao derramamento de sangue, e pretendo me assegurar de que isso não ocorra. Irei pessoalmente ao Septo de Baelor para falar com a Rainha Margaery e o Alto Septão. Sei que Tommen os ama a ambos, e que desejaria que eu fizesse a paz entre eles.
- Paz? - Sor Harys esfregou levemente a testa com sua manga de veludo. - Se a paz for possível... Isto é muito valente de sua parte.
- Algum tipo de julgamento poderá ser necessário - a rainha retrucou - para revelar como falsas essas ignóbeis calúnias e mentiras, e mostrar ao mundo que nossa querida Margaery é a inocente que todos sabemos que é.
- Sim - Merryweather assentiu - mas esse Alto Septão pode querer julgar ele mesmo a rainha, como a Fé julgava os homens antigamente.
Espero que sim, Cersei respondeu em pensamento. Não era provável que um tal tribunal olhasse com benevolência rainhas traiçoeiras que abrem as pernas a cantores e profanam os ritos sagrados da Donzela para esconder sua vergonha.
- O mais importante é descobrir a verdade, estou certa de que todos concordamos - Cersei voltou a falar. - E agora, senhores, devem me perdoar. Tenho de ir ter com o rei. Ele não deve ficar sozinho num momento como este.
Tommen pescava gatos quando a mãe regressou para junto dele. Dorcas fizera-lhe um rato com pedaços de peles e atara-o a um longo barbante preso à ponta de uma velha vara de pescar. Os gatinhos adoravam persegui-lo, e não havia nada que o garoto mais gostasse do que puxá-lo chão afora com os animais saltando atrás dele. Pareceu surpreso quando Cersei o envolveu nos braços e o beijou na testa.
- Por que fez isso, mãe? Por que está chorando?
Porque você está a salvo, quis lhe dizer. Porque nenhum mal lhe acontecerá.
- Está enganado. Um leão nunca chora - haveria tempo mais tarde para lhe falar de Margaery e das primas. - Há alguns mandados que quero que assine.
Pelo bem do rei, a rainha omitira os nomes nos mandados de captura. Tommen os assinou em branco e comprimiu alegremente seu selo contra a cera quente, como sempre fazia. Depois daquilo, ela o mandou embora com Jocelyn Swyft.
Quando sor Osfryd Kettleblack chegou, a tinta já secava. Cersei escrevera pessoalmente os nomes: Sor Tallad, o Alto, Jalabhar Xho, Hamish, o Harpista, Hugh Clifton, Mark Mullendore, Bayard Norcross, Lambert Timberry, Horas Redwyne, Hobber Redwyne, e um certo rústico chamado Wat, que chamava a si mesmo Bardo Azul.
- Tantos - Sor Osfryd remexeu nos mandados, tão desconfiado das palavras como se fossem baratas rastejando sobre o pergaminho. Nenhum dos Kettleblack sabia ler.
- Dez. Tem seis mil homens de manto dourado. São suficientes para dez, penso eu. Alguns dos espertos podem ter fugido, se os rumores lhes chegaram aos ouvidos a tempo. Se assim for, não importa; sua ausência só os faz parecer mais culpados. Sor Tallad é algo imbecil e pode tentar resistir. Assegure-se de que não morra antes de confessar, e não faça mal a nenhum dos outros. Alguns bem podem ser inocentes - era importante que se descobrisse que os gêmeos Redwyne tinham sido falsamente acusados. Isso demonstraria a justiça dos julgamentos contra os outros.
- Teremos a todos antes de o sol nascer, Vossa Graça - Sor Osfryd hesitou. - Uma multidão está se juntando diante da porta do Septo de Baelor.
- Que tipo de multidão? - qualquer coisa inesperada a deixava desconfiada. Lembrou-se do que Lorde Waters dissera sobre os tumultos. Não pensei no modo como os plebeus poderiam reagir a isso. Margaery tem sido seu animalzinho de estimação. - Quantas pessoas?
- Umas cem, mais ou menos. Gritam para que o Alto Septão liberte a pequena rainha. Podemos correr com eles, se quiser.
- Não. Deixe-os gritar até ficarem roucos, isso não fará o pardal mudar de ideia. Ele só dá ouvidos aos deuses - havia certa ironia em Sua Alta Santidade ter uma multidão irada acampada à sua porta, visto que fora exatamente uma multidão dessas que lhe entregara a coroa de cristal. Que ele prontamente vendeu. - A Fé agora tem seus próprios cavaleiros. Que defendam eles o septo. Oh, e feche também as muralhas da cidade. Ninguém deverá entrar ou sair de Porto Real sem a minha autorização até que isso esteja esclarecido e terminado.
