Naquela noite,
sonhou com selvagens berrando da floresta, avançando com o choro dos
berrantes de guerra e o rufar de tambores. Bum BUM bum BUM bum BUM,
veio o som, como mil corações em uma única batida. Alguns tinham
lanças, alguns tinham arcos e alguns carregavam machados. Outros
andavam em carruagens feitas de ossos, puxadas por grupos de cães
tão grandes quanto pôneis. Gigantes arrastavam-se pesadamente entre
eles, doze metros de altura, com marretas do tamanho de carvalhos.
- Permaneçam
firmes - Jon Snow exortou. - Vamos mandá-los embora. - Estava no
topo da Muralha, sozinho. - Fogo - gritou - joguem fogo neles - mas
não havia ninguém para prestar atenção.
Todos se foram.
Eles me abandonaram.
Flechas
incendiárias assobiaram para cima, arrastando línguas de fogo.
Irmãos espantalhos caíram, seus mantos negros em chamas. Snow, uma
águia gritou, enquanto inimigos escalavam o gelo como aranhas. Jon
estava com uma armadura de gelo negro, mas sua lâmina queimava
vermelha em seu punho. Conforme os mortos chegavam ao topo da
Muralha, ele os enviava para baixo, para morrer novamente. Matou um
ancião e um garoto imberbe, um gigante, um homem magro com dentes
afiados, uma garota com grossos cabelos vermelhos. Tarde demais,
reconheceu Ygritte. Ela se foi tão rápido quanto aparecera.
O mundo se
dissolveu em uma névoa vermelha. Jon esfaqueava, fatiava e cortava.
Atingiu Donal Noye e tirou as vísceras de Dick Surdo Follard. Qhorin
Meia-Mão caiu de joelhos, tentando, em vão, estancar o fluxo de
sangue do pescoço.
- Sou o Senhor de
Winterfell - Jon gritou. Robb estava diante dele agora, o cabelo
molhado com neve derretida. Garralonga cortou sua cabeça fora.
Então, uma mão enrugada segurou Jon pelo ombro. Ele se contorceu
...
... e acordou com
um corvo bicando-o no peito. Snow, a ave gritou. Jon bateu nela. O
corvo gritou de descontentamento e voou até uma das colunas da cama,
olhando para baixo malignamente através da escuridão da madrugada.
O dia chegara. Era
a hora do lobo. Logo o sol se levantaria, e quatro mil selvagens
seriam despejados pela Muralha. Loucura. Jon Snow passou a mão
queimada pelo cabelo e se perguntou mais uma vez o que estava
fazendo. Uma vez que o portão fosse aberto, não seria possível
voltar atrás. Deveria ter sido o Velho Urso a negociar com Tormund.
Deveria ter sido Jaremy Rykker, ou Qhorin Meia-Mão, ou Denys
Mallister, ou outro homem experiente. Deveria ter sido meu tio. Mas
era tarde demais para tais receios. Cada escolha tinha seus riscos,
cada risco, suas consequências. Jogaria o jogo até o final.
Levantou-se e
vestiu-se na escuridão, enquanto o corvo de Mormont reclamava pelo
quarto. Grão, a ave dizia, e Rei e Snow, Jon Snow, Jon Snow. Aquilo
era estranho. A ave nunca dissera seu nome completo antes, pelo que
Jon se lembrava.
Quebrou o jejum na
adega, com seus oficiais. Pão frito, ovos fritos, chouriços e
mingau de cevada formavam a refeição, empurrados para baixo com uma
rala cerveja amarela. Enquanto comiam, repassavam os preparativos
mais uma vez.
- Está tudo pronto
- Bowen Marsh assegurou. - Se os selvagens mantiverem os termos do
acordo, tudo vai correr como você ordenou.
E, se não, pode
acabar em sangue e carnificina.
- Lembrem-se - Jon
falou - o povo de Tormund está faminto, com frio e com medo. Alguns
deles nos odeiam tanto quanto alguns de vocês os odeiam. Estamos
dançando em gelo fino aqui, eles e nós. Uma rachadura e todos nos
afogaremos. Se sangue for derramado hoje, é melhor que não seja um
dos nossos quem deu o primeiro golpe, ou eu juro pelos deuses antigos
e pelos novos que terei a cabeça do homem que começar isso.
Todos
responderam com sim, com acenos de cabeças e murmurando palavras
como Ao seu comando, Será feito e Sim, meu senhor. E, um por um,
eles se levantaram, afivelaram os cinturões das espadas, vestiram
seus quentes mantos negros e saíram para o frio.
O último a deixar
a mesa foi Edd Doloroso Tollett, que chegara durante a noite com seis
carroções de Monte Longo. Monte das Putas, os irmãos negros
chamavam o forte agora. Edd fora enviado para reunir tantas esposas
de lança quantas coubessem nos carroções e levá-las de volta para
se unir a suas irmãs.
Jon observava-o
enxugar uma gema mole com um pedaço de pão. Era estranhamente
reconfortante ver o rosto melancólico de Edd novamente.
- Como está indo a
restauração? - perguntou para seu velho intendente.
