segunda-feira, 9 de setembro de 2013

59 - CATELYN


Enquanto a tropa marchava pelo talude através dos pântanos negros do Gargalo e se derramava nos terrenos fluviais que se estendiam para lá dele, as apreensões de Catelyn cresciam. Ela mascarava seus medos com uma expressão impassível e severa, mas estavam lá, crescendo a cada légua de caminho. Seus dias eram ansiosos, as noites, inquietas, e cada corvo que voava sobre sua cabeça a fazia cerrar os dentes. Temia pelo senhor seu pai e interrogava-se acerca de seu silêncio agourento. Temia pelo irmão Edmure e rezava para que os deuses olhassem por ele se tivesse de enfrentar o Regicida em batalha. Temia por Ned e pelas meninas, e pelos queridos filhos que deixara em Winterfell. E, no entanto, nada havia que pudesse fazer por qualquer um deles, e por isso forçava-se a pôr de lado aqueles pensamentos. Precisa guardar as forças para Robb, dizia a si mesma. Ele é o único que pode ajudar. Tem de ser tão feroz e dura como o Norte, Catelyn Tully. Tem de ser agora uma Stark de verdade, como seu filho.
Robb cavalgava à cabeça da coluna, sob a esvoaçante bandeira branca de Winterfell. Pedia todos os dias que um de seus senhores se juntasse a ele para que pudessem conferenciar enquanto marchavam; honrava um homem de cada vez, sem mostrar favoritismos, escutando como o senhor seu pai escutara, pesando as palavras de um contra as de outro. Ele aprendeu tanto com Ned, pensou ela enquanto o observava, mas terá aprendido o suficiente?
O Peixe Negro levara cem homens com lanças e cem cavalos rápidos e correra na frente para ocultar os movimentos do exército e reconhecer o terreno. Os relatórios que os mensageiros de Sor Brynden traziam não a sossegavam. A tropa de Lorde Tywin estava ainda a muitos dias ao sul..., mas Walder Frey, Senhor da Travessia, reunira uma força de quase quatro mil homens em seus castelos debruçados sobre o Ramo Verde.
- De novo atrasado - murmurou Catelyn quando ouviu a notícia. Era a repetição do Tridente, maldito homem. O irmão Edmure chamara os vassalos; por direito, Lorde Frey deveria ter partido para se juntar à tropa Tully em Correrrio, e no entanto aqui estava ele.
- Quatro mil homens - repetiu Robb, mais perplexo que zangado. - Lorde Frey não pode esperar combater sozinho os Lannister. Decerto pretende juntar seu poder ao nosso.
- Será? - perguntou Catelyn. Cavalgara em frente para se juntar a Robb e a Robett Glover, seu companheiro do dia. A vanguarda espalhava-se atrás deles, uma floresta lenta de lanças, estandartes e espadas. - Tenho minhas dúvidas. Não espere nada de Walder Frey, e nunca será surpreendido.
- Ele é vassalo de seu pai.
- Alguns honras encaram seus votos com mais seriedade que outros, Robb. Lorde Walder sempre se mostrou mais amigável para com o Rochedo Casterly do que meu pai teria gostado. Um de seus filhos está casado com a irmã de Tywin Lannister. É verdade que isso pouco significa, pois Lorde Walder gerou ao longo dos anos um grande número de filhos que têm de casar com alguém. Mas mesmo assim...
-Julga que ele pretende nos trair pelos Lannister, senhora? - perguntou Robett Glover em voz grave.
Catelyn suspirou.
- A bem da verdade, duvido que o próprio Lorde Frey saiba o que pretende fazer. Tem a cautela de um velho e a ambição de um jovem, e nunca pecou por falta de astúcia.
- Temos de ter as Gêmeas, mãe - disse Robb acaloradamente. - Não há outra maneira de atravessar o rio. Bem sabe.
- Sim. E Walder Frey também sabe, pode estar certo disso.
Naquela noite acamparam no limite sul dos pântanos, a meio caminho entre a Estrada do Rei e o rio. Foi aí que Theon Greyjoy lhes trouxe mais notícias do tio de Catelyn.
