Septã
Moelle era uma velha de cabelos brancos, com um rosto pontudo como um
manchado e lábios comprimidos em perpétua desaprovação. Esta
ainda tem a virgindade intacta, aposto, Cersei pensou, embora a essa
altura esteja dura e rígida como couro fervido. Seis dos cavaleiros
do Alto Pardal escoltavam-na, com a espada arco-íris de sua ordem
renascida desenhada nos escudos pontiagudos.
- Septã
- Cersei estava sentada sob o Trono de Ferro, vestida de seda verde e
renda dourada. - Diga à Sua Alta Santidade que estamos aborrecidos
com ele. Ousa demais - esmeraldas cintilavam em seus dedos e nos
cabelos dourados. Os olhos da corte e da cidade estavam postos nela,
e queria que vissem a filha de Lorde Tywin. Quando aquela farsa
terminasse, saberiam que não tinham mais do que uma verdadeira
rainha. Mas, primeiro, temos de dançar a dança e não falhar nenhum
passo. - Senhora Margaery é a leal e gentil esposa do meu filho, sua
companheira e consorte. Sua Alta Santidade não tinha motivo para pôr
as mãos na sua pessoa, ou para aprisioná-la e às jovens primas,
que tão queridas são por todos nós. Exijo que as liberte.
A
expressão severa da Septã Moelle não vacilou.
-
Transmitirei as palavras de Vossa Graça a Sua Alta Santidade, mas
tenho o penoso dever de dizer que a jovem rainha e suas senhoras não
podem ser libertadas até que a sua inocência seja provada.
-
Inocência? Ora, basta olhar para seus doces e jovens rostos para ver
como são inocentes.
- Um
rosto doce esconde frequentemente um coração de pecador.
Senhora
Merryweather interveio da mesa do conselho.
- De que
ofensa foram essas jovens donzelas acusadas, e por quem?
A septã
respondeu:
- Megga
Tyrell e Elinor Tyrell são acusadas de lascívia, fornicação e
conspiração para cometer alta traição. Alia Tyrell, de
testemunhar sua vergonha e de ajudá-las a escondê-la. E disso foi
também acusada a Rainha Margaery, além de adultério e alta
traição.
Cersei
levou uma mão ao peito.
- Diga-me
quem anda espalhando tais calúnias sobre a minha nora! Não acredito
em uma palavra do que estou ouvindo. Meu querido filho ama a Senhora
Margaery de todo o coração, ela nunca poderia ter sido cruel a
ponto de enganá-lo.
- O
acusador é um cavaleiro de sua própria guarda. Sor Osney
Kettleblack confessou ao Alto Septão em pessoa ter tido contato
carnal com a rainha, diante do altar do Pai.
Na mesa
do conselho, Harys Swyft arfou, e o Grande Meistre Pycelle virou a
cabeça. Um zumbido encheu o ar, como se houvesse mil vespas à solta
na sala do trono. Algumas das senhoras nas galerias começaram a se
esgueirar para o exterior, seguidas por uma corrente de pequenos
senhores e cavaleiros que estavam no fundo da sala. Os homens de
manto dourado deixaram-nos ir, mas a rainha instruíra Sor Osfryd
para tomar nota de todos os que fugissem. De repente as rosas Tyrell
não cheiram tão bem.
- Sor
Osney é jovem e enérgico, admito - disse a rainha - mas, apesar
disso, é um cavaleiro de confiança. Se ele diz que participou
nisto... Não, não pode ser. Margaery é uma donzela!
- Não é.
Eu mesma a examinei, a pedido de Sua Alta Santidade. Sua virgindade
não está intacta. Septã Aglantine e Septã Melicent dirão o
mesmo, bem como a própria septã da Rainha Margaery, Nysterica, que
foi confinada a uma cela de penitente pelo papel desempenhado na
vergonha da rainha. Senhora Megga e Senhora Elinor também foram
examinadas. Descobriu-se que ambas tinham sido rompidas.
As vespas
tornavam-se tão ruidosas que a rainha já quase nem conseguia
ouvir-se pensar. Espero que a pequena rainha e as primas tenham
gostado dessas suas cavalgadas.
Lorde
Merryweather pôs-se aos murros na mesa.
- A
Senhora Margaery prestou juramentos solenes atestando sua virgindade
à Sua Graça, à rainha e ao falecido Lorde Tywin. Muitos dos
presentes os testemunharam. Lorde Tyrell também proclamou sua
inocência, e o mesmo fez a Senhora Olenna, a qual todos sabemos
estar acima de qualquer suspeita. Quer que acreditemos que todas
essas nobres pessoas mentiram?
- Talvez
elas também tenham sido enganadas, senhor - Septã Moelle se
manifestou. - Quanto a isso não posso dizer nada. Só posso garantir
a verdade daquilo que descobri pessoalmente quando examinei a rainha.
A imagem
daquela velha amarga enfiando os dedos enrugados pela bocetinha
cor-de-rosa de Margaery era tão engraçada que Cersei quase soltou
uma gargalhada.
-
Insistimos que Sua Alta Santidade permita que nossos meistres
examinem minha nora, para determinar se há alguma migalha de verdade
nessas calúnias. Grande Meistre Pycelle, irá acompanhar Septã
Moelle ao Septo do Adorado Baelor e voltará para junto de nós com a
verdade acerca da virgindade de nossa Margaery.
Pycelle
ficara da cor do branco coalhado. Nas reuniões do conselho, o
maldito do velho imbecil não se cala, mas agora que preciso de
algumas de suas palavras perdeu a capacidade da fala, pensou a
rainha, antes de o velho finalmente sair com um:
- Não
preciso examinar suas... suas partes privadas - sua voz estava
trêmula. - Lastimo dizer... a Rainha Margaery não é donzela.
