quinta-feira, 3 de outubro de 2013

51 - THEON


O dia chegou sobre eles exatamente como Stannis fizera: sem ser notado.
Winterfell estava acordado havia horas, ameias e torres abarrotadas com homens em lã, cota de malha e couro, esperando um ataque que nunca veio. Quando o céu começou a clarear, o som dos tambores já sumira, embora os berrantes de guerra tivessem sido ouvidos mais três vezes, cada vez um pouco mais perto. E a neve ainda caía.
- A tempestade vai parar hoje - um dos cavalariços sobreviventes insistia em voz alta. - Afinal, não é nem inverno.
Theon teria rido se ousasse. Recordava-se das histórias que a Velha Ama contava, de tempestades que assolavam por quarenta dias e quarenta noites, por um ano, por dez anos ... tempestades que enterravam castelos, cidades e reinos inteiros sob trinta metros de neve.
Estava sentado no fundo do Grande Salão, não muito longe dos cavalos, observando Abel, Rowan e uma lavadeira de cabelos castanhos cor de rato chamada Esquilo atacando bandejas de pão preto frito em gordura de toicinho. Theon quebrou seu jejum com uma caneca de cerveja escura, carregada com levedura e grossa o suficiente para mastigar. Mais algumas canecas, e talvez o plano de Abel não parecesse tão louco.
Roose Bolton entrou, olhos claros e bocejando, acompanhado por sua rechonchuda e grávida esposa Walda Gorda. Vários senhores e capitães o haviam precedido, entre eles Terror-das-Rameiras Umber, Aenys Frey e Roger Ryswell. Mais no canto da mesa, Wyman Manderly estava sentado devorando linguiças e ovos cozidos, enquanto Lorde Locke, ao seu lado, tomava mingau com sua boca sem dentes.
Lorde Rarnsay logo apareceu também, afivelando o cinturão da espada enquanto caminhava para a frente do salão. Seu humor está negro esta manhã, Theon podia afirmar. Os tambores o mantiveram acordado a noite toda, adivinhou, ou alguma coisa o desagradou. Uma palavra errada, um olhar irrefletido ou uma risada fora de hora, qualquer coisa poderia provocar a ira de sua senhoria e custar um pedaço de pele a um homem. Por favor, 'nhor, não olhe para cá. Um olhar seria o suficiente para que Ramsay soubesse de tudo. Ele verá escrito em meu rosto. Ele saberá. Sempre sabe.
Theon virou-se para Abel.
- Isso não vai funcionar. - Sua voz era tão baixa que nem os cavalos podiam ouvir. - Seremos capturados antes de deixar o castelo. Mesmo se escaparmos, Lorde Ramsay nos caçará, ele, Ben Ossos e as garotas.
- Lorde Stannis está do lado de fora das muralhas, e não muito longe, pelo que parece. Tudo o que precisamos fazer é chegar até ele. - Os dedos de Abel dançavam pelas cordas de seu alaúde. A barba do cantor era castanha, embora seu longo cabelo já estivesse em grande parte cinza. - Se o Bastardo vier atrás de nós, ele pode viver o suficiente para lamentar isso.
Pense isso, Theon pensou. Acredite nisso. Diga para si mesmo que é verdade.
- Ramsay usará suas mulheres como presas - falou para o cantor. - Ele as caçará, as estuprará e dará seus cadáveres para alimentar os cães. Se lhe proporcionarem uma boa caçada, ele dará os nomes delas para a próxima ninhada de cadelas. Você, ele vai esfolar. Ele, Peleiro e Damon Dance-para-Mim farão um jogo com isso. Você implorará para que o matem. - Segurou o braço do cantor com a mão mutilada. - Jurou que não me deixará cair nas mãos dele novamente. Você me deu sua palavra. - Precisava ouvir novamente.
- A palavra de Abel- disse Esquilo. - Forte como carvalho. - O próprio Abel apenas deu de ombros. - Não importa o quê, meu príncipe.
Sobre o estrado, Ramsay estava discutindo com o pai. Estavam longe demais para que Theon pudesse entender alguma palavra, mas o medo no redondo rosto rosado de Walda Gorda dizia o bastante. Ouviu Wyman Manderly pedindo mais linguiças e a risada de Roger Ryswell por conta de alguma piada do maneta Harwood Stout.
Theon se perguntava se veria os salões molhados do Deus Afogado, ou se seu fantasma permaneceria em Winterfell. Morto é morto. Melhor morto do que Fedor. Se o plano de Abel desse errado, Ramsay faria sua morte ser lenta e dolorosa. Ele vai me esfolar da cabeça ao calcanhar desta vez, e nada do que eu implorar vai acabar com a dor. Nenhuma dor que Theon já conhecera chegava perto da agonia que Peleiro podia evocar com uma pequena faca de esfola. Abel aprenderia aquela lição em breve. E para quê? Jeyne, o nome dela é Jeyne, e seus olhos são da cor errada. Uma pantomimeira desempenhando seu papel. Lorde Bolton sabe, e Ramsay, mas os demais são cegos, mesmo este maldito bardo com seus sorrisos astutos. A piada será você, Abel, você e suas putas assassinas. Morrerão pela garota errada.