- Mais dez anos
devem resolver - Tollett respondeu, em seu usual tom sombrio. - O
lugar estava infestado de ratos quando chegamos. As esposas de lança
mataram os malditinhos nojentos. Agora, o lugar está infestado de
esposas de lança. Há dias em que sinto falta dos ratos.
- Como está sendo
servir sob o comando de Emmett de Ferro? - Jon perguntou.
- Em geral, Maris
Negra está servindo sob ele, meu senhor. Eu, eu tenho as mulas.
Urtigas afirma que somos parentes. É verdade que temos a mesma cara
comprida, mas não sou nem de perto tão teimoso. De qualquer modo,
nunca conheci as mães delas, pela minha honra. - Terminou o último
ovo e suspirou. - Eu realmente gosto de um bom ovo mole. Se for do
agrado de meu senhor, não deixe os selvagens comerem todas as nossas
galinhas.
No pátio, o céu
oriental começava a clarear. Não havia um fiapo de nuvem à vista.
- Teremos um bom
dia para isso, parece - Jon falou. - Um dia brilhante, quente e
ensolarado.
- A Muralha vai
chorar. E o inverno está quase sobre nós. Isso não é normal,
'nhor. Um mau sinal, se me perguntar.
Jon sorriu.
- E se estivesse
nevando?
- Um sinal pior
ainda.
- Que tipo de clima
você prefere?
- O tipo que nos
mantém dentro de casa - disse Edd Doloroso. - Se for do agrado de
meu senhor, devo voltar para minhas mulas. Elas sentem minha falta
quando saio. É mais do que posso dizer das esposas de lança.
Separaram-se ali,
Tollett para o caminho oriental, onde seus carroções esperavam,Jon
Snow para os estábulos. Cetim tinha seu cavalo selado e com freios,
esperando por ele; um corcel cinza impetuoso, com uma crina tão
negra e brilhante quanto tinta de meistre. Não era o tipo de
montaria que Jon teria escolhido, mas, nessa manhã, o mais
importante era impressionar e, para isso, o garanhão era a escolha
perfeita.
Sua escolta estava
esperando também. Jon nunca gostara de estar cercado por guardas,
mas hoje parecia prudente manter alguns bons homens ao seu lado. Eles
passavam uma imagem severa, com suas cotas de malha, seus meios-elmos
de ferro e mantos negros, com lanças compridas nas mãos e espadas e
adagas na cintura. Para isso, Jon havia deixado de lado todos os
garotos inexperientes e os anciãos a seu comando, escolhendo oito
homens em seu apogeu: Ty, Mully, Lew Mão Esquerda, Grande Liddle,
Rory, Fulk, a Pulga, Garrett Lançaverde. E Couros, o novo mestre em
armas de Castelo Negro, para mostrar ao povo livre que mesmo um homem
que lutou por Mance na batalha da Muralha podia encontrar um lugar de
honra na Patrulha da Noite.
Um rubor
vermelho-escuro aparecera no oriente quando todos se reuniram no
portão. As estrelas estão partindo, Jon viu. Da próxima vez que
reaparecessem, podiam estar iluminando um mundo mudado para sempre.
Alguns homens da rainha estavam observando do lado das brasas da
fogueira noturna da Senhora Melisandre. Quando Jon olhou para a Torre
do Rei, vislumbrou um clarão vermelho atrás de uma janela. Da
Rainha Selyse, nenhum sinal.
Era hora.
- Abram os portões
- Jon Snow falou suavemente.
- ABRAM OS PORTÕES!
- o Grande Liddle rugiu. Sua voz era um trovão.
Duzentos
metros acima, as sentinelas ouviram e levaram os berrantes de guerra
aos lábios. O som ecoou, saindo da Muralha e seguindo pelo mundo.
Ahooooooooooooooooooooooooooooo. Um sopro longo. Por mil anos, ou
mais, aquele som significara patrulheiros voltando para casa. Hoje,
significava algo mais. Hoje, chamava o povo livre para suas novas
casas.
Em cada extremidade
do comprido túnel, os portões se abriram e as barras de ferro foram
destrancadas. A luz brilhava no gelo, rosa, dourada e púrpura. Edd
Doloroso não estava errado. A Muralha logo estaria chorando. Que os
deuses permitam que chore sozinha. Cetim liderou-os pelo gelo,
iluminando o caminho através da escuridão do túnel com uma
lanterna de ferro. Jon o seguiu, levando seu cavalo. Atrás dele,
seus guardas. Depois vieram Bowen Marsh e seus intendentes, um bando
deles, cada homem com uma tarefa designada. Em cima, Ulmer da Mata de
Rei tinha a Muralha. Dois grupos dos melhores besteiros de Castelo
Negro estavam com ele, prontos para responder a qualquer problema lá
embaixo com uma chuva de flechas.
Ao norte da
Muralha, Tormund Terror dos Gigantes estava esperando, montado em um
pequeno garrano que parecia pouco robusto para suportar seu peso. Os
dois filhos que lhe sobravam estavam com ele, o alto Toregg e o jovem
Dryn, juntamente com três grupos de guerreiros.