- Sor Brynden pede para lhes dizer que cruzou espadas com os Lannister. Há uma dúzia de batedores que não irão se apresentar a Lorde Tywin tão cedo. Ou nunca mais - sorriu. - Sor Addam Marbrand comanda os batedores deles e está retirando para o sul, incendiando à sua passagem. Sabe onde estamos, mais ou menos, mas o Peixe Negro jura que não saberá quando nos dividirmos.
- A menos que Lorde Frey lhe diga - disse Catelyn em tom cortante. - Theon, quando regressar para junto de meu tio, diga-lhe que ele deve estacionar seus melhores arqueiros em volta das Gêmeas, dia e noite, com ordens para abater qualquer corvo que deixe as ameias. Não quero aves levando a Lorde Tywin notícias sobre os movimentos do meu filho.
- Sor Brynden já tratou disso, senhora - respondeu Theon com um sorriso pretensioso. - Mais alguns pássaros negros e teremos o suficiente para fazer uma torta. Guardarei para a senhora suas penas para um chapéu.
Catelyn devia saber que Brynden Peixe Negro estaria bem adiantado em relação a ela.
- O que fazem os Frey enquanto os Lannister queimam seus campos e saqueiam seus castros?
- Houve algumas lutas entre os homens de Sor Addam e os de Lorde Walder - respondeu Theon. - A menos de um dia de viagem daqui encontramos dois batedores Lannister servindo de alimento aos corvos onde os Frey os amarraram. Mas a maior parte das forças de Lorde Walder permanece reunida nas Gêmeas.
Isso trazia o selo de Walder Frey sem a menor dúvida, pensou amargamente Catelyn; conter-se, esperar, observar, não correr riscos, a menos que seja forçado a isso.
- Se ele tem combatido os Lannister, então talvez planeje mesmo manter-se fiel aos seus votos - disse Robb.
Catelyn sentia-se menos encorajada.
- Defender as próprias terras é uma coisa, uma batalha aberta contra Lorde Tywin é outra bem diferente.
Robb voltou a virar-se para Theon Greyjoy.
- O Peixe Negro encontrou alguma outra maneira de atravessar o Ramo Verde?
Theon balançou a cabeça.
- O rio corre cheio e rápido. Sor Brynden diz que não pode ser atravessado pelo baixio, não tão a norte.
- Tenho de ter aquela travessia! - declarou Robb, furioso. - Ah, suponho que os nossos cavalos poderão ser capazes de atravessar o rio a nado, mas não com homens vestidos de armadura sobre os dorsos. Precisaríamos construir jangadas para fazer passar o nosso aço, os elmos, as cotas de malha e as lanças, e não temos árvores para tal. Ou tempo. Lorde Tywin marcha para o norte... - cerrou a mão em punho.
- Lorde Frey teria de ser um louco para tentar nos barrar o caminho - disse Theon Greyjoy com sua habitual confiança fácil. - Temos cinco vezes mais homens. Podemos tomar as Gêmeas se for preciso, Robb.
- Não seria fácil - preveniu-os Catelyn - nem a tempo. Enquanto montassem seu cerco, Tywin Lannister traria sua tropa e cairia sobre nós pela retaguarda.
Robb olhou para ela e depois para Greyjoy em busca de uma resposta, mas sem encontrar nenhuma. Por um momento pareceu ter ainda menos que os seus quinze anos, apesar da cota de malha, da espada e da barba que trazia.
- Que faria o senhor meu pai? - perguntou à mãe.
- Encontraria uma maneira de atravessar - ela respondeu. - Custasse o que custasse.
Na manhã seguinte foi o próprio Sor Brynden Tully quem regressou para junto deles. Pusera de lado a armadura pesada e o elmo que usara como Cavaleiro do Portão em favor da proteção mais leve do couro e da cota de malha de um batedor, mas seu peixe de obsidiana ainda segurava seu manto. O rosto do tio de Catelyn mostrava-se grave ao descer do cavalo.
- Houve uma batalha sob as muralhas de Correrrio - disse, com uma expressão sinistra na boca. - Ouvimos de um batedor Lannister que capturamos. O Regicida destruiu a tropa de Edmure e pôs os senhores do Tridente em fuga.
Uma mão fria apertou o coração de Catelyn.
- E meu irmão?