- Às suas ordens, Vossa Graça - Sor Osfryd fez uma reverência e foi arranjar alguém que lhe lesse os mandados.
Quando o sol se pôs nesse dia, todos os acusados de traição estavam presos. Hamish, o Harpista, perdera os sentidos quando o tinham ido capturar, e Sor Tallad, o Alto, ferira três homens de manto dourado antes de os outros o dominarem. Cersei ordenou que fossem dados aposentos confortáveis numa torre aos gêmeos Redwyne. Os outros foram para as masmorras.
- Hamish está com dificuldade de respirar - informou-a Qyburn quando veio visitá-la nessa noite. - Está pedindo um meistre.
- Diga-lhe que pode ser visto por um assim que confessar - refletiu por um momento. - Ele é velho demais para ter estado entre os amantes, mas sem dúvida foi obrigado a tocar e cantar para Margaery enquanto ela recebia outros homens. Precisaremos de detalhes.
- Eu o ajudarei a se recordar deles, Vossa Graça.
No dia seguinte, Senhora Merryweather ajudou Cersei a se vestir para a visita de ambas à pequena rainha.
- Nada muito rico ou colorido - disse. - Algo adequadamente devoto e sem graça para o Alto Septão. É capaz de ele me obrigar a acompanhá-lo em orações.
Por fim, escolheu um macio vestido de lã que a cobria da garganta aos tornozelos, apenas com alguns arabescos bordados no corpete e as mangas confeccionadas em fio dourado, para suavizar a severidade de seu corte. Ainda melhor, o marrom ajudaria a esconder a sujeira, caso fosse obrigada a se ajoelhar.
- Enquanto estiver confortando minha nora, você falará com as três primas - disse a Taena. - Conquiste Alia, se puder, mas tenha cuidado com o que diz. Os deuses podem não ser os únicos a estar à escuta.
Jaime sempre dizia que a parte mais dura de uma batalha é o momento imediatamente antes, enquanto se espera pelo início da carnificina. Quando saiu para a rua, Cersei viu que o céu estava cinzento e sombrio. Não podia correr o risco de ser apanhada por uma tempestade e chegar ao Septo de Baelor ensopada e enlameada. Isto queria dizer liteira.
Como escolta, levou dez guardas domésticos Lannister e Boros Blount.
- A turba de Margaery pode não ter inteligência suficiente para distinguir um Kettleblack do outro - disse a Sor Osmund - e não posso tê-lo abrindo caminho à força através dos plebeus. É melhor manter-se fora de vista por uns tempos.
Enquanto atravessavam Porto Real, Taena teve uma súbita dúvida.
- Esse julgamento - disse, em voz baixa - e se Margaery exigir que a sua culpa ou inocência seja determinada por combate judiciário?
Um sorriso roçou nos lábios de Cersei.
- Como rainha, sua honra tem de ser defendida por um cavaleiro da Guarda Real. Ora, qualquer criança em Westeros sabe como o Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão, foi o campeão de sua irmã, a Rainha Naerys, contra as acusações de Sor Morghil. Mas com Sor Loras tão gravemente ferido, temo que o papel de Príncipe Aemon tenha de cair sobre um de seus Irmãos Juramentados - encolheu os ombros. - Mas quem? Sor Arys e Sor Balon andam longe, em Dorne, Jaime está em Correrrio, e Sor Osmund é irmão do homem que a acusa, o que deixa apenas... Oh, puxa...
- Boros Blount e Meryn Trant - Senhora Taena soltou uma gargalhada.
- Sim, e Sor Meryn tem andado adoentado nos últimos tempos. Lembre-me de lhe dizer isso quando regressarmos ao castelo.
- Lembrarei, minha querida - Taena pegou-lhe na mão e a beijou. - Rezo para nunca ofendê-la. É terrível quando provocada.
- Qualquer mãe faria o mesmo para proteger seus filhos - Cersei respondeu. - Quando pensa em trazer esse seu garoto para a corte? Russell, não é esse seu nome? Podia treinar com Tommen.
- Isso animaria o garoto, eu sei... Mas as coisas estão tão incertas neste momento, acho melhor esperar até o perigo passar.