- Har! - Tormund
falou. - Guardas, é isso? Agora, onde está a confiança, corvo?
- Você trouxe mais
homens do que eu.
- Então trouxe.
Venha comigo, rapaz. Quero que meu povo veja você. Tenho milhares
que nunca viram um senhor comandante, homens crescidos que
aprenderam, quando meninos, que seus patrulheiros os comeriam se não
se comportassem. Eles precisam ver sua cara limpa e comprida de rapaz
em um velho manto negro. Precisam aprender que a Patrulha da Noite
não é nada a ser temida.
Esta é uma lição
que eu preferia que não aprendessem. Jon tirou a luva da mão
queimada, colocou dois dedos na boca e assobiou. Fantasma veio
correndo do portão. O cavalo de Tormund se assustou tanto que o
selvagem quase caiu da sela.
- Nada a ser
temido? - Jon perguntou. - Fantasma, fique.
- Você é um
bastardo de coração negro, Lorde Corvo. - Tormund Soprador de
Chifres levou o próprio berrante de guerra aos lábios. O som ecoou
pelo gelo como um trovão, e o povo livre começou a andar em direção
ao portão.
Do amanhecer até o
anoitecer, Jon viu a passagem dos selvagens.
Os reféns foram
primeiro; cem meninos com idade entre oito e dezesseis.
- Seu preço de
sangue, Lorde Corvo - Tormund declarou. - Espero que o pranto das
pobres mães não assombre seus sonhos à noite. - Alguns dos garotos
foram levados ao portão pela mãe ou pelo pai, outros por irmãos
mais velhos. A maioria foi sozinha. Meninos de catorze e quinze anos
eram quase homens e não queriam ser vistos pendurados na saia de uma
mulher.
Dois intendentes
contavam os meninos enquanto eles entravam, anotando cada nome em
longos rolos de pele de cordeiro. Um terceiro coletava os objetos de
valor para o pedágio e os anotava também. Os meninos estavam indo
para um lugar onde nenhum deles havia estado antes, para servir uma
ordem que fora inimiga de seus parentes e amigos por milhares de
anos, e, mesmo assim, Jon não viu lágrimas nem ouviu pranto das
mães. Este é um povo do inverno, lembrou a si mesmo. Lágrimas
congelam em seu rosto, lá de onde vieram. Nenhum dos reféns empacou
ou tentou fugir quando chegou sua vez de entrar naquele túnel
sombrio.
Quase
todos os meninos eram franzinos, alguns passados do ponto da magreza,
com canelas finas e braços como galhos. Não era mais do que Jon
esperava. Fora isso, eram de todos os formatos, tamanhos e cores. Viu
garotos altos e garotos baixos, meninos de cabelos castanhos, negros,
loiro-mel e loiro-avermelhados e cabeças vermelhas beijadas pelo
fogo, como Ygritte. Viu garotos com cicatrizes, meninos que mancavam,
meninos marcados pela varíola. Muitos dos garotos mais velhos tinham
penugens nas bochechas e bigodes ralos, mas um deles tinha uma barba
tão grossa quanto a de Tormund. Alguns estavam vestidos com finas
peles macias, alguns em couro fervido e partes avulsas de armaduras,
muitos em lãs e peles de foca, alguns em trapos. Um estava nu.
Muitos tinham armas; lanças afiadas, marretas de pedra, facas feitas
de ossos, pedras ou vidro de dragão, clavas pontudas, redes de
arrasto, e até mesmo uma ou outra velha espada enferrujada. Os
meninos cornopés andavam joviais e descalços pelos montes de neve.
Outros rapazes usavam patas de urso nas botas e andavam em cima dos
mesmos montes, sem jamais afundar. Seis garotos chegaram montados em
cavalos, dois em mulas. Um par de irmãos veio com uma cabra. O maior
refém tinha um metro e noventa de altura, mas o rosto de bebê; o
menor era um menino mirrado que afirmava ter nove anos, mas que não
parecia ter mais do que seis.
Uma atenção
especial foi dada para os filhos dos homens de renome. Tormund tomou
o cuidado de apontá-los conforme eles passavam.
- O menino ali é
filho de Soren Quebrescudo - disse de um rapaz alto. - Aquele de
cabelo vermelho com ele é cria de Gerrick Sanguederrei. Vem da
linhagem de Raymun Barbarruiva, pelo que ele afirma. Da linhagem do
irmão caçula de Barbarruiva, se quer saber a verdade. - Dois
garotos eram parecidos o suficiente para ser gêmeos, mas Tormund
insistiu que eram primos, nascidos com um ano de diferença. - Um é
filho de Harle, o Caçador, o outro de Harle, o Bonito, ambos com a
mesma mulher. Os pais odeiam um ao outro. Se eu fosse você, mandava
um para Atalaialeste e outro para Torre Sombria.
Outros reféns
foram apontados como filhos de Howd Andarilho, de Brogg, de Devyn
Peledefoca, de Kyleg dos Orelha de Madeira, de Morna Máscara Branca,
de Grande Morsa ...