Chegara bem perto de contar a verdade para eles, quando Rowan o entregara a Abel nas ruínas da Torre Queimada, mas no último instante segurara a língua. O cantor parecia ter a intenção de fugir com a filha de Eddard Stark. Se soubesse que a noiva de Lorde Ramsay era apenas a cria do intendente, bem ...
As portas do Grande Salão se abriram com estrondo.
Um vento frio entrou rodopiando, e urna nuvem de cristais de gelo brilhou azul e branca no ar. Através dela veio Sor Hosteen Frey, endurecido até a cintura pela neve, um corpo nos braços. Em todos os bancos, homens baixaram seus copos e colheres para ver boquiabertos o macabro espetáculo. O salão ficou em silêncio.
Outro assassinato.
A neve escorregava do manto de Sor Hosteen, enquanto ele caminhava em direção à mesa principal, seus passos ressoando contra o chão. Uma dúzia de cavaleiros Frey e homens em armas entraram atrás dele. Um era um garoto que Theon conhecia; Grande Walder, o pequeno, cara de raposa e magro como um palito. Seu peito, braços e manto estavam salpicados de sangue.
O cheiro daquilo agitou os cavalos. Os cães saíram debaixo das mesas, farejando. Homens se ergueram dos bancos. O corpo nos braços de Sor Hosteen brilhava sob a luz das tochas, blindado em gelo rosado. O frio que fazia lá fora congelara seu sangue.
- O filho de meu irmão Merrett. - Hosteen Frey colocou o corpo no chão, diante do estrado. - Massacrado como um porco e enfiado embaixo de um monte de neve. Um garoto.
Pequeno Walder, pensou Theon. O grande. Olhou para Rowan. Há seis delas, lembrou. Qualquer uma pode ter feito isso. Mas a lavadeira sentiu seu olhar.
- Isso não é trabalho nosso - disse.
- Quieta - Abel a advertiu.
Lorde Ramsay desceu do estrado até o garoto morto. Seu pai se ergueu mais lentamente, olhos claros, encarando solene.
- Isso foi trabalho sujo. - Pela primeira vez, a voz de Roose Bolton estava alta o suficiente para ser ouvida. - Onde o corpo foi encontrado?
- Embaixo daquela fortaleza destruída, meu senhor - respondeu Grande Walder. - Aquela com as velhas gárgulas. - As luvas do menino estavam empastadas com o sangue do primo. - Eu disse para não sair sozinho, mas ele falou que tinha que encontrar um homem que lhe devia prata.
- Que homem? - Ramsay exigiu saber. - Dê-me seu nome. Aponte-o para mim, garoto, e eu lhe farei um manto com a pele dele.
- Ele nunca disse, meu senhor. Apenas que ganhou o dinheiro nos dados. - O garoto Frey hesitou. - Foram uns homens de Porto Branco que o ensinaram a jogar. Não sei dizer quais, mas foram eles.
- Meu senhor - trovejou Hosteen Frey. - Conhecemos o homem que fez isso. Matou este garoto e todos os demais. Não com suas mãos, não. É muito gordo e muito covarde para matar por conta própria. Mas por sua ordem. - Virou-se para Wyman Manderly.
- Nega isso?
O Senhor de Porto Branco mordeu uma linguiça no meio.
- Confesso ... - Limpou a gordura dos lábios com a manga. - ... confesso que conhecia pouco este pobre garoto. Era escudeiro de Lorde Ramsay, não era? Quantos anos tinha o rapaz?
- Nove, no último dia de seu nome.
- Tão jovem - disse Wyman Manderly. - Embora talvez isso tenha sido uma bênção. Se vivesse, teria crescido para ser um Frey.
Sor Hosteen bateu com o pé na mesa, chutando os cavaletes, empurrando o tampo em direção à barriga inchada de Lorde Wyman. Copos e pratos voaram, linguiças espalhadas por toda parte, e uma dúzia de homens de Manderly levantaram-se xingando. Alguns agarraram facas, pratos, jarras, qualquer coisa que pudesse servir como arma.
Sor Hosteen Frey arrancou sua espada longa da bainha e pulou na direção de Wyman Manderly. O Senhor de Porto Branco tentou ir para trás, mas a mesa o prendera na cadeira. A lâmina rasgou três de seus quatro queixos, em um jato brilhante e vermelho de sangue. A Senhora Walda deu um grito e agarrou o braço do senhor seu marido.
- Parem - Roose Bolton gritou. - Parem com essa loucura. Seus próprios homens avançaram enquanto os Manderly se debruçavam sobre os bancos para alcançar os Frey. Um deles avançou para Sor Hosteen com uma adaga, mas o grande cavaleiro girou seu braço e deslocou-o do ombro. Lorde Wyman ficou em pé, apenas para desfalecer. O velho Lorde Locke gritava por um meistre, enquanto Manderly caía pesadamente no chão como uma morsa abatida em uma piscina de sangue que se espalhava. Ao redor dele, os cães lutavam pelas linguiças.
