quarta-feira, 2 de outubro de 2013

49 - JON


- R'hllor - entoou Melisandre, braços estendidos contra a neve que caía - você é a luz em nossos olhos, o fogo em nossos corações, o calor em nossas costas. Seu é o sol que aquece nossos dias, suas são as estrelas que nos guardam na escuridão da noite.
- Todos louvam R'hllor, o Senhor da Luz - os convidados do casamento responderam em um coro irregular, antes que uma rajada de vento frio levasse suas palavras embora. Jon Snow levantou o capuz do manto.
A neve estava leve, uma dispersão fina de flocos dançando no ar, mas o vento soprava do leste pela Muralha, frio como a respiração do dragão de gelo das histórias que a Velha Ama costumava contar. Até a fogueira de Melisandre tremia; as chamas se amontoavam na vala, crepitando suavemente enquanto a sacerdotisa vermelha entoava seus cânticos.
Apenas Fantasma parecia não sentir frio.
Alys Karstark se inclinou para perto de Jon.
- Neve durante um casamento significa um casamento frio. A senhora minha mãe sempre dizia isso.
Ele olhou para a Rainha Selyse. Deve ter acontecido uma nevasca no dia em que ela e Stannis se casaram. Encolhida sob seu manto de arminho e cercada por suas damas, aias e cavaleiros, a rainha sulista parecia uma coisa frágil, pálida e contraída. Um sorriso tenso estava congelado no lugar de seus lábios, mas seus olhos estavam repletos de reverência. Ela odeia o frio, mas ama as chamas. Era só olhá-la para saber isso. Uma palavra de Melisandre, e ela caminharia para o fogo de boa vontade, abraçando-o como a um amante.
Nem todos os homens da rainha pareciam partilhar seu fervor. Sor Brus parecia semiembriagado, a mão enluvada de Sor Malegorn descansava na bunda da senhora ao lado dele, Sor Narbert estava bocejando e Sor Patrek da Montanha do Rei parecia zangado. Jon Snow começava a entender por que Stannis deixara-os com a rainha.
- A noite é escura e cheia de terrores - Melisandre entoou. - Sozinhos nascemos e sozinhos morremos, mas enquanto andarmos por este vale negro obteremos força uns nos outros e em você, nosso senhor. - Suas sedas e cetins escarlate rodopiavam com cada rajada de vento. - Dois surgem hoje para unir suas vidas, para que possam encarar a escuridão deste mundo juntos. Encha o coração deles com fogo, meu senhor, para que possam trilhar seu caminho brilhante de mãos dadas, para sempre.
- Senhor da Luz, nos proteja - gritou a Rainha Selyse. Outras vozes ecoaram a resposta. Os fiéis de Melisandre; senhoras pálidas, aias trêmulas, Sor Axell, Sor Narbert e Sor Lambert, homens em armas em cotas de malha de ferro e thenns em bronze, até mesmo alguns dos irmãos negros de Jon. - Senhor da Luz, abençoe seus filhos.
Melisandre estava de costas para a Muralha, em um lado da profunda vala onde o fogo queimava. O casal que se unia a encarava do outro lado do fosso. Atrás deles estava a rainha, com sua filha e o bobo tatuado. A Princesa Shireen estava enrolada em tantas peles que parecia redonda, respirando em nuvens brancas que atravessavam o cachecol que cobria a maior parte do seu rosto. Sor Axell Florent e os homens da rainha cercavam o pequeno grupo real.
Embora apenas alguns poucos homens da Patrulha da Noite estivessem reunidos perto da fogueira, muitos olhavam dos telhados, das janelas e dos degraus da grande escada em zigue-zague. Jon observou cuidadosamente quem estava ali e quem não estava. Alguns homens estavam em serviço; muitos, fora de seus turnos, dormiam. Mas outros resolveram se ausentar para mostrar desaprovação. Othell Yarwyck e Bowen Marsh estavam entre esses últimos. Septão Chayle saíra rapidamente do septo, segurando o cristal de sete lados pendurado no pescoço, apenas para entrar novamente quando as orações começaram.
Melisandre ergueu as mãos, e as chamas da fogueira se ergueram em direção aos seus dedos, como um grande cão pulando de alegria. Um redemoinho de faíscas se levantou para encontrar os flocos de neve que caíam.
- Oh, Senhor da Luz, nós o agradecemos - ela entoou para as chamas zangadas. - Agradecemos pelo bravo Stannis, por Sua Graça, nosso rei. Guie-o e defenda-o, R'hllor. Proteja-o das traições dos homens maus e garanta-lhe forças para ferir os servos da escuridão.
- Garanta-lhe forças - responderam a Rainha Selyse, seus cavaleiros e damas. - Garanta-lhe coragem. Garanta-lhe sabedoria.