- Grande Morsa? De
verdade?
- Eles têm nomes
estranhos na Costa Gelada.
Três reféns eram
filhos de Alfyn Mata-Corvos, um saqueador infame morto por Qhorin
Meia-Mão. Ou assim Tormund insistiu.
- Eles não parecem
irmãos - Jon observou.
- Meio-irmãos,
nascidos de mães diferentes. O membro de Alfyn era uma coisa
pequenina, ainda menor do que o seu, mas ele nunca teve vergonha
quanto a onde enfiá-lo. Teve um filho em cada vila, aquele lá.
Sobre certo menino
mirrado com cara de rato, Tormund disse:
- Aquele ali é
filhote de Varamyr Seis-Peles. Você se lembra de Varamyr, Lorde
Corvo?
Ele se lembrava.
- O troca-peles.
- Sim, ele era
isso. Um tampinha cruel, aquele lá. Morto, provavelmente. Ninguém o
viu desde a batalha.
Dois dos meninos
eram meninas disfarçadas. Quando Jon as viu, mandou Rory e Grande
Liddle trazê-las até ele. Uma veio humildemente, a outra, chutando
e mordendo. Isso pode acabar mal.
- Esses dois têm
pais famosos?
- Har! Essas coisas
magrelas? Provavelmente, não. Escolhidos em sorteio.
- São meninas.
- São? - Tormund
olhou de soslaio para as duas, de cima de sua sela. - Eu e Lorde
Corvo fizemos uma aposta sobre qual de vocês tem o membro maior.
Abaixem as calças para que possamos dar uma olhada.
Uma das garotas
ficou vermelha. A outra encarou desafiadoramente.
- Nos deixe em paz,
Tormund Fedor dos Gigantes. Nos deixe ir.
- Har! Você
ganhou, corvo. Não tem um pau entre elas. A pequena tem colhões, no
entanto. Uma esposa de lança em formação, essa. - Chamou seus
próprios homens. - Encontrem algo feminino para elas, antes que
Lorde Snow molhe o calção.
- Preciso de dois
meninos para o lugar delas.
- Como é isso? -
Tormund coçou a barba. - Um refém é um refém, me parece. Essa sua
grande espada afiada pode arrancar a cabeça de uma menina tão fácil
quanto a de um menino. Um pai ama suas filhas também. Bem, a maioria
dos pais.
Não são os pais
delas que me preocupam.
- Mance alguma vez
cantou Bravo Danny Flint?
- Não que eu me
lembre. Quem era ele?
- Uma garota que se
vestiu de menino para tomar o negro. Sua canção é triste e bonita.
O que aconteceu com ela não foi. - Em algumas versões da canção,
seu fantasma ainda caminhava pelo Fortenoite. - Enviarei as garotas
para Monte Longo. - Os únicos homens lá eram Emmett de Ferro e Edd
Doloroso, ambos de sua confiança. Isso não era algo que poderia
dizer de todos os seus irmãos.
O selvagem
entendeu.
- Aves nojentas,
seus corvos. - Cuspiu. - Mais dois meninos, então. Você os terá.
Quando noventa e
nove reféns haviam passado por eles para atravessar por baixo da
Muralha, Tormund Terror dos Gigantes apresentou o último.
- Meu filho, Dryn.
Garanta que ele seja bem cuidado, corvo, ou cozinharei seu fígado
negro e o comerei.
Jon fez uma
inspeção rigorosa no menino. A idade de Bran, ou a idade que teria
se Theon não o tivesse matado. Dryn não tinha nada da doçura de
Bran, no entanto. Era um rapaz robusto, com pernas curtas, braços
grossos e um largo rosto vermelho; uma versão em miniatura do pai,
com um tufo de cabelo castanho-escuro.
- Ele servirá como
meu próprio pajem - Jon prometeu a Tormund.
- Ouviu isso, Dryn?
Não vai ficar se achando o tal. - Para Jon, disse: - Ele precisará
de uma boa sova de tempos em tempos. Mas tome cuidado com os dentes.
Ele morde. - Pegou seu berrante novamente, ergueu-o e deu outro
sopro.
Dessa vez, foram os
guerreiros que se adiantaram. E não era apenas uma centena deles.
Quinhentos, Jon julgou, enquanto saíam debaixo das árvores, talvez
mais de mil. Um em cada dez vinha montado, mas todos vinham com
armas. Carregavam nas costas escudos de vime redondos cobertos com
peles e couro cozido, mostrando imagens pintadas de cobras e aranhas,
cabeças decepadas, martelos ensanguentados, crânios quebrados e
demônios. Alguns poucos vestiam aço roubado, partes de armaduras
amassadas saqueadas de cadáveres de patrulheiros caídos. Outros
usavam armaduras de ossos, como Camisa de Chocalho. Todos vestiam
peles e couros.
Havia esposas de
lança com eles, com longos cabelos. Jon não podia olhar para elas
sem se lembrar de Ygritte; o brilho do fogo nos cabelos, o olhar em
seu rosto quando se despiu para ele na gruta, o som de sua voz.
