quarta-feira, 2 de outubro de 2013

50 - DAENERYS


O salão ressoava com risos yunkaítas, canções yunkaítas, orações yunkaítas. Dançarinos bailavam; músicos tocavam estranhas melodias com sinos, apitos e gaitas de fole; cantores entoavam antigas canções de amor na língua incompreensível da Antiga Ghis. O vinho fluía; não aquela coisa pálida da Baía dos Escravos, mas as deliciosas safras doces da Árvore e o vinho dos sonhos de Qarth, aromatizado com estranhas especiarias. Os yunkaítas haviam vindo a convite do Rei Hizdahr, para assinar a paz e testemunhar o renascimento das famosas arenas de luta de Meereen. O nobre marido de Dany abrira a Grande Pirâmide para festejá-los.
Odeio isso pensou Daenerys Targaryen. Como isso aconteceu, eu aqui bebendo e sorrindo com homens que antes esfolaria?
Uma dúzia de tipos de carnes e peixes era servida; camelo, crocodilo, lulas, patos laqueados e lagartas espinhosas, além de cabra, presunto e cavalo para aqueles cujo paladar era menos exótico. E também cachorro. Nenhum banquete ghiscari estava completo sem um prato de carne de cachorro.
- Os ghiscaris comerão qualquer coisa que nade, voe ou rasteje, exceto homens e dragões - Daario a avisara - e eu aposto que comeriam dragão também, se tivessem meia chance.
Mas carne sozinha não fazia uma refeição, então também eram servidos frutas, grãos e vegetais. O ar estava impregnado com o cheiro de açafrão, canela, cravo, pimenta e outras especiarias caras.
Dany mal tocara na comida. Isso é paz, disse para si mesma. Era o que eu queria, pelo que trabalhei, o motivo pelo qual me casei com Hizdahr. Então por que tem gosto de derrota?
- É só por mais um tempo, meu amor - Hizdahr lhe assegurara. - Os yunkaítas logo terão partido, e seus aliados e mercenários irão com eles. Teremos tudo o que desejamos. Paz, comida, comércio. Nosso porto está aberto novamente, e os navios têm permissão para ir e vir.
- Estão permitindo, sim - ela respondera - mas os navios de guerra permanecem. Podem fechar os dedos ao redor de nossa garganta quando desejarem. Abriram um mercado de escravos à vista das minhas muralhas!
- Do lado de fora de nossas muralhas, doce rainha. Essa era a condição da paz, que Yunkai podia negociar livremente os escravos como antes, sem serem molestados.
- Em sua própria cidade. Não onde eu tenha que ver isso. - Os Sábios Mestres haviam montado os cercados de escravos e os lotes de leilão ao sul do Skahazadhan, onde o largo rio marrom Ruía para a Baía dos Escravos. - Estão zombando da minha cara, fazendo um espetáculo para mostrar o quão impotente sou para detê-los.
- Caras e bocas - disse seu nobre marido. - Um espetáculo, como você mesma disse. Deixe-os ter sua pantomima. Quando partirem, faremos um mercado de frutas com o que deixarem para trás.
- Quando partirem - Dany repetiu. - E quando partirão? Cavaleiros foram vistos além do Skahazadhan. Batedores dothrakis, Rakharo diz, com um khalasar atrás deles. Eles terão cativos. Homens, mulheres e crianças, presentes para os mercadores de escravos. - Os dothrakis não compravam ou vendiam, mas davam e recebiam presentes. - É por isso que os yunkaítas fizeram esse mercado. Partirão com milhares de novos escravos.
Hizdahr zo Loraq deu de ombros.
- Mas partirão. Essa é a parte importante, meu amor. Yunkai vai negociar escravos, Meereen não, foi o que concordamos. Aguente isso um pouco mais, e passará.
Então Daenerys ficou em silêncio durante a refeição, envolta em um tokar escarlate e em pensamentos sombrios, falando apenas quando se dirigiam a ela, meditando sobre os homens e mulheres que estavam sendo comprados e vendidos do lado de fora de suas muralhas, enquanto eles se banqueteavam do lado de dentro da cidade. Deixou seu nobre marido fazer os discursos e rir das fracas piadas yunkaítas. Esse era um direito de rei e um dever de rei.