Ordenou-me que lhe fizesse chá da lua, não uma, mas muitas vezes.
O tumulto
que se seguiu àquilo foi tudo que Cersei Lannister poderia ter
desejado.
O arauto
real bateu no chão com seu bastão, mas isso pouco fez para abafar o
ruído. A rainha deixou-o inundá-la por alguns segundos, saboreando
o som da desgraça da pequena rainha. Quando o achou suficiente,
ergueu-se com uma expressão de pedra e ordenou que os homens de
manto dourado evacuassem o salão. Margaery Tyrell está acabada,
pensou, exultante. Seus cavaleiros brancos puseram-se ao seu redor
enquanto saía pela porta do rei, por trás do Trono de Ferro; Boros
Blount, Meryn Trant e Osmund Kettleblack, os últimos membros da
Guarda Real que restavam na cidade.
O Rapaz
Lua estava junto à porta, com o chocalho numa mão, fitando a
confusão com os seus grandes olhos redondos. Pode ser um bobo, mas
mostra sua loucura honestamente. Maggy, a Rã, também devia andar
vestida de retalhos por tudo o que sabia sobre o futuro. Cersei
rezava para que a velha fraude estivesse aos gritos no inferno. A
rainha mais nova, cuja chegada predissera, estava acabada, e se essa
profecia podia falhar, as outras também podiam. Nada de mortalhas
douradas, nada de valonqar, estou finalmente livre da sua maldade
coaxante.
O
restante de seu pequeno conselho saiu atrás dela. Harys Swyft
parecia aturdido. Tropeçou à porta, e poderia ter caído se Aurane
Waters não o tivesse segurado pelo braço. Até Orton Merryweather
parecia ansioso.
- O povo
gosta da pequena rainha - disse. - Não receberá isso bem. Temo o
que possa acontecer em seguida, Vossa Graça.
- Lorde
Merryweather tem razão - Lorde Waters concordou. - Se aprouver a
Vossa Graça, lançarei à água o resto de nossos novos dromones.
Vê-los na Água Negra com o estandarte do Rei Tommen flutuando em
seus mastros recordará à cidade quem governa aqui, e os manterá a
salvo, caso a turba decida voltar a entrar em motim.
Deixou o
resto por dizer. Uma vez na Água Negra, os dromones podiam impedir
Mace Tyrell de atravessar o rio com seu exército, tal como Tyrion
impedira Stannis. Jardim de Cima não possuía poderio marítimo
próprio deste lado de Westeros. Dependia da frota Redwyne,
atualmente de regresso à Árvore.
- Uma
medida prudente - anunciou a rainha. - Até essa tempestade passar,
quero seus navios tripulados e na água.
Sor Harys
Swyft estava tão pálido e suado que parecia prestes a desmaiar.
- Quando
as notícias sobre isso chegarem a Lorde Tyrell, sua fúria não
conhecerá limites. Haverá sangue nas ruas...
O
cavaleiro das galinhas trêmulas, refletiu Cersei. Devia escolher um
verme como símbolo, sor. Uma galinha é ousada demais para você. Se
Mace Tyrell nem sequer assalta Ponta Tempestade, como imagina que se
atreverá a atacar os deuses? Quando o homem acabou de disparatar,
disse:
- Não
deve chegar-se ao derramamento de sangue, e pretendo me assegurar de
que isso não ocorra. Irei pessoalmente ao Septo de Baelor para falar
com a Rainha Margaery e o Alto Septão. Sei que Tommen os ama a
ambos, e que desejaria que eu fizesse a paz entre eles.
- Paz? -
Sor Harys esfregou levemente a testa com sua manga de veludo. - Se a
paz for possível... Isto é muito valente de sua parte.
- Algum
tipo de julgamento poderá ser necessário - a rainha retrucou - para
revelar como falsas essas ignóbeis calúnias e mentiras, e mostrar
ao mundo que nossa querida Margaery é a inocente que todos sabemos
que é.
- Sim -
Merryweather assentiu - mas esse Alto Septão pode querer julgar ele
mesmo a rainha, como a Fé julgava os homens antigamente.
Espero
que sim, Cersei respondeu em pensamento. Não era provável que um
tal tribunal olhasse com benevolência rainhas traiçoeiras que abrem
as pernas a cantores e profanam os ritos sagrados da Donzela para
esconder sua vergonha.
- O mais
importante é descobrir a verdade, estou certa de que todos
concordamos - Cersei voltou a falar. - E agora, senhores, devem me
perdoar. Tenho de ir ter com o rei. Ele não deve ficar sozinho num
momento como este.
Tommen
pescava gatos quando a mãe regressou para junto dele. Dorcas
fizera-lhe um rato com pedaços de peles e atara-o a um longo
barbante preso à ponta de uma velha vara de pescar. Os gatinhos
adoravam persegui-lo, e não havia nada que o garoto mais gostasse do
que puxá-lo chão afora com os animais saltando atrás dele. Pareceu
surpreso quando Cersei o envolveu nos braços e o beijou na testa.
- Por que
fez isso, mãe? Por que está chorando?
Porque
você está a salvo, quis lhe dizer. Porque nenhum mal lhe
acontecerá.
- Está
enganado. Um leão nunca chora - haveria tempo mais tarde para lhe
falar de Margaery e das primas. - Há alguns mandados que quero que
assine.
Pelo bem
do rei, a rainha omitira os nomes nos mandados de captura. Tommen os
assinou em branco e comprimiu alegremente seu selo contra a cera
quente, como sempre fazia. Depois daquilo, ela o mandou embora com
Jocelyn Swyft.