- Foi ferido e feito prisioneiro - disse Sor Brynden. - Lorde Blackwood e os outros sobreviventes estão sob cerco no interior de Correrrio, rodeados pela hoste de Jaime.
Robb mostrou-se insatisfeito.
- Temos de atravessar este maldito rio se queremos ter alguma esperança de socorrê-los a tempo.
- Isso não será fácil - preveniu o tio. - Lorde Frey chamou todas as suas forças para o interior dos castelos e tem os portões fechados e trancados.
- Maldito seja esse homem - praguejou Robb. - Se o velho tonto não cede e me deixa atravessar, não me deixa alternativa a não ser assaltar suas muralhas. Hei de pôr as Gêmeas abaixo à volta dele, veremos se gosta disso!
- Parece um rapaz birrento, Robb - disse Catelyn em tom cortante. - Uma criança vê um obstáculo e a primeira coisa em que pensa é correr à sua volta ou pô-lo abaixo. Um senhor tem de aprender que por vezes as palavras são capazes de alcançar o que as espadas não são.
O pescoço de Robb ficou vermelho ao ouvir a reprimenda,
- Explique-me o que quer dizer, mãe - disse ele brandamente.
- Os Frey possuem a travessia há seiscentos anos, e desde então nunca deixaram de cobrar a sua taxa.
- Que taxa? O que é que ele quer?
Ela sorriu.
- É isso que temos de descobrir.
- E se eu preferir não pagar esta taxa?
- Então é melhor que se retire de volta para Fosso Cailin, disponha as tropas para enfrentar Lorde Tywin em batalha,., ou arranje asas. Não vejo outras hipóteses - Catelyn esporeou o cavalo e afastou-se, deixando o filho pesar o que dissera.
Não seria bom fazê-lo sentir que a mãe estava usurpando seu lugar. Ensinou-lhe sabedoria como lhe ensinou valor, Ned?, perguntou a si própria. Ensinou-lhe a ajoelhar-se? Os cemitérios dos Sete Reinos estavam cheios de homens corajosos que nunca aprenderam essa lição.
Era perto do meio-dia quando a vanguarda chegou à vista das Gêmeas, onde os Senhores da Travessia tinham a sua sede. O Ramo Verde corria ali rápido e profundo, mas os Frey tinham construído uma ponte sobre ele havia muitos séculos e enriquecido com o dinheiro que os homens pagavam para atravessar. A ponte era um sólido arco de pedra lisa e cinzenta, suficientemente largo para que duas carroças passassem lado a lado; a Torre da Água erguia-se no centro da ponte, dominando quer a estrada, quer o rio com suas seteiras, alçapões e portas levadiças. Os Frey levaram três gerações para completar a ponte; quando terminaram, construíram robustas fortalezas de madeira em cada extremidade para que ninguém a atravessasse sem sua autorização.
Havia muito tempo a madeira tinha dado lugar à pedra. As Gêmeas, dois castelos atarracados, feios e fortes, idênticos em todos os aspectos, com a ponte unindo-os em arco, guardavam a travessia havia séculos. Grandes muralhas exteriores, profundos fossos e pesados portões de carvalho e ferro protegiam os caminhos, as bases da ponte erguiam-se do interior de robustas fortalezas internas, havia um antemuro e uma porta levadiça em cada margem, e a Torre da Água defendia o arco propriamente dito.
Um relance foi o suficiente para Catelyn compreender que o castelo não seria tomado de assalto. As ameias eriçavam-se de lanças, espadas e atiradeiras, havia um arqueiro em cada ameia e seteira, a ponte levadiça estava erguida, a porta levadiça, descida, os portões fechados e trancados.
Grande-Jon começou a praguejar assim que viu o que os esperava. Lorde Rickard Karstark olhava, carrancudo e em silêncio.
- Aquilo não pode ser assaltado, senhores - anunciou Roose Bolton.
- E tampouco podemos tomá-lo por cerco sem um exército na margem de lá para investir contra a outra fortaleza - Heiman Tallhart disse sombriamente. Do outro lado das profundas águas verdes, a gêmea ocidental era como um reflexo da sua irmã do oriente. - Mesmo se dispuséssemos de tempo, Do qual, na verdade, não dispomos.