Alys Karstark escorregou o braço pelo de Jon.
- Ainda falta muito, Lorde Snow? Se vou ser enterrada sob a neve, preferia morrer como uma mulher casada.
- Em breve, minha senhora - Jon lhe assegurou. - Em breve.
- Agradecemos pelo sol que nos aquece - cantou a rainha. - Agradecemos pelas estrelas que velam por nós na escuridão da noite. Agradecemos por nossas lareiras e por nossas tochas, que mantêm a escuridão selvagem afastada. Agradecemos por nossos espíritos brilhantes, pelo fogo em nossas costas e em nosso coração.
E Melisandre disse:
- Que se aproximem, os que vão se unir. - As chamas lançaram sua sombra na Muralha que estava atrás dela, e seu rubi brilhou contra a palidez de sua garganta.
Jon se virou para Alys Karstark.
- Minha senhora. Está pronta?
- Sim. Oh, sim.
- Não está com medo?
A garota sorriu de um jeito que lembrou tanto Jon de sua irmãzinha, que quase partiu seu coração.
- Deixe-o ficar com medo de mim. - Os flocos de neve derretiam em seu rosto, mas seu cabelo estava enrolado em uma espiral de rendas que Cetim encontrara em algum lugar, e a neve começara a se acumular ali, dando a ela uma coroa gelada. Suas bochechas estavam coradas e vermelhas, e seus olhos brilhavam.
- Senhora do inverno. - Jon apertou sua mão.
O Magnar de Thenn estava esperando ao lado do fogo, vestido como se fosse para batalha, em peles, couro e escamas de bronze, e com uma espada de bronze no quadril. As entradas no cabelo o faziam parecer mais velho do que realmente era, mas quando ele se virou para ver sua noiva se aproximando, Jon pôde ver o garoto nele. Seus olhos estavam arregalados como nozes, mas se era o fogo, a sacerdotisa ou a mulher que o amedrontava, Jon não saberia dizer. Alys estava mais certa do que imaginava.
- Quem traz esta mulher para se casar? - perguntou Melisandre.
- Eu trago - disse Jon. - Aqui está Alys da Casa Karstark, uma mulher crescida e florescida, nobre de sangue e nascimento. - Apertou a mão dela pela última vez, e subiram os degraus para se unirem aos demais.
- Quem vem adiante reivindicar esta mulher? - perguntou Melisandre.
- Eu. - Sigorn bateu no peito. - Magnar de Thenn.
- Sigorn - perguntou Melisandre - você partilhará seu fogo com Alys e a aquecerá quando a noite for escura e cheia de terrores?
- Juro. - A promessa do Magnar era uma nuvem branca no ar. A neve manchava seus ombros. As orelhas dele estavam vermelhas. - Pelas chamas do deus vermelho, vou aquecê-la todos os dias.
- Alys, você jura partilhar seu fogo com Sigorn e aquecê-lo quando a noite for escura e cheia de terrores?
- Até que seu sangue esteja fervendo. - Seu manto de donzela era de lã negra da Patrulha da Noite. O sol irradiante dos Karstark costurado nele era feito da mesma pele branca que o forrava.
Os olhos de Melisandre brilhavam tanto quanto o rubi em sua garganta.
- Então, venham até mim e sejam um só. - Quando acenou, uma parede de chamas se ergueu, rugindo, lambendo os flocos de neve com quentes línguas alaranjadas. Alys Karstark segurou a mão de seu Magnar.
Juntos, saltaram o fosso.
- Dois entram nas chamas. - Uma rajada de vento ergueu a saia escarlate da mulher, até que ela a baixou novamente. - Um sai. - Seu cabelo acobreado dançava em sua cabeça. - O que o fogo une, ninguém pode separar.
- O que o fogo une, ninguém pode separar - veio o eco dos homens da rainha, dos thenns e até de alguns irmãos negros.
Exceto reis e tios, pensou Jon Snow.
Cregan Karstark aparecera um dia depois de sua sobrinha. Com ele vieram quatro homens em armas montados, um caçador e uma matilha de cães, farejando a Senhora Alys como se fosse um veado. Jon Snow foi ao encontro deles na estrada do rei a menos de três quilômetros ao sul de Vila Toupeira, antes que chegassem a Castelo Negro, exigindo direitos de hóspedes ou pedindo uma conferência. Um dos homens de Karstark perdeu uma disputa de besta com Ty e morreu. Com isso, sobraram quatro e o próprio Cregan.