Muito da conversa na mesa girava em torno das lutas que seriam disputadas no dia seguinte. Barsena Cabelo Negro iria encarar um javali, as presas do animal contra as adagas da mulher. Khrazz lutaria, assim como Gato Malhado. E, no combate final do dia, Goghor, o Gigante, enfrentaria Belaquo Quebra-Osso. Um deles estaria morto antes do pôr do sol. Nenhuma rainha tem as mãos limpas, Dany disse para si mesma. Pensou em Doreah, em Quaro, em Eroeh ... e na garotinha que nunca conhecera, cujo nome era Hazzea. Melhor alguns morrendo na arena do que milhares nos portões. Este é o preço da paz, e pago de bom grado. Se olhar para trás, estou perdida.
O Supremo Comandante yunkaíta, Yurkhaz zo Yunzak, já devia ter nascido quando da Conquista de Aegon, a julgar por sua aparência. Encurvado, enrugado e sem dentes, foi levado para a mesa por dois escravos robustos. Os outros senhores yunkaítas dificilmente eram mais impressionantes. Um era pequeno e atrofiado, embora os soldados-escravos que o cercassem fossem grotescamente altos e magros. O terceiro era jovem, em boa forma e impetuoso, mas tão bêbado que Dany mal podia entender uma palavra do que dizia. Como pude ter sido trazida até aqui por criaturas como essas?
Os mercenários eram diferentes. Cada uma das quatro companhias livres servindo os yunkaítas enviara seu comandante. Os Soprados pelo Vento eram representados pelo pentoshi conhecido como Príncipe Esfarrapado, as Longas Lanças por Gylo Rhegan, que parecia mais um sapateiro do que um soldado e que falava sussurrando. Barbassangrenta, da Companhia do Gato, fazia barulho suficiente por ele e mais uma dúzia. Um homem imenso, com uma grande barba e um apetite prodigioso por vinhos e mulheres, gritava, arrotava, peidava como um trovão e beliscava cada serva que estava ao seu alcance. De tempos em tempos, puxava uma para seu colo, para apertar seus seios e acariciá-la entre as pernas.
Os Segundos Filhos estavam representados também. Se Daario estivesse aqui, esta refeição terminaria em sangue. Nenhuma paz prometida teria persuadido seu capitão a permitir que Ben Mulato Plumm entrasse novamente em Meereen e saísse vivo. Dany jurara que nenhum mal seria feito aos sete enviados e comandantes, mas isso não fora o suficiente para os yunkaítas. Eles haviam exigido reféns dela também. Para equilibrar os três yunkaítas nobres e os quatro capitães mercenários, Meereen enviara sete dos seus para o acampamento do cerco; a irmã de Hizdahr, dois de seus primos, o companheiro de sangue de Dany, Jhogo, seu almirante Groleo, o capitão dos Imaculados, Hero, e Daario Naharis.
- Deixarei minhas garotas com você - O capitão dela dissera, entregando-lhe seu cinturão da espada e suas mulheres douradas. - Mantenha-as a salvo para mim, amada. Não as queremos fazendo travessuras sangrentas entre os yunkaítas.
O Cabeça-Raspada estava ausente também. A primeira coisa que Hizdahr fizera ao ser coroado fora tirar o Cabeça-Raspada do comando das Bestas de Bronze, substituindo-o por seu próprio primo, o gordo e pálido Marghaz zo Loraq. Foi melhor assim. A Graça Verde disse que havia sangue entre Loraq e Kandaq, e o Cabeça-Raspada nunca fez segredo de seu desdém pelo senhor meu marido. E Daario ...