Quando
sor Osfryd Kettleblack chegou, a tinta já secava. Cersei escrevera
pessoalmente os nomes: Sor Tallad, o Alto, Jalabhar Xho, Hamish, o
Harpista, Hugh Clifton, Mark Mullendore, Bayard Norcross, Lambert
Timberry, Horas Redwyne, Hobber Redwyne, e um certo rústico chamado
Wat, que chamava a si mesmo Bardo Azul.
- Tantos
- Sor Osfryd remexeu nos mandados, tão desconfiado das palavras como
se fossem baratas rastejando sobre o pergaminho. Nenhum dos
Kettleblack sabia ler.
- Dez.
Tem seis mil homens de manto dourado. São suficientes para dez,
penso eu. Alguns dos espertos podem ter fugido, se os rumores lhes
chegaram aos ouvidos a tempo. Se assim for, não importa; sua
ausência só os faz parecer mais culpados. Sor Tallad é algo
imbecil e pode tentar resistir. Assegure-se de que não morra antes
de confessar, e não faça mal a nenhum dos outros. Alguns bem podem
ser inocentes - era importante que se descobrisse que os gêmeos
Redwyne tinham sido falsamente acusados. Isso demonstraria a justiça
dos julgamentos contra os outros.
- Teremos
a todos antes de o sol nascer, Vossa Graça - Sor Osfryd hesitou. -
Uma multidão está se juntando diante da porta do Septo de Baelor.
- Que
tipo de multidão? - qualquer coisa inesperada a deixava desconfiada.
Lembrou-se do que Lorde Waters dissera sobre os tumultos. Não pensei
no modo como os plebeus poderiam reagir a isso. Margaery tem sido seu
animalzinho de estimação. - Quantas pessoas?
- Umas
cem, mais ou menos. Gritam para que o Alto Septão liberte a pequena
rainha. Podemos correr com eles, se quiser.
- Não.
Deixe-os gritar até ficarem roucos, isso não fará o pardal mudar
de ideia. Ele só dá ouvidos aos deuses - havia certa ironia em Sua
Alta Santidade ter uma multidão irada acampada à sua porta, visto
que fora exatamente uma multidão dessas que lhe entregara a coroa de
cristal. Que ele prontamente vendeu. - A Fé agora tem seus próprios
cavaleiros. Que defendam eles o septo. Oh, e feche também as
muralhas da cidade. Ninguém deverá entrar ou sair de Porto Real sem
a minha autorização até que isso esteja esclarecido e terminado.
- Às
suas ordens, Vossa Graça - Sor Osfryd fez uma reverência e foi
arranjar alguém que lhe lesse os mandados.
Quando o
sol se pôs nesse dia, todos os acusados de traição estavam presos.
Hamish, o Harpista, perdera os sentidos quando o tinham ido capturar,
e Sor Tallad, o Alto, ferira três homens de manto dourado antes de
os outros o dominarem. Cersei ordenou que fossem dados aposentos
confortáveis numa torre aos gêmeos Redwyne. Os outros foram para as
masmorras.
- Hamish
está com dificuldade de respirar - informou-a Qyburn quando veio
visitá-la nessa noite. - Está pedindo um meistre.
-
Diga-lhe que pode ser visto por um assim que confessar - refletiu por
um momento. - Ele é velho demais para ter estado entre os amantes,
mas sem dúvida foi obrigado a tocar e cantar para Margaery enquanto
ela recebia outros homens. Precisaremos de detalhes.
- Eu o
ajudarei a se recordar deles, Vossa Graça.
No dia
seguinte, Senhora Merryweather ajudou Cersei a se vestir para a
visita de ambas à pequena rainha.
- Nada
muito rico ou colorido - disse. - Algo adequadamente devoto e sem
graça para o Alto Septão. É capaz de ele me obrigar a acompanhá-lo
em orações.
Por fim,
escolheu um macio vestido de lã que a cobria da garganta aos
tornozelos, apenas com alguns arabescos bordados no corpete e as
mangas confeccionadas em fio dourado, para suavizar a severidade de
seu corte. Ainda melhor, o marrom ajudaria a esconder a sujeira, caso
fosse obrigada a se ajoelhar.
-
Enquanto estiver confortando minha nora, você falará com as três
primas - disse a Taena. - Conquiste Alia, se puder, mas tenha cuidado
com o que diz. Os deuses podem não ser os únicos a estar à escuta.
Jaime
sempre dizia que a parte mais dura de uma batalha é o momento
imediatamente antes, enquanto se espera pelo início da carnificina.
Quando saiu para a rua, Cersei viu que o céu estava cinzento e
sombrio. Não podia correr o risco de ser apanhada por uma tempestade
e chegar ao Septo de Baelor ensopada e enlameada. Isto queria dizer
liteira.
Como
escolta, levou dez guardas domésticos Lannister e Boros Blount.
- A turba
de Margaery pode não ter inteligência suficiente para distinguir um
Kettleblack do outro - disse a Sor Osmund - e não posso tê-lo
abrindo caminho à força através dos plebeus. É melhor manter-se
fora de vista por uns tempos.
Enquanto
atravessavam Porto Real, Taena teve uma súbita dúvida.
- Esse
julgamento - disse, em voz baixa - e se Margaery exigir que a sua
culpa ou inocência seja determinada por combate judiciário?
Um
sorriso roçou nos lábios de Cersei.
