sábado, 7 de setembro de 2013

49 - EDDARD


A luz cinzenta da alvorada jorrava através de sua janela quando o trovão dos cascos acordou Eddard Stark de seu breve sono exausto. Ergueu a cabeça da mesa para olhar para o pátio. Lá embaixo, homens revestidos de cota de malha e mantos carmesins faziam a manhã ressoar ao som de espadas e derrubavam falsos guerreiros recheados de palha. Ned observou Sandor Clegane, que galopava pela dura terra batida e espetava uma lança de ponta de aço na cabeça de um espantalho. A tela foi rompida e palha se espalhou ao som das piadas e pragas dos guardas Lannister.
Será este bravo espetáculo para meu benefício?, perguntou a si mesmo. Se fosse, Cersei era mais tola do que ele imaginara. Maldita seja, pensou, por que não fugiu esta mulher? Dei-lhe oportunidade atrás de oportunidade...
A manhã estava encoberta e sombria. Ned tomou o café da manhã com as filhas e Septã Mordane. Sansa, ainda desconsolada, ficou olhando, carrancuda, para a comida e recusou-se a comer, mas Arya devorou tudo o que lhe foi posto à frente.
- Syrio diz que temos tempo para uma última lição antes de embarcarmos esta noite - ela disse. - Posso, pai? Tenho todas as coisas embaladas.
- Uma lição curta, e assegure-se de que terá tempo para tomar banho e mudar de roupa. Quero-a pronta para partir ao meio-dia, entendido?
- Ao meio-dia - Arya confirmou. Sansa ergueu os olhos da comida.
- Se ela pode ter uma lição de dança, por que não me deixa dizer adeus ao Príncipe Joffrey?
- De bom grado a acompanharia, Lorde Eddard - ofereceu-se Septã Mordane. - Não haveria hipótese de ela perder o navio.
- Não seria sensato encontrar Joffrey agora, Sansa. Lamento.
Os olhos de Sansa encheram-se de lágrimas.
- Mas por quê?
- Sansa, o senhor seu pai sabe o que é melhor - disse Septã Mordane. - Não deve questionar suas decisões.
- Não é justo! - Sansa empurrou a mesa, derrubou a cadeira e fugiu chorando do aposento privado, Septã Mordane ergueu-se, mas Ned fez-lhe sinal para que voltasse a se sentar.
- Deixe-a ir, septã. Tentarei fazê-la compreender quando estivermos todos a salvo de volta a Winterfell - a septã inclinou a cabeça e sentou-se para terminar a refeição.
Uma hora mais tarde, o Grande Meistre Pycelle foi encontrar Eddard Stark em seu aposento privado. Trazia os ombros caídos, como se o peso da grande corrente de meistre em volta do pescoço se tivesse tornado grande demais para ele.
- Senhor - disse - o Rei Robert partiu. Que os deuses lhe deem descanso.
- Não - respondeu Ned. - Ele detestava o descanso. Que os deuses lhe deem amor e risos, e a alegria de batalhas justas - era estranho como se sentia vazio. Já esperava aquela visita, mas com aquelas palavras algo morrera dentro dele. Teria trocado todos os seus títulos pela liberdade de chorar... mas era a Mão de Robert, e a hora que temia chegara. - Tenha a bondade de convocar os membros do conselho aqui para os meus aposentos - disse a Pycelle. A Torre da Mão estava tão segura quanto ele e Tomard a tinham conseguido pôr. Não podia dizer o mesmo das salas do conselho.
- Senhor? - Pycelle pestanejou. - Certamente que os assuntos do reino podem esperar até amanhã, quando o nosso luto não estiver tão fresco.
Ned mostrou-se calmo, mas firme.
- Temo que tenhamos de nos reunir de imediato.
Pycelle fez uma reverência.
- Às ordens da Mão - chamou os criados e os despachou rapidamente, e em seguida aceitou com gratidão a oferta que Ned lhe fez de uma cadeira e de uma taça de cerveja doce. Sor Barristan Selmy foi o primeiro a responder à convocatória, imaculado no seu manto branco e escamas esmaltadas:
- Senhores - disse - o meu lugar é agora ao lado do jovem rei. Peço licença para cuidar dele.
- O seu lugar é aqui, Sor Barristan - disse-lhe Ned.
Mindinho chegou em seguida, ainda vestido com o veludo azul e a capa prateada com os tejos que usara na noite anterior, com as botas empoeiradas de andar a cavalo.
- Senhores - disse, sorrindo para nada em particular antes de se virar para Ned. - Aquela pequena tarefa que me atribuiu está realizada, Lorde Eddard.
Varys entrou numa nuvem de alfazema, rosado do banho, com a cara rechonchuda esfregada e empoada, os chinelos; tudo nada discreto.
- Os passarinhos cantam hoje uma canção penosa - disse enquanto se sentava. - O reino chora. Começamos?
- Quando Lorde Renly chegar - Ned disse. Varys dirigiu-lhe um olhar pesaroso.