- Você não sabe
nada, Jon Snow - ela lhe dissera, uma centena de vezes.
É tão verdade
agora quanto era então.
- Você devia
mandar as mulheres primeiro - disse para Tormund. - As mães e as
donzelas.
O selvagem lhe deu
um olhar astuto.
- Sim, eu devia. E
seus corvos podiam decidir fechar o portão. Com alguns guerreiros do
outro lado, bem, desse jeito o portão fica aberto, não é? -
Sorriu. - Comprei seu maldito cavalo, Jon Snow. Não quer dizer que
não podemos contar os dentes dele. Agora não fique pensando que eu
e os meus não confiamos em você. Confiamos em você tanto quanto
confia em nós. - Bufou. - Você queria guerreiros, não é? Bem, aí
estão eles. Cada um vale seis dos seus corvos negros.
Jon teve que
sorrir.
- Desde que guardem
essas armas para nosso inimigo comum, estou satisfeito.
- Dei minha palavra
nisso, não dei? A palavra de Tormund Terror dos Gigantes. Forte como
ferro. - Ele se virou e cuspiu.
Entre os guerreiros
estavam os pais de muitos reféns de Jon. Alguns o encaravam com
frios olhos mortos conforme passavam, alisando o punho da espada.
Outros sorriam para ele como para um parente havia muito perdido,
embora alguns desses sorrisos desconcertassem Jon Snow mais do que
qualquer olhar penetrante. Nenhum se ajoelhou, mas muitos fizeram
juramentos.
- O que Tormund
jurou, eu juro - declarou Brogg, um homem de cabelo negro e poucas
palavras.
Soren Quebrescudo
inclinou a cabeça alguns centímetros e rosnou:
- O machado de
Soren é seu, Jon Snow, se alguma vez; precisar dele.
O barba-ruiva
Gerrick Sanguederrei trouxe três filhas:
- Serão belas
esposas, e darão a seus maridos filhos fortes de sangue real -
gabou-se. - Como seu pai, elas descendem de Raymun Barbarruiva, que
foi Rei-para-Lá-da-Muralha.
Sangue significava
pouco e ainda menos entre o povo livre, Jon sabia. Ygritte lhe
ensinara aquilo. As filhas de Gerrick partilhavam o mesmo cabelo
vermelho-fogo dela, embora o de Ygritte fosse cheio de cachos e os
das meninas fossem longos e lisos. Beijadas pelo fogo.
-
Três princesas, cada uma mais adorável que a outra - disse ao pai
delas. - Farei com que sejam apresentadas à rainha. - Selyse
Baratheon se daria melhor com essas três do que com Val, ele
suspeitava; elas eram jovens, e consideravelmente mais amedrontadas.
Doces o suficiente para se olhar para elas, embora o pai pareça um
tolo.
Howd Andarilho fez;
o juramento sobre sua espada, o pedaço de ferro mais cortado e
picotado que Jon já vira. Devyn Peledefoca o presenteou com um
chapéu de pele de foca, Harle, o Caçador, com um colar de garras de
urso. A feiticeira guerreira Morna tirou sua máscara de represeiro o
tempo suficiente para beijar a mão enluvada de Jon e jurar ser seu
homem ou sua mulher, o que ele preferisse. E assim foi, um e mais
outro e outro.
Conforme passava,
cada guerreiro tirava seus tesouros e os jogava em uma das carroças
que os intendentes haviam colocado antes dos portões. Pingentes de
âmbar, tores de ouro, adagas incrustadas de pedras, broches de prata
com pedras preciosas, braceletes, anéis, taças de nielo, cálices
de ouro, berrantes de guerra e cornos de beber, um pente de jade
verde, um colar de pérolas de água doce... todos entregues e
anotados por Bowen Marsh. Um homem entregou uma camisa de escamas de
prata que certamente fora feita para algum grande senhor. Outro
apresentou uma espada quebrada com três safiras no cabo.
E havia coisas mais
estranhas: um mamute de brinquedo feito de pelo de mamute verdadeiro,
um falo de marfim, um elmo feito com a cabeça de um unicórnio,
incluindo o chifre. Quanta comida essas coisas comprariam nas Cidades
Livres, Jon Snow não era capaz de dizer.
Depois dos
saqueadores vieram os homens da Costa Gelada. Jon assistiu a uma
dúzia de suas grandes carruagens de ossos passar por ele, uma a uma,
rangendo como Camisa de Chocalho. Metade ainda rolava como antes;
outras haviam trocado suas rodas por esquis. Essas deslizavam pelos
montes de neve suavemente, enquanto as com rodas encalhavam e
afundavam.
Os cães que
puxavam as carroças eram bestas assustadoras, tão grandes quanto
lobos gigantes. As mulheres vestiam peles de foca, algumas com bebês
nos peitos. Crianças mais velhas se arrastavam atrás da mãe e
olhavam para Jon com olhos tão escuros e duros quanto as pedras que
seguravam. Alguns dos homens usavam galhadas no chapéu, e outros,
presas de morsas. Os dois tipos não amavam um ao outro, ele logo
percebeu. Algumas renas magras vieram atrás, com os grandes cães
agarrando os calcanhares dos retardatários.