- Como
rainha, sua honra tem de ser defendida por um cavaleiro da Guarda
Real. Ora, qualquer criança em Westeros sabe como o Príncipe Aemon,
o Cavaleiro do Dragão, foi o campeão de sua irmã, a Rainha Naerys,
contra as acusações de Sor Morghil. Mas com Sor Loras tão
gravemente ferido, temo que o papel de Príncipe Aemon tenha de cair
sobre um de seus Irmãos Juramentados - encolheu os ombros. - Mas
quem? Sor Arys e Sor Balon andam longe, em Dorne, Jaime está em
Correrrio, e Sor Osmund é irmão do homem que a acusa, o que deixa
apenas... Oh, puxa...
- Boros
Blount e Meryn Trant - Senhora Taena soltou uma gargalhada.
- Sim, e
Sor Meryn tem andado adoentado nos últimos tempos. Lembre-me de lhe
dizer isso quando regressarmos ao castelo.
-
Lembrarei, minha querida - Taena pegou-lhe na mão e a beijou. - Rezo
para nunca ofendê-la. É terrível quando provocada.
-
Qualquer mãe faria o mesmo para proteger seus filhos - Cersei
respondeu. - Quando pensa em trazer esse seu garoto para a corte?
Russell, não é esse seu nome? Podia treinar com Tommen.
- Isso
animaria o garoto, eu sei... Mas as coisas estão tão incertas neste
momento, acho melhor esperar até o perigo passar.
-
Terminará logo - Cersei prometeu. - Mande uma mensagem para
Mesalonga para que Russell embale seu melhor gibão e sua espada de
madeira. Um novo jovem amigo será precisamente a coisa certa para
ajudar Tommen a esquecer sua perda, depois que a pequena cabeça de
Margaery rolar.
Desceram
da liteira sob a estátua de Baelor, o Abençoado. A rainha ficou
satisfeita por ver que os ossos e a sujeira tinham sido levados dali.
Sor Osfryd dissera a verdade; a multidão não era nem tão numerosa
nem tão insubmissa como os pardais tinham sido. Estavam por ali em
pequenos grupos, fitando carrancudos as portas do Grande Septo, onde
uma fileira de septões noviços fora disposta, de bastões nas mãos.
Nada de aço, Cersei notou. Aquilo era ou muito sensato, ou muito
estúpido, não tinha bem certeza.
Ninguém
fez a mínima tentativa para detê-la. Tanto o povo como os noviços
abriram alas à sua passagem. Uma vez dentro, foram recebidas por
três cavaleiros no Salão das Lâmpadas, todos eles envergando as
vestes listradas com as cores do arco-íris dos Filhos do Guerreiro.
- Estou
aqui para visitar minha nora - disse-lhes Cersei.
- Sua
Alta Santidade tem estado à sua espera. Sou Sor Theodan, o Fiel,
anteriormente Sor Theodan Wells. Se Vossa Graça me acompanhar.
O Alto
Pardal estava ajoelhado, como sempre. Dessa vez rezava diante do
altar do Pai. E não interrompeu a prece quando a rainha se
aproximou, obrigou-a a esperar impacientemente até terminar. Só
então se ergueu e lhe fez uma reverência.
- Vossa
Graça. Este é um triste dia.
- Muito
triste. Temos a sua licença para falar com Margaery e as primas? -
decidiu empregar modos dóceis e humildes; com aquele homem, era
capaz de ser esta a atitude que melhor funcionaria.
- Se é
este o seu desejo. Depois venha ter comigo, filha. Temos de rezar
juntos, você e eu.
A pequena
rainha fora confinada no topo de uma das esguias torres do Grande
Septo. Sua cela tinha dois metros e meio de comprimento por dois de
largura, sem mobília, exceto por um catre forrado de palha e um
banco para orações, um jarro de água, uma cópia da Estrela de
Sete Pontas e uma vela para iluminar a leitura. A única janela era
pouco mais larga do que uma seteira.
Cersei
foi encontrar Margaery descalça e tremendo, envergando o vestido de
tecido grosseiro de uma noviça. Suas madeixas estavam todas
emaranhadas, e tinha os pés muito sujos.
- Tiraram
minha roupa - disse-lhe a pequena rainha quando ficaram a sós. -
Trajava um vestido de renda cor de marfim, com pérolas de água doce
no corpete, mas as septãs puseram as mãos em cima de mim e me
despiram por completo. Às minhas primas também. Megga atirou uma
septã para cima das velas e incendiou-lhe a toga. Mas temo por Alia.
Ficou branca como leite, assustada demais até para chorar.
- Pobre
pequena - não havia cadeiras, de modo que Cersei se sentou ao lado
da pequena rainha em seu catre. - Senhora Taena foi falar com ela,
para lhe fazer saber que não foi esquecida.
- Ele nem
sequer me deixa vê-las - enfureceu-se Margaery. - Mantém-nos
separadas umas das outras. Até a sua chegada, não me foram
permitidas visitas além das septãs. Uma aparece de hora em hora
para perguntar se desejo confessar minhas fornicações. Nem sequer
me deixam dormir. Acordam-me para exigir confissões. Na noite
passada, confessei à Septã Unella que desejava arrancar-lhe os
olhos com as unhas.
É uma
pena não ter feito isso, Cersei pensou. Cegar uma pobre septã
qualquer certamente persuadiria o Alto Pardal da sua culpa.
- Estão
interrogando suas primas da mesma forma.
-
Malditos sejam, então - Margaery esbravejou. - Malditos sejam nos
sete infernos. Alia é amável e tímida, como podem sujeitá-la a
isso? E Megga... Ela ri alto como uma prostituta das docas, eu sei,
mas por dentro não passa de uma garotinha. Amo-as todas, e elas me
amam. Se esse pardal pensa em obrigá-las a mentir sobre mim...
- Temo
que elas também tenham sido acusadas. Todas as três.
- Minhas
primas? - Margaery empalideceu. - Alia e Megga pouco mais são do que
crianças. Vossa Graça, isto... isto é obsceno. Irá nos tirar
daqui?