- Temo que Lorde Renly tenha abandonado a cidade.
- Abandonado a cidade? - Ned contava com o apoio de Renly.
- Retirou-se por uma poterna uma hora antes da alvorada, acompanhado por Sor Loras Tyrell e cerca de cinquenta criados - contou-lhes Varys. - Quando foram vistos pela última vez, galopavam para o sul com alguma pressa, dirigindo-se sem dúvida para Ponta Tempestade ou Jardim de Cima.
Lá se ia Renly e seus cem soldados, Ned não gostou do cheiro daquilo, mas nada havia que pudesse fazer. Pegou a última carta de Robert.
- O rei chamou-me ontem à noite e ordenou-me que registrasse suas últimas palavras. Lorde Renly e o Grande Meistre Pycelle testemunharam enquanto Robert selou a carta, a ser aberta pelo conselho após a sua morte. Sor Barristan, por bondade?
O Senhor Comandante da Guarda Real examinou o papel.
- É o selo do Rei Robert, e está intacto - abriu a carta e leu. - Lorde Eddard Stark é aqui nomeado Protetor do Território, para governar como regente até que o herdeiro se torne maior de idade.
E por acaso ele já é maior de idade, Ned refletiu, mas não deu voz ao pensamento. Não confiava nem em Pycelle nem em Varys, e Sor Barristan estava obrigado pela honra a proteger e defender o rapaz que julgava ser seu novo rei. O velho cavaleiro não abandonaria Joffrey facilmente. A necessidade de mentir deixava-lhe um sabor amargo na boca, mas Ned sabia que ali tinha de pisar com cuidado, tinha de guardar para si os seus projetos e jogar o jogo até estar firmemente estabelecido como regente. Haveria tempo de tratar da sucessão depois de Arya e Sansa estarem a salvo de volta a Winterfell e de Lorde Stannis regressar a Porto Real com todo o seu poder.
- Desejo pedir a este conselho que me confirme como Lorde Protetor, segundo a vontade de Robert - Ned disse, observando o rosto dos outros, perguntando a si mesmo que pensamentos se esconderiam por trás dos olhos meio fechados de Pycelle, do meio sorriso indolente de Mindinho e da nervosa agitação dos dedos de Varys,
A porta abriu-se. Gordo Tom entrou no aposento.
- Perdão, senhores, o intendente do rei insiste...
O intendente real entrou e fez uma reverência.
- Estimados senhores, o rei exige a presença imediata do seu pequeno conselho na sala do trono.
Ned esperava que Cersei atacasse rapidamente; a convocatória não era surpresa.
- O rei está morto - disse - mas iremos mesmo assim. Tom, reúna uma escolta, por favor. Mindinho emprestou a Ned o braço para ajudá-lo a descer os degraus. Varys, Pycelle e Sor Barristan seguiam logo atrás. Uma coluna dupla de homens de armas envergando cota de malha e capacetes de aço esperava à porta da torre, oito ao todo. Os mantos cinza bateram ao vento enquanto os guardas os acompanharam através do pátio. Não havia nenhum carmesim Lannister à vista, mas Ned sentiu-se tranquilizado pelo número de mantos dourados que estavam visíveis nos baluartes e nos portões.
Janos Slynt os recebeu à porta da sala do trono, coberto com uma ornamentada armadura em tons de ouro e negro, com um elmo de crista alta debaixo do braço. O comandante fez uma reverência rígida. Seus homens empurraram as grandes portas de carvalho, com seis metros de altura e reforçadas a bronze.
O intendente real os fez entrar.
- Saúdem Sua Graça, Joffrey das Casas Baratheon e Lannister, o Primeiro do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território - cantou.
Era uma longa caminhada até o fundo do salão, onde Joffrey esperava sentado no Trono de Ferro. Apoiado por Mindinho, Ned Stark coxeou e saltitou lentamente na direção do rapaz que chamava a si próprio de rei. Os outros os seguiram. A primeira vez que percorrera aquele caminho tinha sido a cavalo, de espada na mão, e os dragões Targaryen observavam das paredes quando ele forçara Jaime Lannister a descer do trono. Perguntou a si mesmo se Joffrey desceria com a mesma facilidade.
Cinco cavaleiros da Guarda Real - todos, menos Sor Jaime e Sor Barristan - dispunham-se em meia-lua em torno da base do trono. Trajavam armadura completa, aço esmaltado do elmo às botas de ferro, longas capas claras sobre os ombros, brilhantes escudos brancos atados ao braço esquerdo. Cersei Lannister e os dois filhos mais novos estavam em pé atrás de Sor Borós e de Sor Meryn, A rainha trazia um vestido de seda verde-mar, debruada com renda de Myr clara como espuma. No dedo, tinha um anel dourado com uma esmeralda do tamanho de um ovo de pombo, e na cabeça usava uma tiara condizente.
Acima deles, o Príncipe Joffrey sentava-se no meio das farpas e das hastes pontiagudas trajando um gibão de tecido de ouro e uma capa vermelha de cetim. Sandor Clegane estava posicionado na base da íngreme escada estreita do trono. Trazia cota de malha e armadura cinza fuliginosa e o seu elmo em forma de cabeça de cão rosnando.