- Terminará logo - Cersei prometeu. - Mande uma mensagem para Mesalonga para que Russell embale seu melhor gibão e sua espada de madeira. Um novo jovem amigo será precisamente a coisa certa para ajudar Tommen a esquecer sua perda, depois que a pequena cabeça de Margaery rolar.
Desceram da liteira sob a estátua de Baelor, o Abençoado. A rainha ficou satisfeita por ver que os ossos e a sujeira tinham sido levados dali. Sor Osfryd dissera a verdade; a multidão não era nem tão numerosa nem tão insubmissa como os pardais tinham sido. Estavam por ali em pequenos grupos, fitando carrancudos as portas do Grande Septo, onde uma fileira de septões noviços fora disposta, de bastões nas mãos. Nada de aço, Cersei notou. Aquilo era ou muito sensato, ou muito estúpido, não tinha bem certeza.
Ninguém fez a mínima tentativa para detê-la. Tanto o povo como os noviços abriram alas à sua passagem. Uma vez dentro, foram recebidas por três cavaleiros no Salão das Lâmpadas, todos eles envergando as vestes listradas com as cores do arco-íris dos Filhos do Guerreiro.
- Estou aqui para visitar minha nora - disse-lhes Cersei.
- Sua Alta Santidade tem estado à sua espera. Sou Sor Theodan, o Fiel, anteriormente Sor Theodan Wells. Se Vossa Graça me acompanhar.
O Alto Pardal estava ajoelhado, como sempre. Dessa vez rezava diante do altar do Pai. E não interrompeu a prece quando a rainha se aproximou, obrigou-a a esperar impacientemente até terminar. Só então se ergueu e lhe fez uma reverência.
- Vossa Graça. Este é um triste dia.
- Muito triste. Temos a sua licença para falar com Margaery e as primas? - decidiu empregar modos dóceis e humildes; com aquele homem, era capaz de ser esta a atitude que melhor funcionaria.
- Se é este o seu desejo. Depois venha ter comigo, filha. Temos de rezar juntos, você e eu.
A pequena rainha fora confinada no topo de uma das esguias torres do Grande Septo. Sua cela tinha dois metros e meio de comprimento por dois de largura, sem mobília, exceto por um catre forrado de palha e um banco para orações, um jarro de água, uma cópia da Estrela de Sete Pontas e uma vela para iluminar a leitura. A única janela era pouco mais larga do que uma seteira.
Cersei foi encontrar Margaery descalça e tremendo, envergando o vestido de tecido grosseiro de uma noviça. Suas madeixas estavam todas emaranhadas, e tinha os pés muito sujos.
- Tiraram minha roupa - disse-lhe a pequena rainha quando ficaram a sós. - Trajava um vestido de renda cor de marfim, com pérolas de água doce no corpete, mas as septãs puseram as mãos em cima de mim e me despiram por completo. Às minhas primas também. Megga atirou uma septã para cima das velas e incendiou-lhe a toga. Mas temo por Alia. Ficou branca como leite, assustada demais até para chorar.
- Pobre pequena - não havia cadeiras, de modo que Cersei se sentou ao lado da pequena rainha em seu catre. - Senhora Taena foi falar com ela, para lhe fazer saber que não foi esquecida.
- Ele nem sequer me deixa vê-las - enfureceu-se Margaery. - Mantém-nos separadas umas das outras. Até a sua chegada, não me foram permitidas visitas além das septãs. Uma aparece de hora em hora para perguntar se desejo confessar minhas fornicações. Nem sequer me deixam dormir. Acordam-me para exigir confissões. Na noite passada, confessei à Septã Unella que desejava arrancar-lhe os olhos com as unhas.
É uma pena não ter feito isso, Cersei pensou. Cegar uma pobre septã qualquer certamente persuadiria o Alto Pardal da sua culpa.
- Estão interrogando suas primas da mesma forma.
- Malditos sejam, então - Margaery esbravejou. - Malditos sejam nos sete infernos. Alia é amável e tímida, como podem sujeitá-la a isso? E Megga... Ela ri alto como uma prostituta das docas, eu sei, mas por dentro não passa de uma garotinha. Amo-as todas, e elas me amam. Se esse pardal pensa em obrigá-las a mentir sobre mim...
- Temo que elas também tenham sido acusadas. Todas as três.