Felizmente, tinham uma dúzia de celas de gelo. Acomodações para todos. Como muitas outras coisas, a heráldica terminava na Muralha. Os Thenn não tinham brasão de família como era comum entre os nobres dos Sete Reinos, então Jon pediu aos intendentes que improvisassem. Achou que fizeram bem. O manto de noiva que Sigorn prendeu nos ombros da Senhora Alys mostrava um disco de bronze em um campo de lã branca, cercado de chamas feitas com tiras de seda carmesim. O eco do sol irradiante dos Karstark estava ali para quem se incomodasse em olhar, mas diferenciado para formar armas apropriadas para a Casa Thenn.
O Magnar praticamente arrancou o manto de donzela dos ombros de Alys, mas quando prendeu o manto de noiva sobre ela estava quase afetuoso. Ao se inclinar para beijá-la no rosto, suas respirações se misturaram. As chamas rugiram mais uma vez. Os homens da rainha começaram a cantar uma música de louvor.
- Está feito? - Jon ouviu Cetim murmurar.
- Feito e acabado - resmungou Mully - e ainda bem. Eles estão casados e eu estou semi congelado. - Estava agasalhado com suas melhores roupas negras, lãs tão novas que dificilmente tiveram a chance de desbotar, mas o vento tornara suas bochechas tão vermelhas quanto seus cabelos. - Hobb esquentou um vinho com canela e cravo. Isso vai nos aquecer um pouco.
- O que é cravo? - perguntou Owen Idiota.
A neve começara a cair mais pesada, e o fogo no fosso tremeluzia. As pessoas começaram a se dispersar e a deixar o pátio, tanto homens da rainha quanto homens do rei e povo livre, todos ansiosos para sair do vento e do frio.
- Meu senhor vai se banquetear conosco? - Mully perguntou para Jon Snow.
- Em breve. - Sigorn poderia tomar como uma desfeita se ele não aparecesse. E este casamento é trabalho meu, no final das contas. - Tenho outros assuntos para resolver antes, no entanto.
Jon foi até a Rainha Selyse, com Fantasma ao seu lado. Suas botas trituravam pilhas de neve antiga. Estava tomando mais e mais tempo limpar os caminhos de um prédio para o outro com pás; cada vez mais, os homens recorriam às passagens subterrâneas chamadas caminhos de minhocas.
- ... que belo ritual - a rainha estava dizendo. - Eu podia sentir o olhar ardente de nosso Senhor sobre nós. Oh, você não sabe quantas vezes implorei para Stannis que nos casássemos novamente, uma união verdadeira de corpo e espírito, abençoada pelo Senhor da Luz. Sei que eu daria mais filhos à Sua Graça se estivéssemos unidos pelo fogo.
Para dar mais filhos para ele, primeiro você precisaria consegui-lo em sua cama. Mesmo na Muralha, era de conhecimento geral que Stannis Baratheon evitava sua mulher havia anos. Era possível imaginar como Sua Graça teria respondido à ideia de um segundo casamento, em meio à guerra.
Jon fez uma reverência.
- Se for do agrado de Vossa Graça, o banquete a espera.
A rainha olhou para Fantasma com suspeita, então ergueu a cabeça para Jon.
- É claro. A Senhora Melisandre conhece o caminho.
A sacerdotisa vermelha respondeu:
- Preciso cuidar do meu fogo, Vossa Graça. Talvez R'hllor me conceda um vislumbre de Sua Graça. Quem sabe um vislumbre de alguma grande vitória.
- Oh. - A Rainha Selyse parecia chocada. - É claro... vamos rezar por uma visão de nosso Senhor...
- Cetim, mostre o caminho para Sua Graça - falou Jon.
Sor Malegorn se adiantou.
- Eu escoltarei Sua Graça até o banquete. Não precisaremos de seu ... intendente. - O jeito com que o homem pronunciou a última palavra indicou para Jon que ele considerou dizer outra coisa. Garoto? Animal de estimação? Puta?
Jon fez outra reverência.
- Como quiser. Eu me juntarei a vocês em breve.
Sor Malegorn ofereceu seu braço e a Rainha Selyse o tomou, empertigada. Sua outra mão estava sobre o ombro da filha. Os patinhos reais seguiram atrás deles enquanto cruzaram o pátio, marchando ao som da música dos guizos do chapéu do bobo.
- Embaixo do mar o tritão se banqueteia com uma sopa de estrelas-do-mar, e todos os serventes são caranguejos - Cara-Malhada proclamou enquanto seguiam. - Eu sei, eu sei, oh, oh, oh.
O rosto de Melisandre ficou sombrio.
- Essa criatura é perigosa. Muitas vezes o vislumbrei em minhas chamas. Algumas vezes há crânios em torno dele, e os lábios estão vermelhos de sangue.
Incrível que você ainda não tenha queimado o pobre homem. Uma palavra nos ouvidos da rainha e Cara-Malhada alimentaria o fogo da sacerdotisa.
- Você vê bobos em suas chamas, mas nenhum indício de Stannis?