Daario ficara mais selvagem desde o casamento dela. A paz não o agradava, o casamento o agradava menos ainda, e ficara furioso por ter sido enganado pelos dornenses. Quando o Príncipe Quentyn contara que os outros westerosis haviam se juntado aos Corvos Tormentosos sob o comando do Príncipe Esfarrapado, apenas a intervenção de Verme Cinzento e seus Imaculados impediram Daario de matar todos eles. Os falsos desertores haviam sido presos em segurança nas entranhas da pirâmide... mas a fúria de Daario continuava a ulcerar.
Ele estará mais seguro como refém. Meu capitão não foi feito para a paz. Dany não podia correr o risco de ele cortar Ben Mulato Plumm, zombando de Hizdahr diante da corte, provocando os yunkaítas ou perturbando o acordo pelo qual ela abrira mão de tanta coisa para conseguir. Daario era guerra e angústia. Daí em diante, devia mantê-lo fora de sua cama, fora de seu coração e fora dela. Se ele não a traísse, podia dominá-la. Ela não sabia qual das opções temia mais.
Quando a comilança acabou e todos os restos de comida foram recolhidos - e dados aos pobres que se reuniam do lado de fora, por insistência da rainha - altas taças de vidro foram cheias com um licor temperado de Qarth tão escuro quanto âmbar. Então começou a diversão.
Uma trupe de castrati yunkaíta, de propriedade de Yurkhaz zo Yunzak cantou canções na língua do Antigo Império, suas vozes altas, doces e incrivelmente puras.
- Já ouviu tal cantar, meu amor? - Hizdahr perguntou para ela. - Eles têm as vozes dos deuses, não têm?
- Sim - ela respondeu - mas me pergunto se não teriam preferido possuir as frutas dos homens.
Todos os artistas eram escravos. Aquilo era parte da paz, que os donos de escravos teriam o direito de levar seus bens para Meereen sem medo de que fossem libertados. Em troca, os yunkaítas haviam prometido respeitar os direitos e liberdades dos ex-escravos que Dany libertara. Uma barganha justa, Hizdahr dissera, mas o gosto deixado na boca da rainha era desagradável. Ela bebeu outra taça de vinho para lavá-lo.
- Se for do seu agrado, Yurkhaz ficará feliz em nos dar os cantores, não tenho dúvidas - seu nobre marido dissera. - Um presente para selar nossa paz, um enfeite para nossa corte.
Ele nos dará estes castrati, Dany pensou, então irá para casa e fará outros. O mundo está cheio de meninos.
Os acrobatas que vieram em seguida tampouco conseguiram diverti-la, nem quando formaram uma pirâmide humana de nove níveis, com uma garota nua no topo. Isso pretende representar minha pirâmide? A rainha se perguntou. A garota no topo pretende ser eu?
Depois, o senhor seu marido levou os convidados até o terraço inferior, para que os visitantes da Cidade Amarela pudessem contemplar Meereen à noite. Taças de vinho na mão, os yunkaítas andavam pelo jardim em pequenos grupos, entre limoeiros e flores noturnas, e Dany se viu face a face com Ben Mulato Plumm.
Ele se curvou.
- Venerada. Está adorável. Bem, sempre esteve. Nenhum dos yunkaítas tem metade da sua beleza. Pensei em trazer um presente de casamento para você, mas o lance foi alto demais para o velho Ben Mulato.
- Não quero presentes de você.
- Este você iria querer. A cabeça de um antigo inimigo.
- A sua? - ela disse, docemente. - Você me traiu.
- É uma maneira dura de colocar a questão, se me permite dizer. - Ben Mulato coçou o bigode salpicado de cinza e branco. - Passamos para o lado vencedor, é tudo. Da mesma maneira que fizemos antes. E não foi minha decisão. Fiz o que meus homens queriam.
- Então eles me traíram, é o que está dizendo? Por quê? Eu maltratei os Segundos Filhos? Enganei vocês quando os paguei?