- Minhas primas? - Margaery empalideceu. - Alia e Megga pouco mais são do que crianças. Vossa Graça, isto... isto é obsceno. Irá nos tirar daqui?
- Bem gostaria de poder fazê-lo - tinha a voz cheia de pesar. - Sua Alta Santidade tem seus novos cavaleiros guardando-as. Para libertar vocês, precisaria mandar os homens de manto dourado e profanar este lugar santo com uma matança - Cersei pegou na mão de Margaery. - Mas não tenho estado parada. Reuni todos aqueles que Sor Osney identificou como seus amantes. Eles dirão a Sua Alta Santidade que é inocente, tenho certeza, e jurarão isso em seu julgamento.
- Julgamento? - agora havia verdadeiro medo na voz da garota. - Tem de haver um julgamento?
- De que outra forma provaria sua inocência? - Cersei deu à mão de Margaery um apertão tranquilizador. - Tem o direito de escolher a forma de julgamento, é certo. É a rainha. Os cavaleiros da Guarda Real juraram defendê-la.
Margaery compreendeu de imediato.
- Um julgamento por batalha? Mas Loras está ferido, de outra forma ele...
- Ele tem seis irmãos.
Margaery a fitou, e então tirou a mão de entre as suas.
- Isso é alguma piada? Boros é um covarde, Meryn é velho e lento, seu irmão foi mutilado, os outros dois estão longe, em Dorne, e Osmund é um maldito Kettleblack. Loras tem dois irmãos, e não seis. Se houver julgamento por batalha, quero Garlan como meu campeão.
- Sor Garlan não é membro da Guarda Real - disse a rainha. - Quando a honra da rainha está em causa, a lei e os costumes obrigam a que seu campeão seja um dos sete homens juramentados do rei. O Alto Septão irá insistir, bem temo - eu me assegurarei disso.
Margaery não respondeu de imediato, mas seus olhos castanhos estreitaram-se com suspeita.
- Blount ou Trant - disse por fim. - Teria de ser um deles. Gostaria disso, não? Osney Kettleblack faria qualquer um deles em pedaços.
Sete infernos. Cersei envergou uma expressão ferida.
- Comete uma injustiça para comigo, filha. Tudo o que quero...
- ... é o seu filho, todo para você. Ele nunca terá uma esposa que não seja odiada por você. E eu não sou sua filha, graças aos deuses. Deixe-me.
- Está se comportando como uma tola. Só estou aqui para ajudá-la.
- Para me ajudar a entrar na sepultura. Pedi a você que saísse. Irá me obrigar a chamar os carcereiros para que a arrastem daqui para fora, sua vil, intriguista, malvada cadela?
Cersei apanhou as saias com dignidade.
- Isso deve ser muito assustador para você. Perdoarei essas palavras - ali, como na corte, nunca se sabia quem poderia estar à escuta. - Eu também sentiria medo se estivesse em seu lugar. Grande Meistre Pycelle admitiu que lhe fornecia chá de lua, e o seu Bardo Azul... Se fosse você, senhora, rezaria à Velha por sabedoria e à Mãe por misericórdia. Temo que em breve venha a ter uma terrível necessidade de ambas as coisas.
Quatro septãs grisalhas escoltaram a rainha na descida da escada da torre. Cada uma das velhas parecia mais frágil do que a outra. Quando chegaram ao nível do chão, continuaram a descer, penetrando no coração da Colina de Visenya. Os degraus terminaram muito debaixo da terra, onde uma fileira de archotes tremeluzentes iluminava um longo corredor.
Foi encontrar o Alto Septão à sua espera numa pequena câmara de audiências com sete lados. A sala era simples e espartana, com paredes de pedra nuas, uma mesa toscamente talhada, três cadeiras e um banco de oração. Os rostos dos Sete tinham sido esculpidos nas paredes. Cersei achou as esculturas rudimentares e feias, mas havia certo poder nelas, especialmente em volta dos olhos, globos de ônix, malaquite e selenite amarela, que de algum modo faziam os rostos ganharem vida.
- Falou com a rainha? - perguntou o Alto Septão.
Cersei resistiu à tentação de dizer: a rainha sou eu.
- Falei.
- Todos os homens pecam, até os reis e as rainhas. Eu mesmo pequei, e fui perdoado. Mas sem a confissão, não pode haver perdão. A rainha não quer confessar.
- Talvez seja inocente.