- Quando procuro por ele, tudo o que vejo é neve.
A mesma resposta inútil. Clydas enviara um corvo para Bosque Profundo, para avisar o rei da traição de Arnolf Karstark, mas se a ave alcançara o Rei Stannis a tempo, Jon não sabia. O banqueiro bravosi havia partido em busca de Stannis também, acompanhado pelos guias que Jon lhe dera, mas entre a guerra e o clima, seria um milagre se o encontrasse.
- Sabe se o rei está morto? - Jon perguntou para a sacerdotisa vermelha.
- Ele não está morto. Stannis é o escolhido do Senhor, destinado a liderar a luta contra a escuridão. Vi isso em minhas chamas, li nas antigas profecias. Quando a estrela vermelha sangrar e as trevas aumentarem, Azor Ahai renascerá entre fumaça e sal para despertar os dragões da pedra. Pedra do Dragão é o lugar de fumaça e sal.
Jon já ouvira tudo isso antes.
- Stannis Baratheon era o Senhor de Pedra do Dragão, mas não nasceu ali. Nasceu em Ponta Tempestade, como seus irmãos. - Franziu o cenho. - E Mance? Está perdido também? O que suas chamas mostram?
- A mesma coisa, temo. Apenas neve.
Neve. Estava nevando muito para o sul, Jon sabia. A dois dias de cavalgada dali, dizia-se que a estrada do rei era intransitável. Melisandre sabe disso também. E, a leste, uma tempestade selvagem grassava na Baía das Focas. Segundo o último relato, a frota maltrapilha que reuniram para resgatar o povo livre em Durolar ainda estava amontoada em Atalaialeste do Mar, confinada no porto pelo mar agitado.
- Você está vendo cinzas dançando ao vento.
- Estou vendo crânios. E você. Vejo seu rosto todas as vezes que olho para as chamas. O perigo sobre o qual lhe avisei está muito perto agora.
- Adagas na escuridão. Sei. Vai perdoar minhas dúvidas, minha senhora. Uma garota cinzenta em um cavalo moribundo, fugindo de um casamento, foi isso o que me disse.
- Eu não estava errada.
- Não estava certa. Alys não é Arya.
- A visão era verdadeira. Minha leitura foi equivocada. Sou tão mortal quanto você, Jon Snow. Todos os mortais erram.
- Até mesmo senhores comandantes. - Mance Rayder e suas esposas de lança não haviam retornado, e Jon não podia deixar de se perguntar se a mulher vermelha mentira com algum propósito. Ela está jogando seu próprio jogo?
- Você faria bem em manter seu lobo por perto, meu senhor.
- Fantasma raramente está longe. - O lobo gigante levantou a cabeça ao som de seu nome. Jon coçou-o atrás das orelhas. - Mas agora deve me dar licença. Fantasma, comigo.
Escavadas na base da Muralha e fechadas com pesadas portas de madeira, as celas de gelo variavam de pequenas a ainda menores. Algumas eram grandes o bastante para permitir que um homem andasse, outras tão pequenas que os prisioneiros eram obrigados a ficar sentados; as menores eram apertadas demais para permitir até mesmo isso.
Jon dera ao seu prisioneiro principal a cela maior, um balde para suas necessidades fisiológicas, peles suficientes para impedi-lo de congelar e um odre de vinho. Os guardas levaram algum tempo para abrir a cela, uma vez que o gelo se formara dentro da fechadura. As dobradiças enferrujadas gritaram como almas penadas quando Wick Whittlestick abriu a porta o suficiente para que Jon passasse por ela. Um leve odor fecal o saudou, embora menos avassalador do que esperara. Até a merda congela neste frio implacável. Jon Snow podia ver vagamente seu próprio reflexo nas paredes congeladas.
Em um dos cantos da cela, um monte de peles estava empilhado até quase a altura de um homem.
- Karstark - disse Jon Snow. - Levante-se.
As peles se moveram. Algumas estavam congeladas juntas, e a geada que as cobria brilhou quando se mexeram. Um braço apareceu, depois um rosto; cabelo castanho, encaracolado, emaranhados e rajados de cinza, dois olhos ferozes, um nariz, uma boca, uma barba. O gelo endurecera o bigode do prisioneiro; o ranho se congelara em pedaços.
- Snow. - Sua respiração soltava vapor no ar, formando névoas no gelo atrás de sua cabeça. - Você não tem o direito de me prender. As leis da hospitalidade...
- Você não é meu convidado. Veio para a Muralha sem minha permissão, armado, para levar sua sobrinha contra a vontade dela. À Senhora Alys foram dados pão e sal. Ela é uma hóspede. Você é um prisioneiro. - Jon deixou aquilo no ar por um momento, então disse - Sua sobrinha está casada.