Foram necessários dois grupos de lanceiros de Forte do Pavor para separar os combatentes e pôr fim à carnificina, quando seis homens de Porto Branco e dois Frey já estavam mortos no chão. Uma dúzia estava ferida e um dos Rapazes do Bastardo, Luton, morria ruidosamente, gritando por sua mãe enquanto tentava enfiar um punhado de entranhas viscosas para dentro da barriga ferida. Lorde Ramsay o silenciou, puxando uma lança de um dos homens de Pernas de Aço e enfiando-a no peito de Luton. Mesmo assim, as vigas ainda ressoavam com gritos, orações e maldições, com o ruído dos cavalos aterrorizados e com os rosnados das cadelas de Ramsay. Walton Pernas de Aço teve que bater com a coronha de sua lança contra o chão uma dúzia de vezes antes que o salão ficasse quieto o suficiente para que Roose Bolton fosse ouvido.
- Vejo que todos querem sangue - o Senhor de Forte do Pavor disse. Meistre Rhodry estava ao lado dele, com um corvo no braço. A plumagem negra da ave brilhava como petróleo na luz das tochas. Está molhado, Theon percebeu. E, na mão de sua senhoria, um pergaminho. Estará molhado também. Asas escuras, palavras escuras. - Melhor do que usar nossas espadas uns contra os outros, vocês deveriam testá-las em Lorde Stannis. - Lorde Bolton desenrolou o pergaminho. - As tropas dele estão a menos de três dias de cavalgada daqui, enterradas na neve e famintas, e estou cansado de esperar por sua vontade. Sor Hosteen, reúna seus cavaleiros e homens em armas no portão principal. Como você está tão ansioso pela batalha, deve comandar nosso primeiro golpe. Lorde Wyman, reúna seus homens de Porto Branco no portão oriental. Eles avançarão também.
A espada de Hosteen Frey estava vermelha quase até o punho. O sangue respingara, salpicando suas bochechas como sardas. Abaixou a espada e disse:
- Às ordens do meu senhor. Mas depois de lhe entregar a cabeça de Stannis Baratheon, pretendo terminar de cortar Lorde Banha.
Quatro cavaleiros de Porto Branco formavam um círculo em torno de Lorde Wyman, enquanto Meistre Medrick trabalhava sobre ele para estancar o sangramento.
- Primeiro precisa passar por nós, sor - disse o mais velho deles, um cavaleiro de barba grisalha e rosto duro, cuja túnica manchada de sangue mostrava três sereias prateadas sobre um campo violeta.
- Com prazer. Um de cada vez ou todos juntos, não faz diferença,
- Basta - rugiu Lorde Ramsay, brandindo sua lança ensanguentada. - Outra ameaça e eu mesmo o destriparei. O senhor meu pai já falou! Salve sua ira para o aspirante Stannis.
Roose Bolton fez um aceno de aprovação.
- É como ele diz. Haverá tempo suficiente para lutar um contra o outro uma vez que tenhamos acabado com Stannis. - Virou a cabeça, seus frios olhos claros procurando pelo salão, até que encontrou o bardo Abel ao lado de Theon. - Cantor - chamou - venha nos cantar algo reconfortante.
Abel se curvou.
- Se é do agrado de sua senhoria. - Alaúde na mão, caminhou até o estrado, saltando agilmente sobre um ou dois cadáveres, e sentou-se de pernas cruzadas na mesa principal. Quando começou a cantar - uma canção triste e suave que Theon Greyjoy não reconheceu. Sor Hosteen, Sor Aenys e seus companheiros Frey se viraram para levar seus cavalos do salão.
Rowan agarrou o braço de Theon.
- O banho. Precisa ser agora.
Ele afastou-se do toque dela.
- De dia? Seremos vistos.
- A neve nos esconderá. Você é surdo? Bolton está enviando suas espadas. Temos que alcançar Stannis antes que eles o façam.
- Mas ... Abel...
- Abel pode se defender por conta própria - murmurou Esquilo.
Isso é loucura. Desespero, tolice, condenação. Theon tomou o último gole de sua cerveja e ficou em pé, relutante.
- Encontre suas irmãs. Precisamos de muita água para encher a banheira de minha senhora.
Esquilo sumiu, passos suaves como sempre. Rowan caminhou com Theon para fora do salão. Desde que ela e suas irmãs o encontraram no bosque sagrado, uma delas seguia insistentemente cada um de seus passos, sem nunca o perder de vista. Não confiavam nele. Por que deveriam? Eu era Fedor antes, e posso ser Fedor novamente. Fedor, Fedor, que rima com traidor.
Do lado de fora, a neve ainda caía. Os homens de neve que os escudeiros construíram haviam crescido até se transformarem em gigantes monstruosos, com três metros de altura e horrivelmente deformados. Paredes brancas se erguiam dos dois lados, enquanto ele e Rowan iam até o bosque sagrado; os caminhos entre a fortaleza, a torre e o salão haviam se tornado uma confusão de trincheiras geladas, cavadas com pás a cada hora para se manterem limpas. Era fácil se perder naquele labirinto congelado, mas Theon Greyjoy conhecia cada curva e volta.
Até o bosque sagrado estava ficando branco. Uma camada de gelo se formara sobre a lagoa ao lado da árvore-coração, e o rosto escavado no tronco claro tinha um bigode de pequenos pingentes de gelo. Nesse horário, não podiam esperar ter os antigos deuses para si. Rowan afastou Theon do nortenho que rezava diante da árvore, até um lugar isolado atrás da parede dos alojamentos, ao lado de uma piscina de lama quente que fedia a ovos podres. Mesmo a lama estava congelando nas bordas, Theon viu.