- Bem
gostaria de poder fazê-lo - tinha a voz cheia de pesar. - Sua Alta
Santidade tem seus novos cavaleiros guardando-as. Para libertar
vocês, precisaria mandar os homens de manto dourado e profanar este
lugar santo com uma matança - Cersei pegou na mão de Margaery. -
Mas não tenho estado parada. Reuni todos aqueles que Sor Osney
identificou como seus amantes. Eles dirão a Sua Alta Santidade que é
inocente, tenho certeza, e jurarão isso em seu julgamento.
-
Julgamento? - agora havia verdadeiro medo na voz da garota. - Tem de
haver um julgamento?
- De que
outra forma provaria sua inocência? - Cersei deu à mão de Margaery
um apertão tranquilizador. - Tem o direito de escolher a forma de
julgamento, é certo. É a rainha. Os cavaleiros da Guarda Real
juraram defendê-la.
Margaery
compreendeu de imediato.
- Um
julgamento por batalha? Mas Loras está ferido, de outra forma ele...
- Ele tem
seis irmãos.
Margaery
a fitou, e então tirou a mão de entre as suas.
- Isso é
alguma piada? Boros é um covarde, Meryn é velho e lento, seu irmão
foi mutilado, os outros dois estão longe, em Dorne, e Osmund é um
maldito Kettleblack. Loras tem dois irmãos, e não seis. Se houver
julgamento por batalha, quero Garlan como meu campeão.
- Sor
Garlan não é membro da Guarda Real - disse a rainha. - Quando a
honra da rainha está em causa, a lei e os costumes obrigam a que seu
campeão seja um dos sete homens juramentados do rei. O Alto Septão
irá insistir, bem temo - eu me assegurarei disso.
Margaery
não respondeu de imediato, mas seus olhos castanhos estreitaram-se
com suspeita.
- Blount
ou Trant - disse por fim. - Teria de ser um deles. Gostaria disso,
não? Osney Kettleblack faria qualquer um deles em pedaços.
Sete
infernos. Cersei envergou uma expressão ferida.
- Comete
uma injustiça para comigo, filha. Tudo o que quero...
- ... é
o seu filho, todo para você. Ele nunca terá uma esposa que não
seja odiada por você. E eu não sou sua filha, graças aos deuses.
Deixe-me.
- Está
se comportando como uma tola. Só estou aqui para ajudá-la.
- Para me
ajudar a entrar na sepultura. Pedi a você que saísse. Irá me
obrigar a chamar os carcereiros para que a arrastem daqui para fora,
sua vil, intriguista, malvada cadela?
Cersei
apanhou as saias com dignidade.
- Isso
deve ser muito assustador para você. Perdoarei essas palavras - ali,
como na corte, nunca se sabia quem poderia estar à escuta. - Eu
também sentiria medo se estivesse em seu lugar. Grande Meistre
Pycelle admitiu que lhe fornecia chá de lua, e o seu Bardo Azul...
Se fosse você, senhora, rezaria à Velha por sabedoria e à Mãe por
misericórdia. Temo que em breve venha a ter uma terrível
necessidade de ambas as coisas.
Quatro
septãs grisalhas escoltaram a rainha na descida da escada da torre.
Cada uma das velhas parecia mais frágil do que a outra. Quando
chegaram ao nível do chão, continuaram a descer, penetrando no
coração da Colina de Visenya. Os degraus terminaram muito debaixo
da terra, onde uma fileira de archotes tremeluzentes iluminava um
longo corredor.
Foi
encontrar o Alto Septão à sua espera numa pequena câmara de
audiências com sete lados. A sala era simples e espartana, com
paredes de pedra nuas, uma mesa toscamente talhada, três cadeiras e
um banco de oração. Os rostos dos Sete tinham sido esculpidos nas
paredes. Cersei achou as esculturas rudimentares e feias, mas havia
certo poder nelas, especialmente em volta dos olhos, globos de ônix,
malaquite e selenite amarela, que de algum modo faziam os rostos
ganharem vida.
- Falou
com a rainha? - perguntou o Alto Septão.
Cersei
resistiu à tentação de dizer: a rainha sou eu.
- Falei.
- Todos
os homens pecam, até os reis e as rainhas. Eu mesmo pequei, e fui
perdoado. Mas sem a confissão, não pode haver perdão. A rainha não
quer confessar.
- Talvez
seja inocente.
- Não é.
Santas septãs a examinaram, e atestam que sua virgindade foi
quebrada. Ela estava bêbada de chá de lua para assassinar no ventre
o fruto de suas fornicações. Um cavaleiro ungido jurou sobre a
espada ter tido contato carnal com ela e com duas de suas três
primas. Outros também dormiram com ela, segundo ele diz, e fornece
muitos nomes de homens, tanto grandes como humildes.
- Meus
homens de manto dourado os levaram, todos, para as masmorras -
garantiu-lhe Cersei. - Por enquanto só um foi interrogado, um cantor
chamado Bardo Azul. O que ele tinha a dizer é perturbador. Mesmo
assim, rezo para que, quando minha nora seja levada a julgamento,
ainda se prove sua inocência - hesitou. - Tommen ama tanto sua
pequena rainha, Vossa Santidade, que temo possa ser difícil para ele
ou seus senhores julgá-la com justiça. Talvez o julgamento deva ser
conduzido pela Fé?
O Alto
Pardal uniu suas mãos magras.
- Tive
essa mesma ideia, Vossa Graça. Tal como Maegor, o Cruel, tirou um
dia as espadas da Fé, assim Jaehaerys, o Conciliador, nos privou das
balanças da justiça. E, no entanto, quem é verdadeiramente digno
de julgar uma rainha, além dos Sete no Céu e dos devotos na terra?