Enquanto os senhores do Norte estudavam o castelo, uma porta abriu-se, uma ponte de pranchas deslizou através do fosso e uma dúzia de cavaleiros a atravessou a cavalo para enfrentá-los, liderados por quatro dos muitos filhos de Lorde Walder. Seu estandarte exibia torres gêmeas azul-escuras em fundo cinza-prateado claro. Sor Stevron Frey, herdeiro de Lorde Walder, falou por eles. Todos os Frey tinham cara de fuinha; Sor Stevron, já com mais de sessenta anos e com netos seus, assemelhava-se a uma fuinha particularmente velha e cansada, mas foi bastante bem-educado.
- O senhor meu pai me enviou para saudá-los e perguntar quem lidera esta poderosa hoste.
- Sou eu - Robb esporeou o cavalo e avançou. Usava sua armadura, com o escudo do lobo gigante de Winterfell atado à sela, e Vento Cinzento caminhava ao seu lado.
O velho cavaleiro olhou para o filho de Catelyn com uma leve cintilação de divertimento nos aguados olhos cinzentos, embora seu cavalo castrado relinchasse, inquieto, e se afastasse, de lado, do lobo gigante.
- O senhor meu pai ficaria muito honrado se pudessem partilhar a sua comida e bebida no castelo e explicar o que os traz aqui.
Aquelas palavras caíram sobre os senhores vassalos como uma grande pedra atirada por uma catapulta. Nenhum deles aprovou a ideia. Praguejaram, discutiram e gritaram uns com os outros.
- Não deve fazer isto, senhor - argumentou Galbart Glover com Robb. - Lorde Walder não é de confiança.
Roose Bolton fez um meneio de concordância.
- Entre ali sozinho e pertencerá a eles. Poderá vendê-lo aos Lannister, atirá-lo para uma masmorra ou cortar-lhe a garganta, como quiser,
- Se quiser conversar conosco, que abra os portões e partilharemos todos a sua comida e bebida - declarou Sor Wendel Manderly.
- Ou que saia e converse com Robb aqui, à vista de seus homens e dos nossos - sugeriu o irmão, Sor Wylis.
Catelyn Stark partilhava todas aquelas dúvidas, mas bastava-lhe olhar de relance para Sor Stevron para saber que não lhe agradava o que estava ouvindo. Mais algumas palavras e a chance estaria perdida. Tinha de agir, e depressa.
- Eu vou - disse em voz alta.
- A senhora? - Grande-Jon enrugou a testa.
- Mãe, tem certeza? - era claro que Robb não tinha.
- Nunca tive tanta - mentiu Catelyn com leveza. - Lorde Walder é vassalo de meu pai. Conheço-o desde menina. Nunca me faria nenhum mal - a menos que visse nisso algum lucro, acrescentou em silêncio, mas algumas verdades não podiam ser ditas, e algumas mentiras eram necessárias,
- Estou certo de que o senhor meu pai ficaria feliz por falar com a Senhora Catelyn - disse Sor Stevron. - A fim de atestar as nossas boas intenções, meu irmão, Sor Perwyn, permanecerá aqui até que ela lhes seja devolvida em segurança.
- Ele será nosso hóspede de honra - disse Robb. Sor Perwyn, o mais novo dos quatro Frey do grupo, desmontou e entregou as rédeas do cavalo a um dos irmãos. - Desejo o retorno de minha mãe até o cair da noite, Sor Stevron - prosseguiu Robb. - Não pretendo ficar aqui por muito tempo.
Sor Stevron fez um aceno polido.
- Como quiser, senhor - Catelyn esporeou o cavalo e não olhou para trás. Os filhos e enviados de Lorde Walder rodearam-na.
O pai de Catelyn tinha dito uma vez que Walder Frey era o único senhor dos Sete Reinos que podia tirar um exército dos calções. Quando o Senhor da Travessia recebeu Catelyn no grande salão do castelo oriental, rodeado por vinte filhos sobreviventes (menos Sor Perwyn, que teria sido o vigésimo primeiro), trinta e seis netos, dezenove bisnetos e numerosas filhas, netas, bastardos e bastardos-netos, compreendeu exatamente o que o pai quis dizer.