- O inverno está chegando ...
Rowan lhe deu um olhar duro.
- Você não tem o direito de pronunciar as palavras de Lorde Eddard. Não você. Nunca. Depois do que fez ...
- Vocês mataram um menino também.
- Não fomos nós. Eu lhe disse isso.
- Palavras são vento. - Elas não são melhores do que eu. Somos iguais. - Vocês mataram os outros, por que não ele? Caralho Amarelo...
- ... fedia tanto quanto você. Um porco de homem.
- E o Pequeno Walder era um leitão. Matá-lo levou os Frey e os Manderly à ponta das adagas, o que foi esperto, vocês ...
- Não fomos nós. - Rowan o agarrou pela garganta e o empurrou contra a parede dos alojamentos, seu rosto a alguns centímetros do dele. - Diga isso novamente e arrancarei sua língua mentirosa, assassino de parentes.
Ele sorriu com seus dentes quebrados.
- Você não vai fazer isso. Precisa da minha língua para passar pelos guardas. Precisa das minhas mentiras.
Rowan cuspiu no rosto dele. Então o soltou, esfregando as mãos enluvadas nas pernas, como se apenas tocá-lo a tivesse sujado.
Theon sabia que não devia provocá-la. De seu jeito, aquela uma era tão perigosa quanto Peleiro ou Damon Dance-para-Mim. Mas estava com frio e cansado, sua cabeça latejava e ele não dormia havia dias.
- Fiz coisas terríveis ... traí os meus, virei casaca, ordenei a morte de homens que confiavam em mim ... mas não sou um assassino de parentes.
- Os garotos Stark nunca foram seus irmãos, sim. Sabemos disso.
Aquilo era verdade, mas não era o que Theon queria dizer. Eles não eram meu sangue, mas, mesmo assim, nunca fiz mal a eles. Os dois que matamos eram apenas filhos do moleiro. Theon não queria pensar na mãe deles. Conhecera a esposa do moleiro por anos, até fora para a cama com ela. Grandes seios pesados, com mamilos amplos e escuros, uma boca doce, uma risada feliz. Alegrias que nunca provarei novamente.
Mas não adiantava nada dizer isso para Rowan. Ela nunca acreditaria nas negações dele, não mais do que ele acreditava nas dela.
- Há sangue em minhas mãos, mas não o sangue de irmãos - disse, cansado. - E fui punido.
- Não o suficiente. - Rowan virou as costas para ele.
Mulher tola. Theon podia ser uma coisa quebrada, mas ainda usava uma adaga. Teria sido simples desembainhá-la e enfiá-la entre as omoplatas dela. Ainda era capaz disso, apesar dos dentes arrancados, dos dentes quebrados e de todo o resto. Teria sido uma gentileza; um final mais rápido e mais limpo do que aquele que ela e suas irmãs encarariam quando Ramsay as capturasse.
Fedor poderia fazer aquilo. Teria feito aquilo, na esperança de agradar Lorde Ramsay. Essas putas pretendiam roubar a noiva dele, Fedor não podia permitir aquilo. Mas os antigos deuses o tinham reconhecido e o chamaram de Theon. Homem de ferro, eu era um homem de ferro, filho de Balon Greyjoy, e legítimo herdeiro de Pyke. Os tocos de seus dedos coçaram e se contraíram, mas manteve a adaga na bainha.
Quando Esquilo voltou, as outras quatro estavam com ela: a magra e grisalha Myrtle, Willow Olho-de-Bruxa, com sua longa trança negra, Frenya, da cintura grossa e peitos enormes, Holly com sua faca. Vestidas como servas, em camadas de tecido áspero cinzento, usavam mantos de lã marrom forrados com pele de coelho branco. Sem espadas, Theon viu. Sem machados, sem martelos, sem armas a não ser facas. O manto de Holly estava preso com um broche de prata, e Frenya tinha uma corda de cânhamo amarrada entre os seios e os quadris. Isso a fazia parecer ainda mais roliça do que era.
Myrthe tinha roupas de serva para Rowan.
- Os pátios estão lotados de tolos - avisou para eles. - Pretendem partir.
- Ajoelhadores - disse Willow, com um ronco de desprezo. - Seu orgulhoso senhor falou, eles devem obedecer.
- Estão indo para a morte - gorjeou Holly, feliz.
- Eles e nós - falou Theon. - Mesmo se passarmos pelos guardas, como pretendem tirar a Senhora Arya de lá?
Holly sorriu.
- Seis mulheres entram, seis mulheres saem. Quem olha para servas? Vestiremos a garota Stark como Esquilo.
Theon olhou para Esquilo. Elas têm quase o mesmo tamanho. Pode funcionar.
- E como Esquilo vai sair?
Esquilo respondeu por si mesma.
- Pela janela, e direto para o bosque sagrado. Eu tinha doze anos na primeira vez que meu irmão me levou para invadir o sul da sua Muralha. É daí que vem meu nome. Meu irmão dizia que eu parecia um esquilo correndo em uma árvore. Escalei aquela Muralha seis vezes, atravessando e voltando novamente. Acho que posso descer de uma torre de pedra.