Um número sagrado de sete juízes presidirá este caso. Três serão
do seu sexo, feminino. Uma donzela, uma mãe e uma velha. Quem
poderia estar mais preparado para julgar a imoralidade das mulheres?
- Isto
será o melhor. Com certeza, Margaery tem o direito de exigir que sua
culpa ou inocência seja provada por combate judiciário. Se assim
for, seu campeão deve ser um dos Sete de Tommen.
- Os
Cavaleiros da Guarda Real serviram como os legítimos campeões do
rei e da rainha desde o tempo de Aegon, o Conquistador. A Coroa e a
Fé falam a uma só voz quanto a isto.
Cersei
cobriu o rosto com as mãos, como quem está em sofrimento. Quando
voltou a erguer a cabeça, uma lágrima cintilava num olho.
- Estes
são realmente dias tristes - disse - mas agrada-me ver que estamos
tão de acordo. Se Tommen estivesse aqui, sei que lhe agradeceria.
Juntos, você e eu, temos de descobrir a verdade.
-
Descobriremos.
- Tenho
de regressar ao castelo. Com a sua licença, levarei Sor Osney
Kettleblack comigo. O pequeno conselho vai querer interrogá-lo e
ouvir pessoalmente suas acusações.
- Não -
o Alto Septão respondeu.
Foi
apenas uma palavra, uma pequena palavra, mas Cersei a sentiu como um
balde de água fria na cara. Pestanejou, e sua convicção vacilou,
só um pouco.
- Sor
Osney ficará preso em segurança, eu lhe garanto.
- Ele
está preso em segurança aqui. Venha. Eu lhe mostrarei.
Cersei
sentia os olhos dos Sete fixos nela, olhos de jade, malaquite e ônix,
e um súbito arrepio de medo a atravessou, frio como gelo. Eu sou a
rainha, disse a si mesma. Filha de Lorde Tywin. Relutantemente,
seguiu-o.
Sor Osney
não estava longe. O aposento era escuro e fechado por uma pesada
porta de ferro. O Alto Septão exibiu a chave que a abria e
desprendeu um archote de uma parede para iluminar a sala.
- Faça o
favor de entrar, Vossa Graça.
Lá
dentro, Osney Kettleblack pendia do teto, nu, balançando de um par
de pesadas correntes de ferro. Fora chicoteado. Suas costas e seus
ombros tinham sido deixados quase sem pele, e golpes e vergões
também lhe cobriam as pernas e o traseiro.
A rainha
quase não conseguiu suportar olhá-lo. Virou-se para o Alto Septão.
- O que
fez?
-
Procuramos a verdade, e com grande zelo.
- Ele lhe
disse a verdade. Veio ter com você de livre e espontânea vontade e
confessou seus pecados.
- Sim.
Ele fez isso. Já ouvi muitos homens confessarem, Vossa Graça, mas
raramente ouvi um homem tão contente por ser tão culpado.
- Você o
chicoteou?
- Não
pode haver penitência sem dor. Ninguém deve ser poupado do castigo,
como eu disse a Sor Osney. Raramente me sinto tão próximo de Deus
como quando estou sendo chicoteado pela minha maldade, embora meus
pecados mais sombrios não cheguem nem perto do negrume dos dele.
- M-mas -
gaguejou - você prega a misericórdia da Mãe...
- Sor
Osney saboreará esse doce leite na vida após a morte. Está escrito
na Estrela de Sete Pontas que todos os pecados podem ser perdoados,
mas os crimes devem ser punidos mesmo assim. Osney Kettleblack é
culpado de traição e assassinato, e a pena pela traição é a
morte.
Ele é
apenas um sacerdote, não pode fazer isso.
- Não
cabe à Fé condenar um homem à morte, seja qual for seu delito.
- Seja
qual for seu delito - o Alto Septão repetiu lentamente as palavras,
pesando-as. - É estranho afirmá-lo, Vossa Graça, mas quanto mais
diligentemente aplicávamos o chicote, mais os delitos de Sor Osney
pareciam mudar. Ele agora quer nos fazer crer que nunca tocou em
Margaery Tyrell. Não é verdade, Sor Osney?
Osney
Kettleblack abriu os olhos. Quando viu a rainha ali, diante de si,
passou a língua pelos lábios inchados e disse:
- A
Muralha. Prometeu-me a Muralha.
- Está
louco - Cersei rebateu. - Você o levou à loucura.
- Sor
Osney - disse o Alto Septão, numa voz firme e clara - teve contatos
carnais com a rainha?
- Sim -
as correntes retiniram levemente quando Osney nelas se torceu. - Com
essa aí. Foi ela a rainha que fodi, e a que me mandou matar o antigo
Alto Septão. O homem não tinha guardas. Limitei-me a entrar quando
ele dormia e comprimi uma almofada em seu rosto.
Cersei
rodopiou sobre si mesma e fugiu.
O Alto
Septão tentou apanhá-la, mas era um pardal velho, e ela era uma
leoa do Rochedo. Empurrou-o para o lado e atravessou a porta de
rompante, fechando-a atrás de si com estrondo. Os Kettleblack,
preciso dos Kettleblack, enviarei Osfryd com os homens de manto
dourado e Osmund com a Guarda Real, Osney negará tudo assim que o
libertarem, e eu me livro do Alto Septão como me livrei do outro. As
quatro velhas septãs bloquearam-lhe a passagem e tentaram agarrá-la
com suas mãos encarquilhadas. Atirou uma ao chão, arranhou o rosto
de outra e chegou à escada. No meio da subida, lembrou-se de Taena
Merryweather. A recordação a fez tropeçar, arquejante. Que os Sete
me salvem, orou. Taena sabe de tudo. Se também a apanharem , e a
chicotearem...