Lorde Walder tinha noventa anos, uma mirrada fuinha cor-de-rosa de cabeça calva e manchada, demasiado artrítico para se erguer sem ajuda. A última esposa, uma moça pálida e delicada de dezesseis anos, caminhou ao lado da sua liteira quando o trouxeram para o salão. Era a oitava Senhora Frey.
- E um grande prazer voltar a vê-lo depois de tanto tempo, senhor - disse Catelyn. O velho a olhou de soslaio com uma expressão de suspeita.
- Ah é? Duvido. Poupe-me das suas palavras doces, Senhora Catelyn, sou velho demais. Por que está aqui? Será o seu rapaz orgulhoso demais para vir ele próprio apresentar-se? Que farei eu com a senhora?
Catelyn era uma menina da última vez que visitara as Gêmeas, mas já então Lorde Frey era irascível, tinha uma língua aguçada e maneiras bruscas. A idade o tinha tornado pior que nunca, ao que parecia. Precisaria escolher as palavras com cuidado e fazer o possível para não se ofender com as dele.
- Pai - disse Sor Stevron em tom reprovador - atente ao gênio. A Senhora Stark está aqui a nosso convite.
- Perguntei-lhe alguma coisa? Ainda não é Lorde Frey, e não o será até que eu morra. Pareço-lhe morto? Não ouvirei instruções vindas de você.
- Isso não é maneira de falar na frente de nossa nobre convidada, pai - disse um dos filhos mais novos.
- Agora meus bastardos acham-se no direito de me dar lições de cortesia - queixou-se Lorde Walder. - Falarei como bem entender, malditos. Já hospedei três reis ao longo da minha vida, e rainhas também, julga que preciso de lições de gente como você, Ryger? Sua mãe ordenhava cabras da primeira vez que lhe dei minha semente - rechaçou o jovem corado com um movimento súbito de dedos e fez um gesto para dois de seus outros filhos. - Danwell, Whalen, ajudem-me a sentar na cadeira.
Ergueram Lorde Walder da liteira e o transportaram para o cadeirão dos Frey, uma cadeira elevada de carvalho negro, cujo espaldar estava esculpido como duas torres ligadas por uma ponte. A jovem esposa subiu timidamente para junto dele e cobriu-lhe as pernas com uma manta. Depois de se sentar, o velho acenou para que Catelyn se aproximasse e deu-lhe um beijo na mão, seco como papel.
- Pronto - anunciou. - Agora que observei a cortesia, senhora, talvez meus filhos me deem a honra de calar a boca. Por que está aqui?
- Para lhe pedir para abrir os portões, senhor - respondeu Catelyn polidamente. - Meu filho e os senhores seus vassalos estão muito impacientes para atravessar o rio e prosseguir caminho.
- Para Correrrio? - soltou um risinho abafado. - Ah, não é preciso dizer, não é preciso. Ainda não sou cego. O velho ainda consegue ler um mapa.
- Para Correrrio - confirmou Catelyn. Não via motivo para negar. - Onde teria esperado encontrá-lo, senhor. Ainda é vassalo de meu pai, não é?
- Heh - disse Lorde Walder, um ruído a meio caminho entre uma gargalhada e um grunhido. - Chamei as minhas espadas, sim, chamei, aqui estão elas, você as viu nas muralhas. Era minha intenção marchar assim que todas as minhas forças estivessem reunidas. Bem, enviar meus filhos. Eu já estou há muito para lá das marchas, Senhora Catelyn - olhou em volta em busca de confirmação e apontou para um homem alto e curvado de cinquenta anos. - Diga-lhe, Jared. Diga-lhe que eram essas as minhas intenções.
- Eram, senhora - disse Sor Jared Frey, um dos filhos de sua segunda mulher. - Pela minha honra.
- Será culpa minha que o tonto do seu irmão tenha perdido sua batalha antes de nos podermos pôr em marcha? - recostou-se nas almofadas e franziu as sobrancelhas, como que desafiando-a a contestar a sua versão dos acontecimentos. - Disseram-me que o Regicida o atravessou como um machado atravessa queijo podre. Por que haveriam meus rapazes de correr para o sul para morrer? Todos aqueles que foram para o sul estão de novo correndo para o norte.
Catelyn teria de bom grado enfiado o lamuriento do velho num espeto e colocado para assar numa fogueira, mas só tinha até o cair da noite para abrir a ponte. Calmamente, disse:
- Mais uma razão para que possamos chegar a Correrrio, e depressa. Onde podemos conversar, senhor?