- Não é. Santas septãs a examinaram, e atestam que sua virgindade foi quebrada. Ela estava bêbada de chá de lua para assassinar no ventre o fruto de suas fornicações. Um cavaleiro ungido jurou sobre a espada ter tido contato carnal com ela e com duas de suas três primas. Outros também dormiram com ela, segundo ele diz, e fornece muitos nomes de homens, tanto grandes como humildes.
- Meus homens de manto dourado os levaram, todos, para as masmorras - garantiu-lhe Cersei. - Por enquanto só um foi interrogado, um cantor chamado Bardo Azul. O que ele tinha a dizer é perturbador. Mesmo assim, rezo para que, quando minha nora seja levada a julgamento, ainda se prove sua inocência - hesitou. - Tommen ama tanto sua pequena rainha, Vossa Santidade, que temo possa ser difícil para ele ou seus senhores julgá-la com justiça. Talvez o julgamento deva ser conduzido pela Fé?
O Alto Pardal uniu suas mãos magras.
- Tive essa mesma ideia, Vossa Graça. Tal como Maegor, o Cruel, tirou um dia as espadas da Fé, assim Jaehaerys, o Conciliador, nos privou das balanças da justiça. E, no entanto, quem é verdadeiramente digno de julgar uma rainha, além dos Sete no Céu e dos devotos na terra? Um número sagrado de sete juízes presidirá este caso. Três serão do seu sexo, feminino. Uma donzela, uma mãe e uma velha. Quem poderia estar mais preparado para julgar a imoralidade das mulheres?
- Isto será o melhor. Com certeza, Margaery tem o direito de exigir que sua culpa ou inocência seja provada por combate judiciário. Se assim for, seu campeão deve ser um dos Sete de Tommen.
- Os Cavaleiros da Guarda Real serviram como os legítimos campeões do rei e da rainha desde o tempo de Aegon, o Conquistador. A Coroa e a Fé falam a uma só voz quanto a isto.
Cersei cobriu o rosto com as mãos, como quem está em sofrimento. Quando voltou a erguer a cabeça, uma lágrima cintilava num olho.
- Estes são realmente dias tristes - disse - mas agrada-me ver que estamos tão de acordo. Se Tommen estivesse aqui, sei que lhe agradeceria. Juntos, você e eu, temos de descobrir a verdade.
- Descobriremos.
- Tenho de regressar ao castelo. Com a sua licença, levarei Sor Osney Kettleblack comigo. O pequeno conselho vai querer interrogá-lo e ouvir pessoalmente suas acusações.
- Não - o Alto Septão respondeu.
Foi apenas uma palavra, uma pequena palavra, mas Cersei a sentiu como um balde de água fria na cara. Pestanejou, e sua convicção vacilou, só um pouco.
- Sor Osney ficará preso em segurança, eu lhe garanto.
- Ele está preso em segurança aqui. Venha. Eu lhe mostrarei.
Cersei sentia os olhos dos Sete fixos nela, olhos de jade, malaquite e ônix, e um súbito arrepio de medo a atravessou, frio como gelo. Eu sou a rainha, disse a si mesma. Filha de Lorde Tywin. Relutantemente, seguiu-o.
Sor Osney não estava longe. O aposento era escuro e fechado por uma pesada porta de ferro. O Alto Septão exibiu a chave que a abria e desprendeu um archote de uma parede para iluminar a sala.
- Faça o favor de entrar, Vossa Graça.
Lá dentro, Osney Kettleblack pendia do teto, nu, balançando de um par de pesadas correntes de ferro. Fora chicoteado. Suas costas e seus ombros tinham sido deixados quase sem pele, e golpes e vergões também lhe cobriam as pernas e o traseiro.
A rainha quase não conseguiu suportar olhá-lo. Virou-se para o Alto Septão.
- O que fez?
- Procuramos a verdade, e com grande zelo.
- Ele lhe disse a verdade. Veio ter com você de livre e espontânea vontade e confessou seus pecados.
- Sim. Ele fez isso. Já ouvi muitos homens confessarem, Vossa Graça, mas raramente ouvi um homem tão contente por ser tão culpado.
- Você o chicoteou?
- Não pode haver penitência sem dor. Ninguém deve ser poupado do castigo, como eu disse a Sor Osney. Raramente me sinto tão próximo de Deus como quando estou sendo chicoteado pela minha maldade, embora meus pecados mais sombrios não cheguem nem perto do negrume dos dele.
- M-mas - gaguejou - você prega a misericórdia da Mãe...