- Feliz, Vira-Casaca? - Rowan perguntou. - Vamos com isso.
As cavernosas cozinhas de Winterfell ocupavam uma construção própria, mantida separada dos salões principais e das fortalezas do castelo, para caso de incêndio. Dentro, os cheiros mudavam a cada hora; um perfume mutante de carnes assadas, alhos-porós, cebolas e pães recém-assados. Roose Bolton colocara guardas na porta da cozinha. Com tantas bocas para alimentar, cada pedaço de comida era precioso. Mesmo as cozinheiras e os ajudantes eram vigiados constantemente. Mas os guardas conheciam Fedor. Gostavam de ameaçá-lo quando ele ia buscar água quente para o banho da Senhora Arya. Mas nenhum deles ousava ir além disso. Fedor era conhecido por ser o animal de estimação de Lorde Ramsay.
- O Príncipe do Mau-cheiro veio buscar água quente - um guarda anunciou quando Theon e as servas apareceram diante dele. Empurrou a porta para abrir para eles. - Rápido, antes que todo o doce ar quente escape.
Lá dentro, Theon agarrou pelo braço um ajudante que passava.
- Água quente para a 'nhora, garoto - ordenou. - Seis baldes cheios, e assegure-se de que a água esteja boa e quente. Lorde Ramsay quer sua noiva rosada e limpa.
- Sim, 'nhor - o garoto respondeu. - Imediatamente, 'nhor.
Imediatamente” levou mais tempo do que Theon teria gostado. Nenhuma das grandes chaleiras estava limpa, então o ajudante teve que lavar uma antes de enchê-la com água.
Então pareceu uma eternidade até que fervesse, e duas vezes mais demorado até encher seis baldes de madeira. Enquanto isso, as mulheres de Abel esperavam, o rosto delas oculto pelo capuz. Elas estão fazendo tudo errado. Servas de verdade estavam sempre provocando os ajudantes, flertando com os cozinheiros, adulando para provar isso aqui, dar uma mordida naquilo ali. Rowan e suas irmãs de conspiração não queriam chamar a atenção, mas seu silêncio sombrio logo fez com que os guardas lhes dessem olhares estranhos.
- Onde estão Maisie, Jez e as outras garotas? - um deles perguntou para Theon. - As de sempre.
- A Senhora Arya se desagradou com elas - ele mentiu. - Da última vez, a água já estava fria antes que ela entrasse na banheira.
A água quente enchia o ar com nuvens de vapor, derretendo os flocos de neve assim que caíam. A procissão seguiu pelo emaranhado de trincheiras de parede de gelo. A cada passo, a água congelava. As passagens estavam entupidas com tropas: cavaleiros com armaduras, túnicas de lã e mantos de pele, homens em armas com lanças nos ombros, arqueiros carregando arcos desamarrados e feixes de flechas, mercenários, cavalariços levando cavalos de batalha. Os Frey usavam o emblema das duas torres, aqueles que eram de Porto Branco ostentavam o tritão e o tridente. Caminhavam lado a lado pela tempestade, em direções opostas, e se encaravam com cautela, mas as espadas estavam embainhadas. Não aqui. Pode ser diferente lá fora, na mata.
Meia dúzia de homens experientes de Forte do Pavor guardavam as portas da Grande Fortaleza.
- Outro maldito banho? - disse o oficial, quando viu os baldes com vapor de água. Tinha as mãos enfiadas sob as axilas, para espantar o frio. - Ela tomou banho noite passada. Quão suja uma mulher pode ficar em sua própria cama?
Mais suja do que você imagina, quando se divide a cama com Ramsay, Theon pensou, lembrando da noite do casamento e das coisas que ele e Jeyne tiveram que fazer.
- Lorde Ramsay ordenou.
- Entre lá, então, antes que a água congele - o oficial falou. Dois dos guardas empurraram as portas duplas.
A entrada estava quase tão fria quanto o ar do lado de fora. Holly chutou a neve de suas botas e abaixou o capuz do manto.
- Pensei que seria mais difícil. - Sua respiração congelava no ar.
- Há mais guardas lá em cima, nos aposentos de meu senhor - Theon a avisou. - Homens de Ramsay. - Ele não ousava chamá-los de Rapazes do Bastardo, não ali. Nunca se sabia quem podia estar escutando. - Mantenha a cabeça baixa e o capuz erguido.
- Faça como ele diz, Holly - falou Rowan. - Alguns deles podem reconhecer seu rosto. Não precisamos de problemas.
Theon liderou o caminho pelas escadas. Subi estes degraus milhares de vezes antes. Quando era garoto, subia correndo; descendo, pulava os degraus de três em três. Uma vez, saltou em cima da Velha Ama e a derrubou no chão. Aquilo lhe garantira a maior surra que já levara em Winterfell, embora fosse quase afetuosa se comparada com os espancamentos que seus irmãos costumavam lhe proporcionar em Pyke. Ele e Robb haviam lutado várias batalhas heroicas naqueles degraus, batendo um no outro com espadas de madeira. Um bom treino, aquele; fazia perceber quão difícil era lutar em uma escada em espiral contra um opositor determinado. Sor Rodrik costumava dizer que um bom homem podia enfrentar uma centena, lutando escada abaixo.