Atrás do trono esperavam vinte guardas Lannister com espadas longas presas aos cintos. Mantos carmesins envolviam-lhes os ombros e leões de aço encimavam seus elmos. Mas Mindinho cumprira a promessa; ao longo das paredes, à frente das tapeçarias de Robert com suas cenas de caça e batalha, as fileiras de mantos dourados da Patrulha da Cidade estavam rigidamente em sentido, cada homem com a mão agarrada à haste de uma lança de dois metros e meio de comprimento terminada em ferro negro. Eram cinco para cada homem dos Lannister.
A perna de Ned era um braseiro de dor quando parou. Manteve a mão sobre o ombro de Mindinho para ajudar a suportar o peso. Joffrey se levantou. Sua capa de cetim vermelho tinha um desenho em fio de ouro; cinquenta leões rugindo de um lado, cinquenta veados empinados do outro.
- Ordeno ao conselho que faça todos os preparativos necessários para a minha coroação - proclamou o rapaz. - Desejo ser coroado esta quinzena. Hoje, receberei juramentos de fidelidade dos meus leais conselheiros.
Ned apresentou a carta de Robert.
- Lorde Varys, tenha a bondade de mostrar isto à senhora de Lannister - o eunuco levou a carta a Cersei. A rainha deitou um relance às palavras.
- Protetor do Território - leu. - Isto pretende ser o seu escudo, senhor? Um pedaço de papel? - rasgou a carta ao meio, depois as metades em quartos e deixou os pedaços flutuar até o chão.
- Essas eram as palavras do rei - disse Sor Barristan, chocado.
- Temos agora um novo rei - respondeu Cersei Lannister. - Lorde Eddard, da última vez que conversamos, deu-me um conselho. Permita-me que lhe devolva a cortesia. Dobre o joelho, senhor. Dobre o joelho e jure fidelidade ao meu filho, e aceitaremos sua demissão do cargo de Mão e seu retorno ao deserto cinzento a que chama casa.
- Bem gostaria de poder fazê-lo - disse Ned sombriamente. Se ela estava tão determinada a forçar o assunto aqui e agora, não lhe deixava escolha. - Seu filho não tem direito ao trono em que se senta. Lorde Stannis é o verdadeiro herdeiro de Robert.
- Mentiroso! - Joffrey gritou, com o rosto ficando vermelho.
- Mãe, o que ele quer dizer? - perguntou a Princesa Myrcella à rainha num tom lamuriento. - Joff não é o rei agora?
- Condenou-se com sua própria boca, Lorde Stark - disse Cersei Lannister. - Sor Barristan, prenda este traidor.
O Senhor Comandante da Guarda Real hesitou. Num piscar de olhos, ficou rodeado de guardas Stark, com aço nu nos punhos revestidos de malha.
- E agora a traição passa das palavras às ações - disse Cersei. - Julga que Sor Barristan está só, senhor? - com um agourento raspar de metal em metal, Cão de Caça desembainhou a espada. Os cavaleiros da Guarda Real e vinte guardas Lannister vestidos de carmim moveram-se em sua ajuda.
- Matem-no! - gritou o jovem rei de cima do Trono de Ferro. - Matem-nos a todos, sou eu quem ordeno!
- Não me deixa escolha - disse Ned a Cersei Lannister, e gritou para Janos Slynt: - Comandante, prenda a rainha e seus filhos. Não lhes faça mal, mas escolte-os de volta aos aposentos reais e mantenha-os lá, guardados.
- Homens da Patrulha! - gritou Janos Slynt, colocando o elmo. Uma centena de homens de manto dourado apontaram as lanças e se aproximaram.
- Não desejo derramamento de sangue - disse Ned à rainha. - Diga a seus homens para abaixar as espadas, e ninguém precisa de...
Com uma única estocada violenta, o mais próximo dos homens de manto dourado espetou a lança nas costas de Tomard. A arma de Gordo Tom caiu de seus dedos sem força no momento em que a úmida ponta vermelha surgiu dentre suas costelas, perfurando couro e cota de malha. Estava morto antes de sua espada atingir o chão.
O grito de Ned chegou tarde demais. O próprio Janos Slynt abriu a garganta de Varly. Cayn rodopiou, fazendo relampejar o aço, e obrigou o lanceiro mais próximo a recuar com uma saraivada de golpes; por um instante, pareceu que talvez conseguisse abrir caminho até a liberdade. Mas então Cão de Caça caiu sobre ele. O primeiro golpe de Sandor Clegane cortou a mão da espada de Cayn pelo pulso; o segundo fê-lo cair de joelhos e o rasgou do ombro ao esterno.
Enquanto seus homens morriam à sua volta, Mindinho tirou o punhal de Ned da bainha e o apontou para sua garganta. Seu sorriso como que pedia perdão.
- Avisei para não confiar em mim.  

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