- Tenha cuidado com
este grupo, Jon Snow - Tormund o avisou. - Um povo primitivo. Os
homens são maus, as mulheres, piores. - Pegou um odre de sua sela e
o ofereceu para Jon. - Aqui. Isso os fará parecer menos temíveis,
talvez. E aquecerá você durante a noite. Não, aceite, é seu
agora. Tome um bom gole.
Dentro havia um
hidromel tão forte que fez os olhos de Jon se encherem de lágrimas
e enviou ondas de fogo serpenteando por seu peito. Tomou um bom gole.
- Você é um bom
homem, Tormund Bebê dos Gigantes. Para um selvagem.
- Melhor do que a
maioria, talvez. Não tão bom quanto alguns.
Um após o outro,
os selvagens vieram, enquanto o sol rastejava pelo brilhante céu
azul. Logo depois do meio-dia, o movimento parou quando um carro de
boi ficou entalado em uma curva dentro do túnel. Jon Snow entrou
para dar uma olhada. O carro estava bem preso. Os homens que vinham
atrás ameaçavam desmontar o carro e matar o boi onde ele estava,
enquanto o condutor e seus parentes juravam matar quem tentasse. Com
a ajuda de Tormund e seu filho Toregg, Jon conseguiu evitar que os
selvagens chegassem às vias de fato, mas levou quase uma hora até
que o caminho fosse aberto novamente.
- Você precisa de
um portão maior - Tormund reclamou para Jon, com um olhar azedo para
o céu, onde algumas nuvens haviam aparecido. - Este maldito caminho
é muito lento. É como chupar o Guadeleite com um junco. Har. Queria
ter o Berrante de Joramun. Daria uma boa soprada nele e nós
escalaríamos os escombros.
- Melisandre
queimou o Berrante de Joramun.
-
Queimou? - Tormund deu um tapa na coxa e assobiou. - Ela queimou
aquele belo berrante, sim. Um maldito pecado, eu digo. Tinha mais de
mil anos. Nós o encontramos no túmulo de um gigante, e nenhum de
nós tinha visto um berrante tão grande. Deve ter sido por isso que
Mance teve a ideia de falar para você que era de Joramun. Ele queria
que os corvos pensassem que ele tinha o poder de soprar sua maldita
Muralha para baixo. Mas nunca encontramos o verdadeiro berrante, nem
com tudo o que cavamos. Se tivéssemos, cada ajoelhador nos seus Sete
Reinos teria pedras de gelo para esfriar seu vinho por todo o verão.
Jon se virou em sua
sela, franzindo o cenho. E Joramun soprou o Berrante do Inverno e
acordou gigantes da terra. Aquele berrante enorme com suas faixas de
ouro velho e inscrições de runas antigas ... teria Mance Rayder
mentido para ele, ou era Tormund quem estava mentindo agora? Se o
berrante de Mance era uma farsa, onde está o verdadeiro?
Durante a tarde, o
sol se foi e o dia se tornou cinza e tempestuoso.
- Um céu de neve -
Tormund anunciou gravemente.
Outros pareciam ter
visto o mesmo presságio naquelas nuvens brancas monótonas.
Aparentemente aquilo os apressava. Os ânimos acirrados deram início
a uma briga. Um homem estava esfaqueando outro que tentou passar na
frente dos que estavam na fila havia horas. Toregg arrancou a faca do
atacante, arrastou os dois homens à força e os levou de volta para
o acampamento dos selvagens, para começarem novamente.
- Tormund - Jon
falou, enquanto observavam quatro velhas puxarem uma carroça cheia
de crianças pelo portão - fale-me sobre nosso inimigo. Eu gostaria
de saber tudo o que há para se saber sobre os Outros.
O selvagem esfregou
a boca.
- Não aqui -
murmurou - não neste lado da sua Muralha. - O velho olhou de
relance, inquieto, em direção às árvores em seus mantos brancos.
- Eles nunca estão longe, você sabe. Não virão durante o dia, não
enquanto este velho sol estiver brilhando, mas não pense que isso
significa que se foram. Sombras nunca vão embora. Pode ser que você
não as veja, mas elas sempre estão agarradas aos seus calcanhares.
- Eles o
incomodaram no seu caminho para o sul:
- Nunca atacaram em
bloco, se é o que quer dizer, mas estavam conosco do mesmo jeito,
comendo pelas beiradas. Perdemos mais batedores do que gosto de
pensar, e valia sua vida ficar para trás ou seguir adiante. A cada
noite cercávamos nossos acampamentos com fogo. Eles não gostam
muito de fogo, sem dúvida alguma. Quando a neve vinha, no entanto
... neve, granizo e geada, é muito difícil encontrar lã seca ou
manter seus gravetos acesos, e o frio ... algumas noites nossos fogos
pareciam apenas tremeluzir e morrer. Em noites como essa, você
sempre encontra algum morto quando vem a manhã. A menos que eles
encontrem você antes. Na noite em que Torwynd ... meu menino, ele
... - Tormund virou o rosto.