- Sor Osney saboreará esse doce leite na vida após a morte. Está escrito na Estrela de Sete Pontas que todos os pecados podem ser perdoados, mas os crimes devem ser punidos mesmo assim. Osney Kettleblack é culpado de traição e assassinato, e a pena pela traição é a morte.
Ele é apenas um sacerdote, não pode fazer isso.
- Não cabe à Fé condenar um homem à morte, seja qual for seu delito.
- Seja qual for seu delito - o Alto Septão repetiu lentamente as palavras, pesando-as. - É estranho afirmá-lo, Vossa Graça, mas quanto mais diligentemente aplicávamos o chicote, mais os delitos de Sor Osney pareciam mudar. Ele agora quer nos fazer crer que nunca tocou em Margaery Tyrell. Não é verdade, Sor Osney?
Osney Kettleblack abriu os olhos. Quando viu a rainha ali, diante de si, passou a língua pelos lábios inchados e disse:
- A Muralha. Prometeu-me a Muralha.
- Está louco - Cersei rebateu. - Você o levou à loucura.
- Sor Osney - disse o Alto Septão, numa voz firme e clara - teve contatos carnais com a rainha?
- Sim - as correntes retiniram levemente quando Osney nelas se torceu. - Com essa aí. Foi ela a rainha que fodi, e a que me mandou matar o antigo Alto Septão. O homem não tinha guardas. Limitei-me a entrar quando ele dormia e comprimi uma almofada em seu rosto.
Cersei rodopiou sobre si mesma e fugiu.
O Alto Septão tentou apanhá-la, mas era um pardal velho, e ela era uma leoa do Rochedo. Empurrou-o para o lado e atravessou a porta de rompante, fechando-a atrás de si com estrondo. Os Kettleblack, preciso dos Kettleblack, enviarei Osfryd com os homens de manto dourado e Osmund com a Guarda Real, Osney negará tudo assim que o libertarem, e eu me livro do Alto Septão como me livrei do outro. As quatro velhas septãs bloquearam-lhe a passagem e tentaram agarrá-la com suas mãos encarquilhadas. Atirou uma ao chão, arranhou o rosto de outra e chegou à escada. No meio da subida, lembrou-se de Taena Merryweather. A recordação a fez tropeçar, arquejante. Que os Sete me salvem, orou. Taena sabe de tudo. Se também a apanharem , e a chicotearem...
Conseguiu fugir até o septo, mas não foi mais longe. Havia mulheres à sua espera ali, mais septãs e também irmãs silenciosas, mais novas do que as quatro velhas lá de baixo.
- Eu sou a rainha - gritou, recuando para longe delas. - Mandarei decapitá-las por isso, mandarei decapitar todos. Deixem-me passar - em vez disso, agarraram-na. Cersei fugiu para o altar da Mãe, mas apanharam-na aí, uma vintena delas, e a arrastaram, esperneando, pelas escadas da torre acima. Dentro da cela, três irmãs silenciosas seguraram-na enquanto uma septã chamada Scolera a despia por completo. Até lhe levou a roupa de baixo. Outra septã lhe atirou um vestido de tecido grosseiro. - Não pode fazer isso - a rainha não parava de gritar. - Sou uma Lannister, solte-me, meu irmão matará você, Jaime abrirá você da garganta à boceta, largue-me! Eu sou a rainha!
- A rainha devia rezar - disse Septã Scolera, antes de a deixarem nua na cela fria e desolada.
Cersei não era a dócil Margaery Tyrell, para enfiar seu vestidinho e se submeter a um tal cativeiro. Ensinarei a eles o que significa pôr um leão numa jaula, pensou. Rasgou o vestido em cem pedaços, descobriu um jarro de água e o esmagou contra a parede, e então fez o mesmo com o penico. Quando ninguém apareceu, pôs-se a esmurrar a porta. A escolta que trouxera estava lá embaixo, na praça: dez guardas Lannister e Sor Boros Blount. Quando me ouvirem, virão me buscar e arrastarão o maldito Alto Pardal para a Fortaleza Vermelha, acorrentado.
Gritou, deu pontapés e uivou até lhe doer a garganta, à porta e à janela. Ninguém gritou em resposta, nem veio salvá-la. A cela começou a escurecer. Também estava esfriando. Cersei pôs-se a tremer. Como podem me deixar assim, sem um fogo sequer? Eu sou a sua rainha. Começou a se arrepender de ter rasgado o vestido que lhe tinham dado. Havia uma manta no catre do canto, uma coisa puída de fina lã marrom. Era áspera e pinicava, mas era tudo que tinha. Cersei aninhou-se debaixo da manta para evitar tremer, e não muito depois caiu num sono exausto.