Os lábios de Cregan Karstark se estiraram sobre os dentes.
- Alys estava prometida para mim. - Embora passasse dos cinquenta anos, era um homem forte quando entrou na cela. O frio roubara aquela força e o deixara enrijecido e fraco. - O senhor meu pai ...
- Seu pai é um castelão, não um senhor. E um castelão não tem direito de fazer pactos matrimoniais.
- Meu pai Arnolf é Senhor de Karhold.
- Um filho vem antes de um tio, segundo todas as leis que conheço.
Cregan ficou em pé e chutou para o lado as peles que se agarravam aos seus tornozelos.
- Harrion está morto.
Ou estará em breve.
- Uma filha vem antes de um tio, também. Se o irmão dela está morto, Karhold pertence à Senhora Alys. E ela deu sua mão em casamento a Sigorn, Magnar de Thenn.
- Um selvagem. Um selvagem imundo e assassino. - As mãos de Cregan se fecharam. As luvas que as cobriam eram de couro, forradas com peles para combinar com o manto que pendia emaranhado e enrijecido de seus ombros. Sua túnica de lã negra estava estampada com o sol branco irradiante de sua casa. - Sei o que você é Snow. Meio lobo e meio selvagem, filho ilegítimo de um traidor e uma puta. Você entregaria uma donzela de alto nascimento para ser deflorada por um selvagem fedorento. Você a experimentou primeiro? - Ele riu. - Se pretende me matar, faça isso e será amaldiçoado como assassino de parentes. Stark e Karstark são um só sangue.
- Meu nome é Snow.
- Bastardo.
- Culpado. Disso, pelo menos.
- Deixe esse Magnar ir até Karhold. Cortaremos sua cabeça e a transformaremos em latrina, para que possamos mijar em sua boca.
- Sigorn comanda duzentos thenns - Jon assinalou - e a Senhora Alys acredita que Karhold abrirá os portões para ela. Dois de seus homens já lhe juraram serviço e confirmaram tudo o que ela disse a respeito dos planos que seu pai fez com Ramsay Snow. Você tem parentes próximos em Karhold, me falaram. Uma palavra sua pode salvar a vida deles. Renda o castelo. A Senhora Alys perdoará as mulheres que a traíram e permitirá que os homens vistam o negro.
Cregan balançou a cabeça. Pedaços de gelo haviam se formado em seus cabelos emaranhados e tilintaram suavemente quando ele se moveu.
-Nunca - disse. - Nunca, nunca, nunca.
Eu deveria fazer da cabeça dele um presente de casamento para a Senhora Alys e seu Magnar, Jon pensou, mas não correria o risco. A Patrulha da Noite não tomava parte nas disputas do reino; alguns poderiam dizer que ele já dera muita ajuda a Stannis. Corto a cabeça deste tolo, e vão afirmar que matei um nortenho para dar suas terras a selvagens. Liberto-o, e ele fará o melhor possível para destruir tudo o que fiz com a Senhora Alys e o Magnar. Jon se perguntou o que seu pai faria, ou como seu tio lidaria com isto. Mas Eddard Stark estava morto, e Benjen Stark perdido nos confins gelados para lá da Muralha. Você não sabe nada, Jon Snow.
- Nunca é um longo tempo - disse Jon. - Você pode pensar diferente amanhã, ou daqui a um ano. Além disso, cedo ou tarde, o Rei Stannis retornará para a Muralha. Quando isso acontecer, ele vai condená-lo à morte ... a menos que você esteja usando um manto negro. Quando um homem veste o negro, seus crimes são varridos. - Mesmo os de homens como você. - Agora, deve me desculpar. Tenho um banquete para participar.
Depois do frio cortante das celas de gelo, a adega lotada estava tão quente que Jon se sentiu sufocar desde o momento em que desceu os degraus. O ar cheirava a fumaça, carne assada e vinho quente com especiarias. Axell Florem estava fazendo um brinde quando Jou tomou seu lugar no estrado.
- Ao Rei Stannis e sua esposa, a Rainha Sclyse, Luz do Norte! - Sor Axell retumbou. - A R'hllor, o Senhor da Luz, que ele nos defenda! Uma terra, um deus, um rei!
- Uma terra, um deus, um rei! - os homens da rainha ecoaram.
Jon bebeu com os outros. Se Alys Karstark encontraria alguma alegria em seu casamento, ele não sabia dizer, mas esta noite, ao menos, seria de celebração.