Mas isso fora havia muito tempo. Estavam todos mortos, agora. Jory, o velho Sor Rodrik, Lorde Eddard, Harwin, Hullen, Cayn, Desmond, o Gordo Tom, Alyn, com seus sonhos de se tornar cavaleiro, Mikken, que lhe dera a primeira espada de verdade. Até a Velha Ama, provavelmente.
E Robb. Robb, que fora mais um irmão para Theon do que qualquer filho nascido dos quadris de Balon Greyjoy. Assassinado no Casamento Vermelho, massacrado pelos Frey. Eu deveria ter estado com ele. Onde eu estava? Eu deveria ter morrido com ele.
Theon parou tão repentinamente que Willow quase se chocou contra suas costas. A porta dos aposentos de dormir de Ramsay estava diante dele. E, de guarda, estavam dois dos Rapazes do Bastardo, Alyn Azedo e Grunhido.
Os antigos deuses devem nos querer bem. Grunhido não tinha língua e Alyn Azedo não tinha juízo, Lorde Ramsay costumava dizer. Um era brutal, o outro pretendia ser, mas ambos passaram a maior parte de suas vidas a serviço de Forte do Pavor. Faziam o que lhes era dito.
- Tenho água quente para a Senhora Arya - Theon falou para eles.
- Tente lavar a si mesmo, Fedor - disse Alyn Azedo. - Você tem cheiro de mijo de cavalo. - Grunhido grunhiu, concordando. Ou talvez aquele barulho pretendesse ser uma risada. Mas Alyn destrancou a porta do quarto de dormir, e Theon levou as mulheres para dentro.
Nenhum dia amanhecera dentro daquele quarto. As sombras cobriam tudo. Uma última tora crepitava fracamente entre as brasas da lareira, e: uma vela tremeluzia na mesa ao lado da cama amassada e vazia. A garota se foi, Theon pensou. Ela se atirou da janela. em desespero. Mas as janelas estavam fechadas por causa da tempestade, seladas por uma crosta de neve congelada.
- Onde ela está? - perguntou Holly. Suas irmãs esvaziaram os baldes em uma grande banheira redonda de madeira. Frenya fechou a porta do quarto e apoiou as costas contra ela. - Onde ela está? - Holly perguntou novamente. Do lado de fora, um berrante tocava. Uma trombeta. Os Frey se reunindo para a batalha. Theon podia sentir uma coceira nos dedos que faltavam.
Então ele a viu. Estava encolhida no canto mais escuro do quarto, no chão, enrolada como uma bola, embaixo de uma pilha de peles de lobo. Theon poderia nunca ter notado sua presença, se ela não tivesse se movido. Jeyne puxara as peles sobre si para se esconder. De nós? Ou estava esperando o senhor seu marido? A ideia de que Ramsay poderia estar vindo quase o fez gritar.
- Minha senhora. - Theon não podia chamá-la de Arya e não ousava chamá-la de Jeyne. - Não precisa se esconder. Elas são amigas.
As peles se mexeram. Um olho espiou, brilhando com lágrimas. Escuro, escuro demais. Um olho castanho.
- Theon?
- Senhora Arya. - Rowan se aproximou. - Precisa vir conosco, e rapidamente. Viemos levá-la para seu irmão.
- Irmão? - O rosto da garota emergiu de baixo das peles de lobos. - Eu ... eu não tenho irmãos.
Ela esqueceu quem é. Ela esqueceu seu nome.
- É verdade - disse Theon - mas você teve irmãos um dia. Três deles. Robb, Bran e Rickon.
- Estão mortos. Não tenho irmãos agora.
- Você tem um meio-irmão - Rowan falou. - Lorde Corvo, é ele.
- Jon Snow?
- Vamos levá-lo até ele, mas precisa vir imediatamente.
Jeyne puxou as peles de lobos até o queixo.
- Não. Isso é algum truque. Foi ele, foi meu ... meu senhor, meu doce senhor quem mandou vocês, só para fazer algum teste e se assegurar de que o amo. Eu o amo, eu o amo, amo mais do que qualquer coisa. - Uma lágrima rolou por seu rosto. - Diga para ele, você, diga para ele. Farei o que ele quiser... o que quer que seja ... com ele ou ... ou com o cão ou ... por favor... ele não precisa cortar meu pé fora, não tentarei fugir, nunca, eu lhe darei filhos, eu juro, eu juro...
Rowan assobiou suavemente.
- Que os deuses amaldiçoem esse homem.
- Sou uma boa garota - Jeyne choramingou. - Eles me treinaram.
Willow fez uma careta.
- Alguém faça,a parar de chorar. O guarda é mudo, não surdo. Vão escutar.
- Levante-a, Vira-Casaca. - Holly tinha a faca na mão. - Levante-a, ou eu farei isso. Temos que ir. Coloque a bucetinha em pé e chacoalhe um pouco de coragem nela.
- E se ela gritar? - perguntou Rowan.