- Eu sei - disse
Jon Snow.
Tormund virou-se de
volta.
- Você não sabe
nada. Você matou um homem morto, sim, eu ouvi dizer. Mance matou uma
centena. Um homem pode lutar contra os mortos, mas quando os mestres
deles vêm, quando a névoa branca se levanta ... como se luta contra
uma névoa, corvo? Sombras com dentes ... o ar tão frio que dói
respirar, como uma faca dentro do seu peito ... você não sabe, você
não pode saber... sua espada pode cortar o frio?
Veremos, Jon
pensou, lembrando-se das coisas que Sam lhe contara, as coisas que
encontrara nos velhos livros. Garralonga havia sido forjada nos fogos
da antiga Valíria, forjada em chama de dragão e feita com feitiços.
Aço de dragão, Sam chamou. Mais forte do que qualquer aço comum,
mais leve, mais resistente, mais afiado ... Mas palavras em um livro
eram uma coisa. O teste verdadeiro viria em batalha.
- Você não está
errado - Jon falou. - Eu não sei. E, se os deuses forem bons, nunca
saberei.
- Os deuses
raramente são bons, Jon Snow. - Tormund acenou com a cabeça em
direção ao céu. - As nuvens estão aumentando. Já está ficando
mais escuro, mais frio. Sua Muralha não chora mais. Olhe. - Ele se
virou e chamou seu filho, Toregg. - Cavalgue até o acampamento e
faça-os se mexerem. Os doentes, os fracos, os preguiçosos e os
covardes, coloquem todos os malditos em pé. Coloque fogo nas
malditas tendas, se for necessário. O portão deve se fechar quando
a noite cair. Qualquer homem que não tenha atravessado a Muralha até
então deve rezar para que os Outros o alcancem antes de mim. Ouviu?
- Ouvi. - Toregg
apertou os calcanhares no cavalo e galopou para o fim da fila.
Um
após o outro, os selvagens vieram. O dia estava ficando mais escuro,
bem como Tormund dissera. Nuvens cobriam o céu de horizonte a
horizonte, e o calor fugia. Havia mais empurra-empurra no portão,
com homens, cabras e bois se acotovelando para se manter no caminho.
É mais do que impaciência, Jon percebeu. Estão com medo.
Guerreiros, esposas de lança, saqueadores, estão com medo destas
florestas, das sombras se movendo pelas árvores. Querem colocar a
Muralha entre eles antes que a noite caia.
Um floco de neve
dançou no ar. Então outro. Dance comigo, Jon Snow, ele pensou. Você
dançará comigo em breve.
Um após o outro,
os selvagens vieram. Alguns se moviam mais rápido agora, acelerando
enquanto atravessavam o campo de batalha. Outros - os velhos, os
jovens, os fracos - mal podiam se mover. Essa manhã, o campo
estivera coberto com um grosso cobertor de neve velha, sua crosta
branca brilhando no sol. Agora, o campo estava marrom, negro e
viscoso. A passagem do povo livre transformara o solo em lama e
sujeira: rodas de madeira, cascos de cavalo, esquis de ossos, de
chifres e de ferro, patas de porcos, botas pesadas, pegadas de vacas
e novilhos, os pés pretos descalços dos cornopés, tudo isso
deixara marcas. O chão mole atrasava ainda mais a fila.
- Você precisa de
um portão maior - Tormund reclamou novamente.
No final da tarde,
a neve caía constante, mas o rio de selvagens havia se reduzido a um
córrego. Colunas de fumaça subiam das árvores onde estava o
acampamento deles.
- Toregg - Tormund
explicou. - Queimando os mortos. Sempre tem quem vai dormir e não
acorda. Você os encontra em suas tendas, quando eles têm tendas,
enrolados e congelados. Toregg sabe o que fazer.
O córrego não era
mais que um fio de água quando Toregg emergiu da floresta. Com ele
vinha uma dúzia de cavaleiros montados e armados com lanças e
espadas.
- Minha retaguarda
- Tormund disse, com um sorriso meio banguela. - Seus corvos têm
patrulheiros. Eu também. Deixei eles no acampamento, caso fôssemos
atacados antes de todos partirem.
- Seus melhores
homens.
- Ou meus piores.
Cada um deles matou um corvo.
Entre os
cavaleiros, vinha um homem a pé, com um grande animal trotando em
seus calcanhares. Um javali, Jon viu. Um javali monstruoso. Com duas
vezes o tamanho de Fantasma, a criatura era coberta com um grosso
pelo negro, com presas tão compridas quanto o braço de um homem.
Jon nunca vira um javali tão imenso ou tão feio. O homem ao seu
lado não era bonito tampouco; corpulento e com sobrancelhas negras,
tinha nariz achatado, pesadas papadas escuras pela barba por fazer e
olhos pequenos e juntos.
- Borroq. - Tormund
virou a cabeça e cuspiu.
- Um troca-peles. -
Isso não era uma pergunta. De algum modo, ele sabia.