Conseguiu
fugir até o septo, mas não foi mais longe. Havia mulheres à sua
espera ali, mais septãs e também irmãs silenciosas, mais novas do
que as quatro velhas lá de baixo.
- Eu sou
a rainha - gritou, recuando para longe delas. - Mandarei decapitá-las
por isso, mandarei decapitar todos. Deixem-me passar - em vez disso,
agarraram-na. Cersei fugiu para o altar da Mãe, mas apanharam-na aí,
uma vintena delas, e a arrastaram, esperneando, pelas escadas da
torre acima. Dentro da cela, três irmãs silenciosas seguraram-na
enquanto uma septã chamada Scolera a despia por completo. Até lhe
levou a roupa de baixo. Outra septã lhe atirou um vestido de tecido
grosseiro. - Não pode fazer isso - a rainha não parava de gritar. -
Sou uma Lannister, solte-me, meu irmão matará você, Jaime abrirá
você da garganta à boceta, largue-me! Eu sou a rainha!
- A
rainha devia rezar - disse Septã Scolera, antes de a deixarem nua na
cela fria e desolada.
Cersei
não era a dócil Margaery Tyrell, para enfiar seu vestidinho e se
submeter a um tal cativeiro. Ensinarei a eles o que significa pôr um
leão numa jaula, pensou. Rasgou o vestido em cem pedaços, descobriu
um jarro de água e o esmagou contra a parede, e então fez o mesmo
com o penico. Quando ninguém apareceu, pôs-se a esmurrar a porta. A
escolta que trouxera estava lá embaixo, na praça: dez guardas
Lannister e Sor Boros Blount. Quando me ouvirem, virão me buscar e
arrastarão o maldito Alto Pardal para a Fortaleza Vermelha,
acorrentado.
Gritou,
deu pontapés e uivou até lhe doer a garganta, à porta e à janela.
Ninguém gritou em resposta, nem veio salvá-la. A cela começou a
escurecer. Também estava esfriando. Cersei pôs-se a tremer. Como
podem me deixar assim, sem um fogo sequer? Eu sou a sua rainha.
Começou a se arrepender de ter rasgado o vestido que lhe tinham
dado. Havia uma manta no catre do canto, uma coisa puída de fina lã
marrom. Era áspera e pinicava, mas era tudo que tinha. Cersei
aninhou-se debaixo da manta para evitar tremer, e não muito depois
caiu num sono exausto.
Quando
voltou a si, uma mão pesada a sacudia para acordá-la. Estava um
negro de breu dentro da cela, e uma mulher enorme e feia estava
ajoelhada por cima dela, com uma vela na mão.
- Quem é
você? - quis saber a rainha. - Veio me libertar?
- Sou a
Septã Unella. Vim ouvir você contar tudo sobre seus assassinatos e
suas fornicações.
Cersei
afastou-lhe a mão com uma palmada.
-
Mandarei cortar sua cabeça. Não ouse me tocar. Vá embora.
A mulher
ergueu-se.
- Vossa
Graça. Voltarei dentro de uma hora. Talvez então esteja pronta para
confessar.
Uma hora,
e uma hora, e uma hora. Assim se passou a mais longa noite que Cersei
Lannister alguma vez conhecera, à exceção da noite do casamento de
Joffrey. A garganta lhe doía de tanto gritar, e quase não conseguia
engolir. A cela ficou gelada. Quebrara o penico, de modo que teve de
se acocorar a um canto para urinar e ver os dejetos escorrer pelo
chão. Cada vez que fechava os olhos, Unella aparecia de novo por
cima dela, sacudindo-a e lhe perguntando se queria confessar seus
pecados.
Com o dia
não veio nenhum alívio. Septã Moelle trouxe-lhe uma tigela de
mingau de aveia aguado e cinza ao nascer do sol, Cersei atirou-lhe a
tigela na cabeça. Mas, quando trouxeram um novo jarro de água,
tinha tanta sede que não teve escolha exceto beber. Quando trouxeram
outro vestido, cinza, fino e cheirando a bolor, envergou-o sobre sua
nudez. E nessa noite, quando Moelle voltou a aparecer, comeu o pão e
o peixe e exigiu vinho para empurrá-los para baixo. Não apareceu
nenhum vinho, só Septã Unella, fazendo sua visita marcada para
perguntar se a rainha estava pronta para confessar.
O que
está acontecendo? Perguntou Cersei a si mesma quando a fina fatia de
céu que se via de sua janela começou a escurecer de novo. Por que
ninguém veio me tirar daqui? Não conseguia acreditar que os
Kettleblack abandonassem o irmão. O que seu conselho estava fazendo?
Covardes e traidores. Quando sair daqui, mandarei decapitar o bando
inteiro, e arranjarei homens melhores para seus lugares.
Por três
vezes, nesse dia, ouviu os sons de gritos distantes erguendo-se da
praça, mas era o nome de Margaery que a multidão gritava, não o
seu.
Era perto
da aurora do segundo dia e Cersei lambia o resto do mingau do fundo
da tigela quando a porta de sua cela se abriu inesperadamente para
deixar Lorde Qyburn entrar. Foi com dificuldade que resistiu à
tentação de se atirar aos seus braços.
- Qyburn
- murmurou - oh, deuses, estou tão satisfeita por ver seu rosto.
Leve-me para casa.
- Isto
não será permitido. Deverá ser julgada perante um tribunal sagrado
de sete, por assassinato, traição e fornicação.