- Jamais - disse Ben Mulato - mas nem tudo é dinheiro, Vossa Toda-Poderosa. Aprendi isso há muito tempo, em minha primeira batalha. Na manhã seguinte à luta, eu estava andando entre os mortos, procurando por um pouco de estanho, por assim dizer. Cheguei a um cadáver, algum guerreiro que tivera o braço cortado na altura do ombro. Estava coberto de moscas, com uma crosta de sangue seco, que deveria ser o motivo pelo qual ninguém tocara nele, mas embaixo daquilo, vestia um justilho que parecia ser de couro bom. Imaginei que poderia cair bem em mim, então afastei as moscas e o tirei dele. Mas a maldita coisa pesava muito mais do que deveria. Sob o forro, ele costurara uma fortuna em moedas. Ouro, Vossa Veneração, um belo ouro amarelo. O suficiente para qualquer homem viver como um senhor pelo resto de seus dias. Mas que bem aquilo fez? Ali estava ele, com todo o seu dinheiro, morto entre sangue e lama, com o maldito braço cortado. E essa foi a lição, percebe? A prata é doce e o ouro é nossa mãe, mas depois que estiver morto, valem menos que a última cagada que deu enquanto estava vivo. Eu lhe disse uma vez, há velhos mercenários e há mercenários ousados, mas não há velhos mercenários ousados. Meus meninos não se interessam em morrer, isso é tudo, e quando eu disse para eles que você não podia soltar os dragões sobre os yunkaítas, bem ...
Você me viu como derrotada, Dany pensou, e quem sou eu para dizer que estava errado?
- Entendo. - Ela podia ter encerrado ali, mas estava curiosa. - Ouro suficiente para viver a vida como um senhor, você disse. O que fez com toda essa riqueza?
Ben Mulato riu.
- Eu era um garoto tolo e contei para um homem que julgava ser meu amigo. Ele contou para nosso oficial, e meus irmãos em armas vieram me livrar daquele fardo. O oficial disse que eu era jovem demais e que iria desperdiçar tudo com putas e coisas assim. Mas me deixou ficar com o justilho. - Cuspiu. - Você nunca vai querer confiar em um mercenário, minha senhora.
- Aprendi isso. Um dia preciso me certificar de agradecê-lo pela lição.
Os olhos de Ben Mulato encresparam-se.
- Não é necessário. Sei o tipo de agradecimento que tem em mente. - Ele se curvou novamente e se afastou.
Dany virou-se para olhar a cidade. Além de suas muralhas, as tendas amarelas dos yunkaítas estavam em fileiras ordenadas ao lado do mar, protegidas por valas cavadas pelos escravos. Duas legiões de ferro de Nova Ghis, treinadas e armadas da mesma maneira que os Imaculados, estavam acampadas do outro lado do rio, ao norte. Outras duas legiões ghiscaris estavam a leste, fechando a estrada do Passo Khyzai. Os cavalos e as fogueiras de cozinhar das companhias livres ficavam ao sul. Durante o dia, finas nuvens de fumaça pairavam no céu como fitas cinzentas rasgadas. A noite, chamas distantes podiam ser vistas. Perto da baía estava a abominação, o mercado de escravos nas portas dela. Não podia vê-lo agora, com o sol se pondo, mas sabia que estava lá. Isso só a deixava mais zangada.
- Sor Barristan? - disse, suavemente.
O cavaleiro branco apareceu imediatamente.
- Vossa Graça.
- Quanto escutou?
- O suficiente. Ele não estava errado. Nunca confie em um mercenário.
Ou em uma rainha, pensou Dany.
- Há algum homem nos Segundos Filhos que possa ser persuadido a ... remover... Ben Mulato?
- Como certa vez Daario Naharis removeu os outros capitães dos Corvos Tormentosos? - O velho cavaleiro pareceu desconfortável. - Talvez. Eu não saberia dizer, Vossa Graça.
Não, ela pensou, você é muito honesto e muito honrado.
- Se não, os yunkaítas empregam três outras companhias.
- Trapaceiros e assassinos, a escória de uma centena de batalhas - Sor Barristan advertiu - com capitães tão traiçoeiros quanto Plumm.
- Sou apenas uma jovem garota e sei pouco sobre essas coisas, mas me parece que queremos que sejam traiçoeiros. Certa vez, você se lembrará, convenci os Segundos Filhos e os Corvos Tormentosos a se juntarem a nós.