- Estamos conversando agora - queixou-se Lorde Frey. A cabeça malhada e rosada dardejou em volta. - O que estão todos olhando? - gritou para a família. - Saiam daqui. A Senhora Stark deseja falar-me em privado. Pode ser que tenha planos para a minha fidelidade, heh. Vão, todos, encontrem algo de útil para fazer. Sim, você também, mulher. Fora, fora, fora - enquanto os filhos, netos, filhas, bastardos, sobrinhas e sobrinhos jorraram da sala, inclinou-se para perto de Catelyn e confessou: - Estão todos à espera de que eu morra. Stevron espera há quarenta anos, mas continuo a desapontá-lo. Heh. Por que haveria de morrer só para que ele seja um senhor?, pergunto, Não o farei.
- Tenho toda a esperança de que sobreviva até os cem anos.
- Isso os irritaria, não há dúvida. Ah, não há dúvida. Bem, o que queria dizer?
- Queremos atravessar - disse-lhe Catelyn.
- Ah, sim? Isso é ser direto. Por que haveria eu de deixar?
Por um momento a ira dela relampejou.
- Se fosse suficientemente forte para subir a uma das vossas ameias, Lorde Frey, veria que meu filho tem vinte mil homens junto de suas muralhas.
- Serão vinte mil cadáveres frescos quando Lorde Tywin chegar aqui - disparou o velho em resposta. - Não tente me assustar, senhora. Seu esposo está numa cela de traidor qualquer debaixo da Fortaleza Vermelha, seu pai está doente, pode estar morrendo, Jaime Lannister tem seu irmão a ferros. Que tem a senhora que eu deva temer? Aquele seu filho? Se der um filho meu para cada um dos seus, ainda terei dezoito depois de os seus estarem todos mortos.
- O senhor prestou juramento perante meu pai - recordou-lhe Catelyn. Ele inclinou a cabeça para um lado, sorrindo.
- Ah, sim, disse algumas palavras, mas também prestei juramentos à coroa, assim me parece. Joffrey é agora o rei, e isso faz da senhora, do seu rapaz e de todos aqueles tontos lá fora nada mais que rebeldes. Se eu tivesse o bom-senso que os deuses deram aos peixes, ajudaria os Lannister a fervê-los a todos.
- E por que não o faz? - ela desafiou.
Lorde Walder bufou de desdém.
- Lorde Tywin, o orgulhoso e magnífico, Protetor do Oeste, Mão do Rei, ah, que grande homem este é, ele e o seu ouro para lá e para cá, e leões para cá e acolá. Aposto que se comer feijão demais dá peidos tal como eu dou, mas nunca o ouvirá admitir tal coisa, ah, não. Que tem ele para ser tão empolado? Só dois filhos, e um deles é um monstrinho retorcido. Se lhe der um filho meu por cada um dos dele, ainda terei vinte e meio quando todos os dele estiverem mortos! - soltou um cacarejo. - Se Lorde Tywin quiser a minha ajuda, bem pode pedi-la.
Era tudo o que Catelyn precisava ouvir.
- Eu estou pedindo a sua ajuda, senhor - disse humildemente. - E meu pai, meu irmão, o senhor meu marido e meus filhos pedem pela minha voz.
Lorde Walder brandiu o dedo ossudo em sua cara.
- Poupe suas palavras doces, senhora. Palavras doces ouço de minha esposa. Já a viu? Tem dezesseis, uma florzinha, e o seu mel é só para mim. Aposto que me dá um filho em menos de um ano. Talvez faça dele herdeiro, isso não irritaria os outros?
- Estou certa de que lhe dará muitos filhos. A cabeça, dele oscilou para cima e para baixo.