Cersei
estava tão exausta que, a princípio, as palavras não lhe pareceram
fazer sentido.
- Tommen.
Fale-me de meu filho. Ele ainda é rei?
- Sim,
Vossa Graça. Está bem e em segurança no interior das muralhas da
Fortaleza de Maegor, protegido pela Guarda Real. Mas sente-se só.
Pergunta por você e por sua pequena rainha. Por enquanto, ninguém
lhe falou de... de seu...
- ... de
minhas dificuldades? - Cersei sugeriu. - E Margaery?
- Deverá
ser julgada também, pelo mesmo tribunal que conduzirá seu
julgamento. Mandei entregar o Bardo Azul ao Alto Septão, como Vossa
Graça ordenou. Está agora aqui, em algum lugar abaixo de nós. Meus
informantes dizem que o estão chicoteando, mas por enquanto continua
a cantar a mesma doce canção que lhe ensinamos.
A mesma
doce canção. Tinha a cabeça embotada por falta de sono. Wat, o
verdadeiro nome dele é Wat. Se os deuses fossem bons, Wat podia
morrer sob o chicote, deixando Margaery sem maneira alguma de provar
que seu testemunho era falso.
- Onde
estão meus cavaleiros? Sor Osfryd... o Alto Septão pretende matar
seu irmão Osney, seus homens de manto dourado têm de...
- Osfryd
Kettleblackjá não comanda a Patrulha da Cidade. O rei o destituiu
do cargo e nomeou para o seu lugar o capitão do Portão do Dragão,
um certo Humfrey Waters.
Cersei
estava tão cansada que nada daquilo fazia sentido.
- Por que
Tommen faria isso?
- O
garoto não tem culpa. Quando seu conselho lhe põe um decreto na
frente, assina seu nome e põe o selo.
- Meu
conselho... quem? Quem faria isso? Você não...
-
Infelizmente fui demitido do conselho, embora por enquanto permitam
que continue meu trabalho com os informantes do eunuco. O reino é
governado por Sor Harys Swyft e pelo Grande Meistre Pycelle. Enviaram
um corvo para Rochedo Casterly, convidando seu tio a regressar à
corte e assumir a regência. Se ele quiser aceitar, é bom que se
apresse. Mace Tyrell abandonou o cerco de Ponta Tempestade e marcha
de volta à cidade com seu exército, e há relatos de que Randyll
Tarly também está a caminho, desde Lagoa da Donzela.
- Lorde
Merryweather concordou com isso?
-
Merryweather demitiu-se de seu lugar no conselho e fugiu para
Mesalonga com a esposa, que foi quem primeiro nos trouxe a notícia
de... das acusações... contra Vossa Graça.
-
Deixaram Taena ir - aquela era a melhor coisa que ouvia desde que o
Alto Pardal dissera não. Taena poderia tê-la condenado. - E Lorde
Waters? Seus navios... se ele trouxer as tripulações para terra,
deve ter homens suficientes para...
- Assim
que a notícia dos atuais problemas de Vossa Graça chegou ao rio,
Lorde Waters içou as velas, pôs os remos na água e levou a frota
para o mar. Sor Harys teme que ele pretenda se juntar a Lorde
Stannis. Pycelle crê que ele se dirige aos Degraus, para se
estabelecer como pirata.
- Todos
os meus lindos dromones - Cersei quase riu. - O senhor meu pai
costumava dizer que os bastardos eram traiçoeiros por natureza.
Gostaria de lhe ter dado ouvidos - estremeceu. - Estou perdida,
Qyburn.
- Não -
ele pegou a mão de Cersei. - Ainda há esperança. Vossa Graça tem
o direito de provar sua inocência por combate. Minha rainha, seu
campeão está a postos. Não há homem em todos os Sete Reinos que
tenha esperança de lhe fazer frente. Se desse a ordem...
Daquela
vez ela realmente riu. Era engraçado, terrivelmente engraçado,
hediondamente engraçado.
- Os
deuses transformaram em piadas todas as nossas esperanças e planos.
Tenho um campeão que ninguém pode derrotar, mas estou proibida de
usá-lo. Eu sou a rainha, Qyburn. Minha honra só pode ser defendida
por um Irmão Juramentado da Guarda Real.
- Entendo
- o sorriso morreu no rosto de Qyburn. -Vossa Graça, não sei o que
dizer. Não sei como aconselhá-la...
Mesmo em
seu estado exausto e assustado, a rainha sabia que não se atrevia a
confiar seu destino a um tribunal de pardais. Tampouco podia contar
com a intervenção de Sor Kevan, depois das palavras que tinham sido
trocadas entre ambos da última vez que se encontraram. Terá de ser
julgamento por combate. Não há outra maneira.
- Qyburn,
pelo amor que tem a mim, suplico-lhe, envie uma mensagem em meu nome.
Um corvo, se puder. Se não, um mensageiro a cavalo. Deve enviá-la
para Correrrio, para o meu irmão. Conte-lhe o que aconteceu, e
escreva... escreva...
- Sim,
Vossa Graça?
Cersei
lambeu os lábios, tremendo.
- Venha
imediatamente. Ajude-me. Salve-me. Preciso de você como nunca antes
precisei. Eu o amo. Amo. Amo. Venha imediatamente.
- Às
suas ordens. Três vezes “amo”?
- Três
vezes - tinha de chegar até ele. - Ele virá. Sei que sim. Tem de
vir. Jaime é minha única esperança.
- Minha
rainha... - disse Qyburn - esqueceu-se? Sor Jaime não tem a mão da
espada. Se lutar por você e perder...
Deixaremos
este mundo juntos, como chegamos a ele um dia.
- Ele não
perderá. Jaime não. Não com a minha vida em jogo.
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