Estamos todos mortos, Theon pensou. Eu disse para elas que era uma tolice, mas ninguém me escutou. Abel as havia condenado. Todos os cantores eram meio loucos. Nas canções, o herói salvava a donzela do castelo do monstro, mas a vida não era uma canção, não mais do que Jeyne era Arya Stark. Os olhos dela são da cor errada. E não há heróis aqui, apenas putas. Mesmo assim, ajoelhou-se ao lado dela, puxou as peles, tocou seu rosto.
- Você me conhece. Sou Theon, você lembra. Conheço você também. Sei seu nome.
- Meu nome? - Ela abanou a cabeça. - Meu nome ... é...
Ele colocou um dedo nos lábios dela.
- Falaremos sobre isso mais tarde. Precisa ficar quieta agora. Venha conosco. Comigo. Vamos tirá-la daqui. Para longe dele.
Ela arregalou os olhos.
- Por favor - murmurou. - Oh, por favor.
Theon deu a mão para ela. Os tocos de seus dedos perdidos formigavam enquanto a ajudava a ficar em pé. As peles de lobo deslizaram para o chão. Sob elas, a garota estava nua, seus pequenos seios claros cobertos com marcas de dentes. Ele ouviu uma das mulheres puxar a respiração. Rowan empurrou um monte de roupas nas mãos dele.
- Vista-a. Está frio lá fora.
Esquilo estava só de roupas íntimas e revirava um baú de cedro esculpido em busca de algo mais quente. No fim, vestiu um dos gibões acolchoados de Lorde Ramsay e um par de calções bem-cortados que batiam em suas pernas como as velas de um navio na tempestade.
Com a ajuda de Rowan, Theon vestiu Jeyne Poole com as roupas de Esquilo. Se os deuses forem bons e os guardas forem cegos, ela pode passar.
- Agora vamos sair e descer a escada - Theon explicou para a garota. - Mantenha a cabeça baixa e o capuz erguido. Siga Holly. Não corra, não chore, não fale, não olhe ninguém nos olhos.
- Fique perto de mim - Jeyne pediu. - Não me deixe.
- Estarei bem ao seu lado - Theon prometeu, enquanto Esquilo entrava na cama da Senhora Arya e se cobria com os lençóis.
Frenya abriu a porta do quarto.
- Deu uma boa lavada nela, Fedor? - perguntou Alyn Azedo quando saíram. Grunhido apertou o seio de Willow quando ela saiu. Tiveram sorte com a escolha dele. Se o homem tivesse tocado em Jeyne, ela poderia ter gritado. Então Holly teria que abrir a garganta dele com a faca escondida em sua manga. Willow simplesmente contorceu o corpo e seguiu adiante.
Por um momento, Theon quase sentiu vertigens. Eles não olharam. Eles não viram. Passamos com a garota por eles!
Mas, nos degraus, o medo voltou. E se encontrassem Peleiro ou Damon Dance-para-Mim, ou então Walton Pernas de Aço? Ou o próprio Ramsay? Deuses, me salvem. Não Ramsay, qualquer um menos ele. Qual a vantagem de contrabandear a garota para fora do quarto? Ainda estavam dentro do castelo, com cada portão fechado e selado, e as ameias lotadas de sentinelas. Provavelmente, os guardas do lado de fora da fortaleza os parariam. Holly e sua faca teriam pouca utilidade contra seis homens em cotas de malha, com espada e lança.
Mas os guardas do lado de fora estavam amontoados ao lado das portas, de costas para o vento gelado e para a neve que soprava. Mesmo o oficial não deu mais do que uma rápida olhada neles. Theon sentiu uma pontada de pena dele e de seus homens. Ramsay esfolaria todos eles quando soubesse que sua noiva se fora, e o que faria com Grunhido e Alyn Azedo era melhor nem pensar.
A menos de dez metros da porta, Rowan jogou o balde vazio, e suas irmãs fizeram o mesmo. A Grande Fortaleza estava fora de vista. O pátio era um deserto branco, cheio de sons indistintos que ecoavam de modo estranho no meio da tempestade. As trincheiras geladas se erguiam em volta deles, na altura do joelho, então na cintura, e então mais altas que suas cabeças. Estavam no coração de Winterfell, com o castelo ao seu redor, mas não conseguiam ver nada disso. Podiam facilmente estar perdidos na Terra de Sempre Inverno, mais de cinco mil quilômetros para lá da Muralha.
- Está frio - Jeyne Poole choramingou enquanto caminhava com dificuldade ao lado de Theon.
E logo estará mais frio. Além das muralhas do castelo, o inverno aguardava com seus dentes gelados. Se chegarmos tão longe.
- Por aqui - disse, quando chegaram a um cruzamento no qual três valas se encontravam.
- Frenya, Holly, vão com eles - disse Rowan. - Vamos ficar com Abel. Não esperem por nós. - E, com isso, virou-se e partiu na neve, em direção ao Grande Salão. Willow e Myrtle correram atrás dela, mantos se agitando ao vento.