- Se Vossa Graça deseja uma conversa privada com Gylo Rhegan ou com o Príncipe Esfarrapado, posso levá-los aos seus aposentos.
- Este não é o momento. Olhos demais, ouvidos demais. A ausência deles seria notada, mesmo se você pudesse separá-los discretamente dos yunkaítas. Temos que encontrar uma maneira mais silenciosa de chegar até eles ... não esta noite, mas logo.
- Como ordenar. Embora tema que esta não seja uma tarefa na qual me saia bem. Em Porto Real, esse tipo de trabalho era deixado para o Senhor Mindinho ou para o Aranha. Nós, velhos cavaleiros, somos homens simples, bons apenas para a batalha. - Ele deu um tapinha no cabo da espada.
- Nossos prisioneiros - sugeriu Dany. - Os westerosis que vieram dos Soprados pelo Vento com os três dornenses. Ainda estão em nossas celas, não estão? Use-os.
- Libertá-los, quer dizer? Isso é sábio? Foram enviados aqui para rastejar por sua confiança, para que pudessem trair Vossa Graça na primeira oportunidade.
- Então falharam. Não confio neles. Nunca confiei neles. - Verdade seja dita, Dany estava se esquecendo de como confiar. - Ainda podemos usá-los. Uma era mulher. Meris. Mande-a de volta, como um ... gesto de minha estima. Se o capitão deles for um homem esperto, ele entenderá.
- A mulher é a pior de todos.
- Melhor ainda. - Dany considerou por um momento. - Devemos sondar as Longas Lanças também. E a Companhia do Gato.
- Barbassangrenta. - O olhar severo de Sor Barristan se aprofundou. - Se me permite, Vossa Graça, não queremos nada com ele. Vossa Graça é jovem demais para lembrar dos Reis de Nove Moedas, mas este Barbassangrenta é cortado do mesmo tecido selvagem. Não há honra nele, apenas fome ... por ouro, por glória, por sangue.
- Você conhece melhor esse tipo de homem do que eu, sor. - Se Barbassangrenta era realmente o mais desonrado e ganancioso dos mercenários, poderia ser o mais fácil de influenciar, mas ela odiaria ir contra o conselho de Sor Barristan nesses assuntos. - Faça como achar melhor. Mas faça logo. Se a paz de Hizdahr for quebrada, quero estar pronta. Não acredito nos mercadores de escravos. - Não acredito em meu marido. - Eles se virarão contra nós ao primeiro sinal de fraqueza.
- Os yunkaítas estão ficando mais fracos também. O fluxo sangrento tomou conta dos tolosinos, dizem, e se espalha pelo rio até a terceira legião ghiscari.
A égua descorada. Daenerys suspirou. Quaithe me avisou que a égua descorada estava vindo. Me falou do príncipe dornense também, o filho do sol. Disse-me muito e ainda mais, mas tudo em enigmas.
- Não posso confiar em uma praga para me salvar dos meus inimigos. Liberte Bela Meris. Imediatamente.
- Como desejar. Mas ... Vossa Graça, se posso ser ousado, há outro caminho ...
- O caminho dornense? - Dany suspirou. Os três dornenses haviam estado no banquete, como convinha à posição do Príncipe Quentyn, mas Reznak tomara o cuidado de sentá-lo o mais distante possível de seu marido. Hizdahr não parecia ter uma natureza ciumenta, mas nenhum homem gostaria de encontrar um rival próximo de sua noiva. - O garoto parece agradável e tem boa conversa, mas ...
- A Casa Martell é antiga e nobre, e tem sido uma amiga leal da Casa Targaryen há mais de um século, Vossa Graça. Tive a honra de servir com o tio-avô do Príncipe Quentyn, entre os sete do seu pai. O Príncipe Lewyn era um irmão em armas tão valente quanto um homem poderia desejar. Quentyn Martell tem o mesmo sangue, se agradar Vossa Graça.