- O senhor seu pai não veio ao casamento. Cá para mim, é um insulto. Mesmo que esteja morrendo. Também não veio ao meu último casamento. Chama-me o Atrasado Lorde Frey, sabe? Julgará que perdi o juízo? Que estou meio morto e a cabeça já não funciona bem? Não estou, garanto, hei de sobreviver-lhe tal como sobrevivi a seu pai. Sua família sempre se cagou para mim, não negue, não minta, sabe que é verdade. Há anos fui visitar seu pai e sugeri um casamento entre o seu filho e a minha filha. Por que não? Tinha uma filha em mente, uma querida jovem, só alguns anos mais velha que Edmure, mas se seu irmão não se engraçasse com ela, tinha outras que ele podia escolher, novas, velhas, virgens, viúvas, o que quisesse. Não, Lorde Hoster não quis ouvir falar disso. Deu-me doces palavras, desculpas, mas o que eu queria era ver-me livre de uma filha. E sua irmã, esta é tão má como o pai. Foi, ah, há um ano, não mais, ainda Jon Arryn era Mão do Rei, fui à cidade assistir à participação de meus filhos no torneio. Stevron e Jared estão já velhos demais para a arena, mas Danwell e Hosteen participaram, Perwyn, também, e dois dos meus bastardos experimentaram o corpo a corpo. Se soubesse como iam me envergonhar, nunca me teria incomodado a fazer a viagem. Que necessidade tinha eu de cavalgar toda aquela distância para ver Hosteen ser derrubado do cavalo por aquele cachorrinho do Tyrell? Pergunto-lhe. O rapaz tem metade da idade dele, chamam-no Sor Margarida, ou qualquer coisa do gênero. E Danwell foi derrubado por um cavaleiro menor! Há dias em que pergunto a mim mesmo se aqueles dois são realmente meus filhos. Minha terceira mulher era uma Crakehall, e todas as mulheres Crakehall são umas vacas. Bem, não importa, ela morreu antes do seu nascimento, que lhe interessa isto? Estava falando de sua irmã. Propus que o Senhor e a Senhora Arryn criassem dois dos meus netos na corte, e ofereci-me para criar o filho deles aqui nas Gêmeas. Serão os meus netos indignos de serem vistos na corte do rei? São bons rapazes, calmos e bem-educados. Walder é filho de Merrett, deram-lhe o nome em minha honra, e o outro... heh, não me lembro... pode ter sido outro Walder, que andam sempre a chamá-lo Walder para que eu os favoreça, mas o pai dele... qual deles era o pai dele? - seu rosto enrugou-se. - Bem, fosse quem fosse, Lorde Arryn não o quis, e nem ao outro, e por isso culpo a senhora sua irmã. Gelou como se eu tivesse sugerido vender o filho a uma trupe de saltimbancos ou fazer dele um eunuco, e quando Lorde Arryn disse que a criança ia para Pedra do Dragão, para ser criada com Stannis Baratheon, ela saiu precipitadamente da sala sem uma palavra de desculpa, e tudo o que a Mão pôde me dar foram lamentos. De que servem lamentos?, pergunto-lhe.
Catelyn franziu as sobrancelhas, inquieta.
- Tinha entendido que o filho de Lysa deveria ser criado com Lorde Tywin no Rochedo Casterly.
- Não, era Lorde Stannis - disse Walder Frey num tom irritável. - Julga que não distingo Lorde Stannis de Lorde Tywin? São os dois uns rolhas de poço que se acham nobres demais para cagar, mas deixe isso, eu sei ver a diferença. Ou será que me julga muito velho para me lembrar? Tenho noventa anos e lembro-me muito bem. E também me lembro do que se faz com uma mulher. Aquela minha esposa há de me dar um filho em menos de um ano, aposto. Ou uma filha, que isso não se pode controlar. Menino ou menina, há de ser vermelho, encarquilhado e aos berros, e o mais certo é que lhe queira chamar Walder ou Walda.
Catelyn não se importava com o nome que a Senhora Frey daria ao filho.
-Jon Arryn ia criar o filho com Lorde Stannis, tem certeza disso?
- Sim, sim, sim - disse o velho. - Só que morreu, portanto, que importa? Disse que quer atravessar o rio?
- Quero.
- Pois bem, não pode! - anunciou Lorde Walder vivamente. - A menos que eu deixe, e por que haveria de deixar? Os Tully e os Stark nunca foram meus amigos - recostou-se na cadeira e cruzou os braços, com um sorriso afetado, à espera da resposta dela. O resto foi só regateio.