Os intendentes começaram a trazer o primeiro prato, um caldo de cebola aromatizado com pedaços de cabra e de cenoura. Não era exatamente uma comida real, mas era nutritiva; tinha um gosto bom e aquecia a barriga. Owen Idiota pegou seu violino, e muitos do povo livre se juntaram a ele com flautas e tambores. As mesmas flautas e tambores que soavam durante o ataque de Mance Rayder à Muralha. Jon pensou que pareciam mais doces agora. Com o caldo vieram travessas de grossos pães pretos, ainda quentes do forno. Sal e manteiga estavam sobre as mesas. A visão daquilo fez Jon ficar sombrio. Estavam bem providos de sal, Bowen Marsh lhe dissera, mas o pouco de manteiga que tinham acabaria antes da próxima lua.
O Velho Flint e O Norrey tinham lugares de grande honra logo abaixo do estrado. Ambos eram velhos demais para marchar com Stannis; haviam mandado filhos e netos em seus lugares. Mas ambos haviam sido rápidos o suficiente para descer até o Castelo Negro para o casamento. Cada um trouxera uma ama de leite para a Muralha, também. A mulher Norrey estava na casa dos quarenta, e tinha os maiores peitos que Jon já vira. A garota Flint tinha catorze anos e o peito achatado como um rapaz, mas não tinha falta de leite. Entre as duas, a criança que Val chamara de Monstro parecia estar prosperando.
Por isso Jon estava grato ... mas não acreditara nem por um momento que esses dois veneráveis velhos guerreiros desceriam correndo das montanhas sozinhos. Cada um viera com uma cauda de guerreiros - cinco para o Velho Flint, doze para O Norrey, todos vestidos em peles esfarrapadas e couro cravejado, temíveis como a face do inverno. Alguns tinham longas barbas, alguns tinham cicatrizes, alguns tinham ambos; todos veneravam os antigos deuses do Norte, os mesmos deuses venerados pelo povo livre para lá da Muralha. No entanto, eles se sentaram, bebendo por um casamento santificado por algum estranho deus vermelho de além-mar.
Melhor isso do que se recusar a beber. Nem os Flint nem os Norrey haviam virado suas taças para derramar o vinho no chão. Isso poderia indicar certa aceitação. Ou talvez simplesmente odeiem desperdiçar um bom vinho sulista. Não dá para provar muito disso naquelas montanhas rochosas deles.
Entre os pratos, Sor Axell Florent levou a Rainha Selyse para a pista de dança. Outros os seguiram; primeiro os cavaleiros da rainha, acompanhado de suas damas de companhia. Sor Brus dançou primeiro com a Princesa Shireen, depois dirigiu-se à mãe dela. Sor Narbert, por sua vez, dançou com cada uma das damas de companhia de Selyse.
Os homens da rainha superavam as damas da rainha em número na proporção de três para um, então até a mais humilde das servas era pressionada a dançar. Depois de poucas músicas, alguns irmãos negros se lembraram de habilidades aprendidas nas cortes e nos castelos de suas juventudes, antes que seus pecados os enviassem para a Muralha, e foram para a pista também. O velho ladino Ulmer da Mata de Rei provou-se tão competente na dança quanto era no arco e flecha, sem dúvida regalando suas parceiras com suas histórias da Irmandade da Mata de Rei, quando cavalgou com Simon Toyne e Ben Barrigudo e ajudou Wenda, a Cerva Branca, a queimar sua marca nos traseiros dos cativos bem-nascidos. Cetim era todo gracioso, dançando com três servas, mas sem tentar se aproximar de uma senhora nobre. Jon julgou aquilo sábio. Não gostava do jeito que alguns dos homens da rainha estavam olhando para o intendente, particularmente Sor Patrek da Montanha do Rei. Aquele ali quer espalhar um pouco de sangue, pensou. Está procurando alguma provocação.
Quando Owen Idiota começou a dançar com Cara-Malhada, o bobo, as risadas ecoaram pelo teto abobadado. A visão fez a Senhora Alys sorrir.
- Vocês dançam com frequência no Castelo Negro?
- Todas as vezes que temos um casamento, minha senhora.
- Você podia dançar comigo agora, sabe disso. Seria apenas cortês. Você dançou comigo brevemente.
- Brevemente? - provocou Jon.
- Quando éramos crianças. - Ela arrancou um pedaço do pão e jogou nele. - Você sabe muito bem.
- Minha senhora devia dançar com seu marido.
- Meu Magnar não é muito de dançar, temo. Se não vai dançar comigo, pelo menos me sirva um pouco de vinho quente.
- Às suas ordens. - Fez um sinal pedindo um jarro.
- Então - disse Alys, enquanto Jon a servia - agora sou uma mulher casada. Um marido selvagem com seu pequeno exército selvagem.
- Povo livre é como eles se chamam. A maioria, pelo menos. Os thenns são um povo à parte, no entanto. Muito antigo. - Ygritte lhe contara aquilo. Você não sabe nada, Jon Snow. - Vieram de um vale escondido no extremo norte dos Colmilhos de Gelo, cercados por altos picos, e por milhares de anos tiveram mais comércio com os gigantes do que com outros homens. Isso os faz diferentes.