- Me agradaria se tivesse aparecido com essas cinquenta mil espadas das quais fala. Em vez disso, me trouxe dois cavaleiros e um pergaminho. Um pergaminho vai proteger meu povo dos yunkaítas? Se tivesse vindo com uma frota ...
- Lançassolar nunca teve poderio marítimo, Vossa Graça.
- Não. - Dany conhecia o suficiente da história westerosi para saber aquilo. Nymeria havia atracado com dez mil navios nas costas arenosas de Dorne, mas quando se casou com o príncipe dornense, queimou todos eles e virou as costas para o mar para sempre.
- Dome está muito longe. Para agradar esse príncipe, eu teria que abandonar meu povo. Você deveria mandá-lo para casa.
- Dornenses são notoriamente teimosos, Vossa Graça. Os antepassados do Príncipe Quentyn lutaram contra os seus durante quase duzentos anos. Ele não partirá sem você.
Então morrerá aqui, Daenerys pensou, a menos que haja mais nele do que eu posso ver.
- Ele ainda está aqui?
- Bebendo com seus cavaleiros.
- Traga-o até mim. Já é tempo dele conhecer meus filhos.
Uma sombra de dúvida passou pelo rosto comprido e solene de Barristan Selmy.
- Como ordenar.
Seu rei estava rindo com Yurkhaz zo Yunzak e os outros senhores yunkaítas. Dany não achava que ele sentiria falta dela, mas de qualquer maneira instruiu suas aias para dizer que estava respondendo ao chamado da natureza, se ele perguntasse por ela.
Sor Barristan aguardava nos degraus com o príncipe dornense. O rosto quadrado de Martell estava corado e vermelho. Muito vinho, a rainha concluiu, embora ele estivesse fazendo o melhor para dissimular. Além da fileira de sóis de cobre que enfeitavam seu cinto, o dornense estava vestido de maneira simples. Eles o chamam de Sapo, Dany lembrou. Ela podia ver o porquê. Não era um homem bonito.
Ela sorriu.
- Meu príncipe. É um longo caminho para baixo. Está seguro de que deseja fazer isso?
- Se for do agrado de Vossa Graça.
- Então venha.
Um par de Imaculados descia os degraus na frente deles, levando tochas; atrás vinham duas Bestas de Bronze, uma mascarada como peixe e a outra como falcão. Mesmo aqui, na pirâmide dela, nesta noite feliz de paz e celebração, Sor Barristan insistia em manter guardas ao redor dela aonde quer que fosse. O pequeno grupo fez a longa descida em silêncio, parando três vezes para se refrescar ao longo do caminho.
- O dragão tem três cabeças - Dany falou, quando estavam no trajeto final. - Meu casamento não precisa ser o final de suas esperanças. Sei por que está aqui.
- Por você - disse Quentyn, numa desajeitada galanteria.
- Não - respondeu Dany. - Por fogo e sangue.
Um dos elefantes barriu de sua estrebaria. Um rugido respondeu vindo de baixo, fazendo-a corar com o calor repentino. O Príncipe Quentyn olhou alarmado.
- Os dragões sabem quando ela está perto - Sor Barristan contou para ele.
Todo filho conhece sua mãe, Dany pensou. Quando os mares secarem e as montanhas forem sopradas pelo vento como folhas ...
- Estão me chamando. Venha. - Tomou o Príncipe Quentyn pela mão e o levou para o fosso onde dois de seus dragões estavam confinados. - Permaneçam do lado de fora - Dany falou para Sor Barristan, enquanto os Imaculados abriam as imensas portas de ferro. - O Príncipe Quentyn me protegerá. - Levou o príncipe dornense para dentro, para observar de cima do fosso.
Os dragões esticavam o pescoço de um lado para o outro, olhando para eles com olhos queimando. Viserion havia quebrado uma corrente e derretido as outras. Pendurava-se do teto do fosso como um imenso morcego branco, suas garras penetrando profundamente nos tijolos queimados e em ruínas. Rhaegal, ainda acorrentado, estava roendo a carcaça de um touro. A pilha de ossos no chão do fosso estava mais profunda do que da última vez em que ela estivera ali, e as paredes e o chão estavam negros e acinzentados, mais cinzas do que tijolos. Não aguentariam muito tempo ... mas atrás deles havia apenas terra e pedras. Dragões podem fazer túneis na rocha, como os wyrms de fogo da antiga Valíria? Esperava que não.