Um sol vermelho e inchado pendia, baixo, sobre os montes ocidentais quando os portões do castelo se abriram. A ponte levadiça foi descida, guinchando, a porta levadiça ergueu-se, e a Senhora Catelyn Stark avançou para ir juntar-se ao filho e aos senhores seus vassalos. Atrás dela vinham Sor Jared Frey, Sor Hosteen Frey, Sor Danwell Frey e o filho bastardo de Lorde Walder, Ronel Rivers, à frente de uma longa coluna de lanceiros, fileira atrás de fileira de homens arrastando os pés com cotas de malha de aço azul e mantos cinza-prateados. Robb avançou a galope ao seu encontro, com Vento Cinzento correndo ao lado de seu garanhão.
- Está feito - disse-lhe Catelyn. - Lorde Walder o deixa passar. Suas espadas são também suas, exceto quatrocentas, que deseja deixar ficar para defender as Gêmeas. Sugiro que deixe aqui quatrocentos dos seus homens, uma força mista de arqueiros e espadachins. Ele dificilmente pode levantar objeções a uma oferta para aumentar a sua guarnição... mas assegure-se de dar o comando a um homem em quem possa confiar. Lorde Walder pode precisar de ajuda para manter a fé.
- Será como diz, mãe - respondeu Robb, olhando pasmado para as fileiras de lanceiros. -Talvez... Sor Heiman Tallhart, que lhe parece?
- Uma boa escolha.
- Que... que quis ele de nós?
- Se puder dispensar um tanto dos seus soldados, preciso de alguns homens para escoltar dois dos netos de Lorde Frey para o norte até Winterfell - disse-lhe ela. - Concordei em recebemos como protegidos. São novos, com oito e sete anos. Parece que ambos se chamam Walder. Julgo que seu irmão Bran acolherá bem a companhia de rapazes próximos da idade dele.
- É tudo? Dois protegidos? Este é um preço bastante pequeno por...
- O filho de Lorde Frey, Olyvar, virá conosco - ela prosseguiu. - Deverá servir como seu escudeiro pessoal. O pai quer vê-lo feito cavaleiro a seu tempo.
- Um escudeiro - encolheu os ombros. - Certo, está bem, se ele...
- Além disso, se sua irmã Arya regressar em segurança para junto de nós, está acordado que se casará com o filho mais novo de Lorde Walder, Elmar, quando ambos tiverem idade.
Robb pareceu embaraçado.
- Arya não vai gostar nem um bocadinho disso.
- E você deverá casar com uma das filhas dele quando a luta terminar - Catelyn terminou. - Sua senhoria consentiu amavelmente em deixá-lo escolher a moça que preferir. Tem uma quantidade delas que julga serem adequadas.
Para seu crédito, Robb não vacilou.
- Entendo.
- Consente?
- Posso recusar?
- Se quiser atravessar, não.
- Consinto - disse solenemente Robb. Nunca lhe parecera mais homem do que naquele momento. Rapazes podem brincar com espadas, mas era preciso ser um senhor para fazer um pacto de casamento com a consciência do que ele significava.
Atravessaram ao cair da noite enquanto um quarto de lua flutuava sobre o rio. A dupla coluna serpenteou pelo portão da gêmea oriental como uma grande serpente de aço, deslizando pelo pátio, no interior da fortaleza e através da ponte, irrompendo de novo do segundo castelo na margem ocidental.
Catelyn seguiu à cabeça da serpente, com o filho, o tio, Sor Brynden e Sor Stevron Frey. Atrás, seguiam nove décimos da cavalaria; cavaleiros, lanceiros, cavaleiros livres e arqueiros montados. Foram necessárias horas para que todos atravessassem. Mais tarde, Catelyn se recordaria do barulho de incontáveis cascos na ponte levadiça, de Lorde Walder Frey, em sua liteira, vendo-os passar, do brilho de olhos que espreitavam entre as tábuas dos alçapões no teto enquanto cavalgavam através da Torre da Água.
A parte maior da tropa nortenha, lanceiros, arqueiros e grandes massas de homens de armas a pé, permaneceu na margem oriental sob o comando de Roose Bolton. Robb ordenara-lhe que prosseguisse a marcha para o sul, a fim de defrontar o enorme exército Lannister que vinha para o norte sob o comando de Lorde Tywin.
Para o bem ou para o mal, seu filho lançara os dados.  

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