Quando voltou a si, uma mão pesada a sacudia para acordá-la. Estava um negro de breu dentro da cela, e uma mulher enorme e feia estava ajoelhada por cima dela, com uma vela na mão.
- Quem é você? - quis saber a rainha. - Veio me libertar?
- Sou a Septã Unella. Vim ouvir você contar tudo sobre seus assassinatos e suas fornicações.
Cersei afastou-lhe a mão com uma palmada.
- Mandarei cortar sua cabeça. Não ouse me tocar. Vá embora.
A mulher ergueu-se.
- Vossa Graça. Voltarei dentro de uma hora. Talvez então esteja pronta para confessar.
Uma hora, e uma hora, e uma hora. Assim se passou a mais longa noite que Cersei Lannister alguma vez conhecera, à exceção da noite do casamento de Joffrey. A garganta lhe doía de tanto gritar, e quase não conseguia engolir. A cela ficou gelada. Quebrara o penico, de modo que teve de se acocorar a um canto para urinar e ver os dejetos escorrer pelo chão. Cada vez que fechava os olhos, Unella aparecia de novo por cima dela, sacudindo-a e lhe perguntando se queria confessar seus pecados.
Com o dia não veio nenhum alívio. Septã Moelle trouxe-lhe uma tigela de mingau de aveia aguado e cinza ao nascer do sol, Cersei atirou-lhe a tigela na cabeça. Mas, quando trouxeram um novo jarro de água, tinha tanta sede que não teve escolha exceto beber. Quando trouxeram outro vestido, cinza, fino e cheirando a bolor, envergou-o sobre sua nudez. E nessa noite, quando Moelle voltou a aparecer, comeu o pão e o peixe e exigiu vinho para empurrá-los para baixo. Não apareceu nenhum vinho, só Septã Unella, fazendo sua visita marcada para perguntar se a rainha estava pronta para confessar.
O que está acontecendo? Perguntou Cersei a si mesma quando a fina fatia de céu que se via de sua janela começou a escurecer de novo. Por que ninguém veio me tirar daqui? Não conseguia acreditar que os Kettleblack abandonassem o irmão. O que seu conselho estava fazendo? Covardes e traidores. Quando sair daqui, mandarei decapitar o bando inteiro, e arranjarei homens melhores para seus lugares.
Por três vezes, nesse dia, ouviu os sons de gritos distantes erguendo-se da praça, mas era o nome de Margaery que a multidão gritava, não o seu.
Era perto da aurora do segundo dia e Cersei lambia o resto do mingau do fundo da tigela quando a porta de sua cela se abriu inesperadamente para deixar Lorde Qyburn entrar. Foi com dificuldade que resistiu à tentação de se atirar aos seus braços.
- Qyburn - murmurou - oh, deuses, estou tão satisfeita por ver seu rosto. Leve-me para casa.
- Isto não será permitido. Deverá ser julgada perante um tribunal sagrado de sete, por assassinato, traição e fornicação.
Cersei estava tão exausta que, a princípio, as palavras não lhe pareceram fazer sentido.
- Tommen. Fale-me de meu filho. Ele ainda é rei?
- Sim, Vossa Graça. Está bem e em segurança no interior das muralhas da Fortaleza de Maegor, protegido pela Guarda Real. Mas sente-se só. Pergunta por você e por sua pequena rainha. Por enquanto, ninguém lhe falou de... de seu...
- ... de minhas dificuldades? - Cersei sugeriu. - E Margaery?
- Deverá ser julgada também, pelo mesmo tribunal que conduzirá seu julgamento. Mandei entregar o Bardo Azul ao Alto Septão, como Vossa Graça ordenou. Está agora aqui, em algum lugar abaixo de nós. Meus informantes dizem que o estão chicoteando, mas por enquanto continua a cantar a mesma doce canção que lhe ensinamos.
A mesma doce canção. Tinha a cabeça embotada por falta de sono. Wat, o verdadeiro nome dele é Wat. Se os deuses fossem bons, Wat podia morrer sob o chicote, deixando Margaery sem maneira alguma de provar que seu testemunho era falso.