O príncipe dornense estava branco como leite.
- Eu ... eu ouvi dizer que eram três.
- Drogon está caçando. - Ele não precisava ouvir o resto. - O branco é Viserion, o verde é Rhaegal. Dei o nome de meus irmãos para eles. - A voz dela ecoava nas paredes de pedra queimadas. Soava pequena; a voz de uma garota, não a voz de uma rainha e conquistadora, não a voz feliz de uma noiva recém-casada.
Rhaegal rugiu em resposta, e o fogo encheu o fosso, uma lança vermelha e amarela. Viserion respondeu, suas próprias chamas douradas e alaranjadas. Quando bateu as asas, uma nuvem de cinzas encheu o ar. Correntes partidas retiniam ruidosamente em suas patas. Quentyn Martell pulou trinta centímetros para trás.
Uma mulher mais cruel teria rido dele, mas Dany apertou sua mão e disse:
- Eles me assustam também. Não há vergonha nisso. Na escuridão, meus filhos cresceram selvagens e zangados.
- Você... você pretende cavalgar neles?
- Em um deles. Tudo o que sei sobre dragões foi o que meu irmão me contou quando eu era garota, e alguma coisa que li nos livros, mas dizem que até mesmo Aegon, o Conquistador, nunca ousou montar em Vhagar ou em Meraxes, nem suas irmãs cavalgavam Balerion, o Terror Negro. Dragões vivem mais do que homens, alguns por centenas de anos, então Balerion teve outros cavaleiros depois que Aegon morreu ... mas nenhum cavaleiro jamais voou em dois dragões.
Viserion sibilou novamente. Fumaça saiu por entre seus dentes, e no fundo de sua garganta podiam ver fogo dourado se agitando.
- São ... são criaturas temíveis.
- São dragões, Quentyn. - Dany ficou na ponta dos pés e o beijou levemente, uma vez em cada bochecha. - Assim como eu.
O jovem príncipe engoliu em seco.
- Eu ... eu tenho sangue de dragão em mim também, Vossa Graça. Posso traçar minha linhagem até a primeira Daenerys, a princesa Targaryen que era irmã do Rei Daeron, o Bom, e esposa do Príncipe de Dorne. Ele construiu os Jardins das Águas para ela.
- Os Jardins das Águas? - Ela conhecia pouco e ainda menos de Dorne e sua história, verdade seja dita.
- O palácio favorito do meu pai. Eu gostaria de mostrá-lo para você um dia. É todo feito em mármore rosado, com piscinas e fontes e vista para o mar.
- Parece adorável. - Ela o afastou do fosso. Ele não pertence a este lugar. Nunca deveria ter vindo. - Você deveria voltar para lá. Minha corte não é um lugar seguro para você, temo. Tem mais inimigos do que imagina. Você fez Daario parecer um tolo, e ele não é homem de esquecer uma desfeita dessas.
- Tenho meus cavaleiros. Meus escudos juramentados.
- Dois cavaleiros. Daario tem quinhentos Corvos Tormentosos. E você faria bem em ter cuidado com o senhor meu marido, também. Ele parece um homem ameno e agradável, eu sei, mas não se engane. A coroa de Hizdahr deriva da minha, e ele comanda a fidelidade de alguns dos mais temíveis guerreiros do mundo. Um deles poderia querer ganhar seu favor eliminando um rival.
- Sou um príncipe de Dorne, Vossa Graça. Não fugirei de escravos e mercenários.
Então é realmente um tolo, Príncipe Sapo. Dany deu um último e demorado olhar nos seus filhos selvagens. Podia ouvir os dragões gritando enquanto levava o garoto de volta pela porta e ver o jogo de luzes contra os tijolos, reflexos de suas chamas. Se olhar para trás, estou perdida.