- Diferentes - ela disse - mas mais como nós.
- Sim, minha senhora. Os thenns têm senhores e leis. - Eles sabem como se ajoelhar. - Têm minas de estanho e cobre para fazer bronze e forjam suas próprias armas e armaduras em vez de roubá-las. Um povo orgulhoso e corajoso. Mance Rayder teve que derrotar o antigo Magnar três vezes antes que Styr o aceitasse como Rei-para-lá-da-Muralha.
- E agora estão aqui, do nosso lado da Muralha. Expulsos de sua residência na montanha e dentro do meu quarto de dormir. - Ela deu um sorriso irônico. - É tudo minha culpa. O senhor meu pai me disse para jogar charme sobre seu irmão Robb, mas eu só tinha seis anos e não sabia como fazer isso.
Sim, mas agora você tem quase dezesseis, e temos que rezar para que saiba como jogar charme sobre seu novo marido.
- Minha senhora, como está a situação dos estoques de comida em Karhold?
- Não muito bem. - Alys suspirou. - Meu pai levou tantos dos nossos homens para o Sul que apenas as mulheres e os meninos foram deixados para fazer a colheita. Eles e os homens muito velhos ou aleijados que não podiam ir para a guerra. As plantações murcharam nos campos ou foram transformadas em lama pelas chuvas de outono. E, agora, as neves chegaram. Este inverno será difícil. Poucos dos nossos velhos sobreviverão, e muitas crianças vão perecer também.
Era uma história que qualquer nortenho conhecia bem.
- A avó do meu pai era uma Flint das montanhas, pelo lado materno - Jon contou para ela. - Os Primeiros Flint, eles se chamavam. Diziam que os outros Flint eram o sangue dos filhos mais jovens, que tiveram que deixar as montanhas para encontrar comida, terras e esposas. A vida sempre foi dura lá em cima. Quando as neves caem e a comida fica escassa, os jovens devem viajar para as cidades de inverno ou ficar a serviço em um castelo ou outro. Os velhos reúnem as forças que lhes restam e anunciam que vão caçar. Alguns são encontrados quando a primavera chega. Muitos nunca mais são vistos.
- É a mesma coisa em Karhold.
Aquilo não o surpreendia.
- Quando seus estoques começarem a minguar, minha senhora, lembre-se de nós. Envie seus velhos para a Muralha, deixe-os dizerem nossas palavras. Aqui, pelo menos, não morrerão sozinhos na neve, apenas com memórias para aquecê-los. Envie-nos os meninos também, se tem meninos de sobra.
- Como quiser. - Ela tocou a mão dele. - Karhold se lembra.
O alce estava sendo cortado. Cheirava melhor do que Jon jamais poderia esperar. Enviou uma porção para Couros, na Torre de Hardin, juntamente com três grandes travessas de vegetais assados para Wun Wun, e então comeu ele próprio uma fatia generosa. Hobb Três-Dedos se saiu bem. Aquilo havia sido uma preocupação. Hobb viera até ele, duas noites atrás, para reclamar que se juntara à Patrulha da Noite para matar selvagens, não para cozinhar para eles.
- Além disso, nunca fiz um banquete de casamento, 'nhor. Irmãos negros nunca tomam esposas. Está nos malditos votos, eu jurei eles.
Jon estava empurrando o assado para baixo com um gole de vinho quente, quando Clydas surgiu ao lado do seu cotovelo.
- Uma ave - anunciou, e deslizou um pergaminho para a mão de Jon. O bilhete estava selado com um ponto de cera negra endurecida. Atalaialeste, Jon soube, antes mesmo de quebrar o selo. A carta fora escrita por Meistre Harmune; Cotter Pyke não sabia ler nem escrever. Mas as palavras eram de Pyke, colocadas como ele as dissera, francas e direto ao ponto.
Mar calmo hoje. Onze navios partiram para Durolar na maré da manhã. Três bravosis, quatro lisenos, quatro dos nossos. Dois dos lisenos navegam mal. Podemos afogar mais selvagens do que salvá-los. Você ordena. Vinte corvos a bordo, e Meistre Harmune. Mandaremos notícias. Eu comando o Garra, o Farrapo Salgado auxilia no Melro, e Sor Glendon comanda Atalaialeste.
- Asas escuras, palavras escuras? - perguntou Alys Karstark.