Plano louco e ainda mais louco, pensou Theon Greyjoy. A fuga parecia improvável com todas as seis mulheres de Abel; com duas apenas, parecia impossível. Mas haviam ido longe demais para devolver a garota ao seu quarto e fingir que nada havia acontecido. Em vez disso, ele pegou Jeyne pelo braço e a levou até o Portão das Ameias. Apenas meio portão, lembrou a si mesmo. Mesmo se os guardas nos deixarem passar, não tem como atravessar a muralha exterior. Em outras noites, os guardas haviam permitido que Theon passasse, mas todas as vezes estivera sozinho. Não passaria tão facilmente com três servas a reboque, e se os guardas olhassem sob o capuz de Jeyne e reconhecessem a noiva de Lorde Ramsay...
A passagem virava para a esquerda. Então, diante deles, atrás de um véu de neve que caía, estava o Portão das Ameias, flanqueado por um par de guardas. Em lãs, peles e couros, pareciam tão grandes quanto ursos. As lanças que seguravam tinham dois metros e meio de altura.
- Quem vem aí? - um deles gritou. Theon não reconheceu a voz. A maior parte das feições do homem estava coberta com um cachecol. Apenas os olhos podiam ser vistos.
- Fedor, é você?
Sim, pretendia dizer. Em vez disso, ouviu-se responder:
- Theon Greyjoy. Eu ... eu trouxe algumas mulheres para vocês.
- Vocês, pobres rapazes, devem estar congelando - disse Holly. - Aqui, deixe-me aquecer você. - Deslizou pela ponta da lança do guarda e chegou até seu rosto, abaixando o cachecol semi congelado para plantar um beijo em sua boca. E, quando seus lábios se tocaram, a lâmina dela deslizou pela carne do pescoço dele, bem abaixo da orelha. Theon viu os olhos do homem se arregalarem. Havia sangue nos lábios de Holly quando deu um passo para trás, e sangue escorrendo da boca dele quando o homem caiu.
O segundo guarda ainda olhava sem entender o que acontecia, quando Frenya agarrou a haste de sua lança. Lutaram por um momento, puxando e empurrando, até que a mulher arrancou a arma da mão dele e o acertou na têmpora com o cabo. Quando ele caiu de costas, ela girou a lança e a enfiou em sua barriga com um grunhido.
Jeyne Poole deu um grito alto e estridente.
- Oh, merda - falou Holly. - Isso vai trazer os ajoelhadores até nós, não tenham dúvida. Corram!
Theon colocou uma mão sobre a boca de Jeyne, agarrando-a pela cintura com a outra, puxou-a pelo guarda morto e pelo moribundo, passando pelo portão e sobre o fosso congelado. E talvez os antigos deuses estivessem olhando por eles; a ponte levadiça fora deixada abaixada, para permitir que os guardas de Winterfell cruzassem para as ameias externas mais rapidamente. Atrás deles era possível ouvir alarmes e o som de passos correndo, e então o sopro de uma trombeta partindo do parapeito da muralha interna.
Na ponte levadiça, Frenya parou e se virou.
- Vão em frente. Eu manterei os ajoelhadores aqui. - A lança ensanguentada ainda estava em suas grandes mãos.
Theon cambaleava quando chegaram ao pé da escada. Jogou a garota sobre seu ombro e começou a subir. Jeyne parara de se debater e, além disso, era uma coisinha ... mas os degraus estavam escorregadios com o gelo sob a neve macia, e na metade do caminho ele perdeu o passo e caiu duramente sobre um joelho. A dor foi tanta que quase largou a garota e, por meio segundo, temeu que aquilo fosse o máximo que conseguiria seguir. Mas Holly o ajudou a ficar em pé e, entre os dois, finalmente levaram Jeyne até as ameias.
Quando se inclinou contra um merlão, respirando com dificuldade, Theon pôde ouvir os gritos vindos de baixo, onde Frenya lutava com meia dúzia de guardas na neve.
- Qual o caminho? - gritou para Holly. - Aonde vamos agora? Como vamos sair?
A fúria no rosto de Holly se transformou em terror.
- Oh, puta que o pariu. A corda. - Deu uma risada histérica. - Frenya está com a corda. - Então grunhiu e agarrou o estômago. Uma flecha brotava de sua barriga. Quando enrolou uma mão em torno da ponta, o sangue escorreu por seus dedos. - Ajoelhadores na muralha interna ... - suspirou, antes que uma segunda flecha aparecesse entre seus seios. Holly se agarrou ao merlão mais próximo e caiu. A neve que se soltou com o impacto do seu corpo a enterrou com um baque suave.
Gritos vinham pela esquerda. Jeyne Poole olhava fixamente para Holly enquanto o cobertor de neve sobre ela passava de branco para vermelho. Na muralha interna, os besteiros estavam recarregando, Theon sabia. Virou-se para a direita, mas havia homens vindo daquele lado também, correndo na direção deles com espadas na mão. Bem distante, ao norte, ouviu o som de um berrante de guerra. Stannis, pensou, descontroladamente. Stannis é nossa única esperança, se pudermos chegar até ele. O vento uivava, e ele e a garota estavam presos.
A besta disparou. A flecha passou a menos de trinta centímetros dele, estilhaçando a crosta de neve congelada que se acumulava no parapeito mais próximo. Não havia sinal de Abel, Rowan, Esquilo e as outras. Ele e a garota estavam sozinhos. Se nos pegarem com vida, vão nos entregar a Ramsay.
Theon agarrou Jeyne pela cintura e pulou. 

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