- Sor Barristan trouxe um par de liteiras para nos levar de volta ao banquete, mesmo assim a subida pode ser cansativa. - Atrás deles, as grandes portas de ferro se fecharam com um estrondo retumbante. - Fale-me sobre essa outra Daenerys. Sei menos do que deveria da história do reino de meu pai. Nunca tive um meistre para me ensinar. - Apenas um irmão.
- Será um prazer, Vossa Graça - respondeu Quentyn.
Já passara muito da meia-noite antes que o último dos convidados partisse, e Dany se retirasse para seus próprios aposentos para se reunir a seu senhor e rei. Hizdahr ao menos estava feliz, embora um pouco bêbado.
- Cumpro minhas promessas - disse para ela, enquanto lrri e Jhiqui os vestiam para a cama. - Você queria paz, e é sua.
E você desejava sangue, e logo terei de dá-lo a você, Dany pensou, mas o que disse foi:
- Estou grata.
A excitação do dia havia inflamado as paixões de seu marido. Tão logo as aias se retiraram, ele rasgou a roupa dela e a derrubou de costas na cama. Dany deslizou os braços em torno dele e deixou-o encontrar seu caminho. Bêbado como estava, sabia que ele não ficaria muito tempo dentro dela.
E não ficou. Quando terminou, aninhou-se próximo ao ouvido dela e sussurrou:
- Que os deuses nos concedam um filho esta noite.
As palavras de Mirri Maz Duur ressoaram em sua cabeça. Quando o sol nascer no ocidente e se puser no oriente. Quando os mares secarem e as montanhas forem sopradas pelo vento como folhas. Quando seu ventre voltar a ganhar vida para dar à luz um filho vivo. Então, e não antes, ele regressará. O significado era claro o suficiente; Khal Drogo voltaria dos mortos quando ela desse à luz um filho vivo. Mas havia alguns segredos que não tinha coragem de compartilhar, nem mesmo com seu marido, então deixou Hizdahr zo Loraq manter suas esperanças.
Seu nobre marido logo estava profundamente adormecido. Daenerys apenas podia se revirar ao lado dele. Queria sacudi-lo, acordá-lo, fazê-lo abraçá-la, beijá-la, fodê-la novamente, mas mesmo se ele fizesse isso, dormiria logo em seguida, deixando-a sozinha na escuridão. Perguntava-se o que Daario estaria fazendo. Estaria insone também? Estaria pensando nela? Ele a amava verdadeiramente? Ele a odiava, por ter se casado com Hizdahr? Nunca devia tê-lo levado para minha cama. Ele era apenas um mercenário, não um consorte adequado para uma rainha, mesmo assim ...
Eu sabia disso o tempo todo, e fiz do mesmo jeito.
- Minha rainha? - disse uma voz suave na escuridão.
Dany se encolheu.
- Quem está aí?
- Apenas Missandei. - A escriba naathi se aproximou da cama. - Esta uma ouviu você chorando.
- Chorando? Eu não estava chorando. Por que choraria? Tenho minha paz, tenho meu rei, tenho tudo o que uma rainha pode desejar. Você teve um pesadelo, foi tudo.
- Como quiser, Vossa Graça. - Ela se curvou e começou a se afastar.
- Fique - disse Dany. - Não desejo ficar sozinha.
- Sua Graça está com você - Missandei apontou.
- Sua Graça está sonhando, mas eu não posso dormir. Amanhã devo me banhar em sangue. O preço da paz. - Deu um sorriso amarelo e um tapinha na cama. - Venha. Sente-se. Converse comigo.
- Se a agrada. - Missandei sentou-se ao lado dela. - Sobre o que devemos falar?
- Casa - falou Dany. - Naath. Borboletas e irmãos. Conte-me as coisas que a deixam feliz, as coisas que a fazem dar risadas, todas as suas mais doces lembranças. Recorde-me que ainda há bondade no mundo.
Missandei fez o melhor possível. Ainda estava falando quando Dany finalmente adormeceu, um sono agitado com estranhos sonhos incompletos de fumaça e fogo.
A manhã veio rápido demais. 

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