- Não, minha senhora. Essas notícias eram há muito esperadas. - Embora a última parte me preocupe. Glendon Hewett era um homem experiente e forte, uma escolha sensata para comandar na ausência de Cotter Pyke. Mas era também tão amigo quanto Alliser Thome podia se gabar, e tivera certo compadrio com Janos Slynt, embora breve. Jon ainda podia se lembrar de como Hewett o arrastara de sua cama, e sentir sua bota acertando suas costelas. Não é o homem que eu teria escolhido. Enrolou o pergaminho e o colocou no cinto.
O prato de peixe era o seguinte, mas enquanto o lúcio era desossado, a Senhora Alys arrastou o Magnar para a pista. Do jeito que se movia, era claro que Sigorn nunca dançara antes, mas bebera vinho quente suficiente, então isso não parecia incomodá-lo.
- Uma donzela nortenha e um guerreiro selvagem, unidos pelo Senhor da Luz. - Sor Axell Florent deslizou para o assento vazio da Senhora Alys. - Sua Graça aprova. Estou próximo dela, meu senhor, então sei o que pensa. O Rei Stannis aprovará também.
A menos que Roose Bolton tenha enfiado a cabeça dele em um espeto.
- Nem todos concordam, infelizmente. - A barba de Sor Axell era uma moita irregular sob o queixo flácido; pelos brotavam das orelhas e do nariz. - Sor Patrek acha que ele teria sido um partido melhor para a Senhora Alys. Perdeu suas terras quando veio para o Norte.
- Há muitos neste salão que perderam muito mais do que isso – falou Jon - e muitos mais que deram suas vidas a serviço do reino. Sor Patrek pode se considerar afortunado.
Axell Florent sorriu.
- O rei teria dito o mesmo se estivesse aqui. Mesmo assim, alguma provisão deve ser feita para os leais cavaleiros de Sua Graça, não é verdade? Eles o seguiram tão longe e a um alto custo. E temos que unir esses selvagens ao rei e ao reino. Este casamento é um bom primeiro passo, mas sei que agradaria à rainha ver a princesa selvagem casada também.
Jon suspirou. Estava cansado de explicar que Val não era uma princesa verdadeira. Não importava quantas vezes falasse, nunca pareciam ouvir.
- Você é persistente, Sor Axell, posso garantir isso.
- Você me culpa, meu senhor? Tal prêmio não é facilmente conquistado. Uma menina em idade de casar, ouvi dizer, e não difícil de ser olhada. Bons quadris, bons seios, bem feita para parir crianças.
- E quem vai gerar essas crianças? Sor Patrek? Você?
- Quem melhor? Nós, Florent, temos o sangue dos antigos reis Gardener em nossas veias. A Senhora Melisandre pode executar os rituais, como fez para a Senhora Alys e o Magnar.
- Tudo o que você precisa é de uma noiva.
- Facilmente remediado. - O sorriso de Florent era tão falso que parecia pintado. - Onde está ela, Lorde Snow? Você a mandou para um de seus outros castelos? Guardagris ou Torre Sombria? Para a Toca das Putas, com as outras meretrizes? - Ele se inclinou para mais perto. - Alguns dizem que você a escondeu para seu próprio prazer. Não me importa, desde que ela não esteja grávida. Farei meus próprios filhos nela. Se você a montou ... bem, somos ambos homens do mundo, não somos?
Jon já ouvira o suficiente.
- Sor Axell, se você é realmente a Mão da Rainha, tenho pena de Sua Graça.
O rosto de Florent ficou vermelho de raiva.
- Então é verdade. Você pretende mantê-la para si, vejo isso agora. O bastardo quer o assento de seu pai.
O bastardo recusou o assento de seu pai. Se o bastardo quisesse Val, tudo o que tinha que fazer era pedir por ela.
- Deve me desculpar, sor - disse. - Preciso de um pouco de ar fresco. - Aqui fede. Virou a cabeça. - Isso foi um berrante.
Outros haviam ouvido também. A música e as risadas pararam imediatamente. Os dançarinos congelaram em seus lugares, ouvindo. Até Fantasma levantou as orelhas.
- Ouviram isso? - a Rainha Selyse perguntou para seus cavaleiros.
- Um corno de guerra, Vossa Graça - disse Sor Narbert.
A rainha levou a mão à garganta.
- Estamos sob ataque?
- Não, Vossa Graça - disse Ulmer da Mata de Rei. - São os vigias na Muralha, é tudo.
Um sopro, pensou Jon Snow. Patrulheiros retornando.
Então veio novamente. O som pareceu encher a adega.
- Dois sopros - disse MulIy.
Irmãos negros, nortenhos, povo livre, thenns, homens da rainha, todos ficaram em silêncio, ouvindo. Cinco segundos se passaram. Dez. Vinte. Então Owen Idiota deu um risinho, e Jon Snow pôde respirar novamente.
- Dois sopros - anunciou. - Selvagens. - Val.
Tormund Terror dos Gigantes chegara finalmente. 

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