- Onde estão meus cavaleiros? Sor Osfryd... o Alto Septão pretende matar seu irmão Osney, seus homens de manto dourado têm de...
- Osfryd Kettleblackjá não comanda a Patrulha da Cidade. O rei o destituiu do cargo e nomeou para o seu lugar o capitão do Portão do Dragão, um certo Humfrey Waters.
Cersei estava tão cansada que nada daquilo fazia sentido.
- Por que Tommen faria isso?
- O garoto não tem culpa. Quando seu conselho lhe põe um decreto na frente, assina seu nome e põe o selo.
- Meu conselho... quem? Quem faria isso? Você não...
- Infelizmente fui demitido do conselho, embora por enquanto permitam que continue meu trabalho com os informantes do eunuco. O reino é governado por Sor Harys Swyft e pelo Grande Meistre Pycelle. Enviaram um corvo para Rochedo Casterly, convidando seu tio a regressar à corte e assumir a regência. Se ele quiser aceitar, é bom que se apresse. Mace Tyrell abandonou o cerco de Ponta Tempestade e marcha de volta à cidade com seu exército, e há relatos de que Randyll Tarly também está a caminho, desde Lagoa da Donzela.
- Lorde Merryweather concordou com isso?
- Merryweather demitiu-se de seu lugar no conselho e fugiu para Mesalonga com a esposa, que foi quem primeiro nos trouxe a notícia de... das acusações... contra Vossa Graça.
- Deixaram Taena ir - aquela era a melhor coisa que ouvia desde que o Alto Pardal dissera não. Taena poderia tê-la condenado. - E Lorde Waters? Seus navios... se ele trouxer as tripulações para terra, deve ter homens suficientes para...
- Assim que a notícia dos atuais problemas de Vossa Graça chegou ao rio, Lorde Waters içou as velas, pôs os remos na água e levou a frota para o mar. Sor Harys teme que ele pretenda se juntar a Lorde Stannis. Pycelle crê que ele se dirige aos Degraus, para se estabelecer como pirata.
- Todos os meus lindos dromones - Cersei quase riu. - O senhor meu pai costumava dizer que os bastardos eram traiçoeiros por natureza. Gostaria de lhe ter dado ouvidos - estremeceu. - Estou perdida, Qyburn.
- Não - ele pegou a mão de Cersei. - Ainda há esperança. Vossa Graça tem o direito de provar sua inocência por combate. Minha rainha, seu campeão está a postos. Não há homem em todos os Sete Reinos que tenha esperança de lhe fazer frente. Se desse a ordem...
Daquela vez ela realmente riu. Era engraçado, terrivelmente engraçado, hediondamente engraçado.
- Os deuses transformaram em piadas todas as nossas esperanças e planos. Tenho um campeão que ninguém pode derrotar, mas estou proibida de usá-lo. Eu sou a rainha, Qyburn. Minha honra só pode ser defendida por um Irmão Juramentado da Guarda Real.
- Entendo - o sorriso morreu no rosto de Qyburn. -Vossa Graça, não sei o que dizer. Não sei como aconselhá-la...
Mesmo em seu estado exausto e assustado, a rainha sabia que não se atrevia a confiar seu destino a um tribunal de pardais. Tampouco podia contar com a intervenção de Sor Kevan, depois das palavras que tinham sido trocadas entre ambos da última vez que se encontraram. Terá de ser julgamento por combate. Não há outra maneira.
- Qyburn, pelo amor que tem a mim, suplico-lhe, envie uma mensagem em meu nome. Um corvo, se puder. Se não, um mensageiro a cavalo. Deve enviá-la para Correrrio, para o meu irmão. Conte-lhe o que aconteceu, e escreva... escreva...
- Sim, Vossa Graça?
Cersei lambeu os lábios, tremendo.
- Venha imediatamente. Ajude-me. Salve-me. Preciso de você como nunca antes precisei. Eu o amo. Amo. Amo. Venha imediatamente.
- Às suas ordens. Três vezes “amo”?
- Três vezes - tinha de chegar até ele. - Ele virá. Sei que sim. Tem de vir. Jaime é minha única esperança.
- Minha rainha... - disse Qyburn - esqueceu-se? Sor Jaime não tem a mão da espada. Se lutar por você e perder...
Deixaremos este mundo juntos, como chegamos a ele um dia.
- Ele não perderá. Jaime não. Não com a minha vida em jogo.

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