Fantasma virou a
cabeça. A neve que caía havia mascarado o cheiro do javali, mas
agora o lobo branco o farejara. Foi para a frente de Jon, os dentes
arreganhados em um rosnado silencioso.
- Não! - Jon
vociferou. - Fantasma, quieto. Fique. Fique!
- Javalis e lobos -
disse Tormund. - Melhor manter esta sua besta trancada esta noite.
Vou me assegurar que Borroq faça o mesmo com seu porco. - Olhou de
relance para o céu escurecendo. - São os últimos, e já não é
sem tempo. Vai nevar toda a noite, sinto isso. Já é hora de eu dar
uma olhada do outro lado de todo esse gelo.
- Vá em frente -
Jon falou para ele. - Pretendo ser o último a atravessar o gelo. Me
juntarei a você no banquete.
- Banquete? Har!
Agora, essa é uma palavra que gosto de ouvir. - O selvagem virou seu
garrano em direção à Muralha e deu um tapa no traseiro do animal.
Toregg e os cavaleiros seguiram, desmontando no portão para
atravessar com os cavalos. Bowen Marsh ficara tempo o suficiente para
supervisionar enquanto seus intendentes empurravam as últimas
carroças pelo túnel. Apenas Jon Snow e seus guardas ficaram.
O troca-peles parou
a dez metros. Seu monstro dava patadas na lama, fungando. Uma leve
camada de neve cobria as costas negras e curvadas do javali. Ele deu
uma fungada e baixou a cabeça, e, por meio segundo, Jon pensou que
estivesse prestes a atacar. Os homens que o ladeavam baixaram as
lanças.
- Irmão - disse
Borroq.
- É melhor você
ir. Estamos prestes a fechar o portão.
- Faça isso -
Borroq falou. - Feche bem e apertado. Eles estão vindo, corvo. -
Sorriu o sorriso mais feio que Jon já vira e seguiu para o portão.
O javali seguiu atrás dele. A neve que caía cobriu seus rastros.
- Está feito,
então - Rory comentou, quando partiram.
Não, pensou Jon
Snow, isso apenas começou.
Bowen Marsh estava
esperando por ele ao sul da Muralha, com uma tabela cheia de números.
- Três mil, cento
e dezenove selvagens passaram pelo portão hoje - o Senhor Intendente
comunicou. - Sessenta dos nossos reféns foram enviados para
Atalaialeste e para Torre Sombria depois que foram alimentados. Edd
Tollett levou seis carroções de mulheres para Monte Longo. O
restante permanece conosco.
- Não por muito
tempo - Jon prometeu a ele. - Tormund pretende liderar seu próprio
povo para Escudo de Carvalho em um dia ou dois. Os demais seguirão,
assim que resolvermos onde vamos colocá-los.
- Como queira,
Lorde Snow. - As palavras eram duras. O tom sugeria que Bowen Marsh
sabia onde ele os colocaria.
O castelo para o
qual Jon retornou era muito diferente daquele que tinha deixado
naquela manhã. Durante todo o tempo que o conhecera, Castelo Negro
fora um lugar de silêncios e sombras, onde homens de negro de uma
pequena companhia se moviam como fantasmas entre as ruínas de uma
fortaleza que uma vez hospedara dez vezes seu número. Tudo aquilo
mudara. Luzes agora brilhavam através de janelas nas quais Jon Snow
nunca vira luzes brilhando antes. Estranhas vozes ecoavam pelos
pátios, e o povo livre ia e vinha pelos caminhos congelados que por
anos conhecera apenas as botas negras dos corvos. Do lado de fora das
barracas do Velho Flint, cruzou com uma dúzia de homens jogando neve
uns nos outros. Brincando, Jon pensou, atônito, homens feitos
brincando como crianças, atirando bolas de neve do jeito que Bran e
Arya fizeram um dia, e Robb e eu antes deles.
O velho arsenal de
Donal Noye, no entanto, ainda estava escuro e silencioso, e os
aposentos de Jon atrás da velha forja ainda estavam mais escuros.
Mas nem bem tinha tirado o manto quando Dannel colocou a cabeça pela
porta para anunciar que Clydas havia trazido uma mensagem.
- Mande-o entrar. -
Jon acendeu uma vela fina com a brasa de seu braseiro, e três outras
velas com ela.
Clydas entrou,
rosado e piscando, o pergaminho agarrado em uma mão macia.
- Perdoe-me, Senhor
Comandante. Sei que deve estar cansado, mas imaginei que iria querer
ver isso imediatamente.
- Fez bem. - Jon
leu:
Em Durolar, com
seis navios. Mares selvagens. Melro perdido com toda a tripulação,
dois navios lisenos encalhados em Skane, Garra fazendo água. Muito
ruim aqui. Selvagens comendo seus próprios mortos. Coisas mortas nos
bosques. Capitães bravosis levarão apenas mulheres e crianças em
seus navios. A feiticeira nos chama de traficantes de escravos.
Tentativa de tomar Corvo da Tormenta derrotada, seis da tripulação
mortos, muitos selvagens. Oito corvos partiram. Coisas mortas na
água. Enviar ajuda por terra, mares devastados por tempestades. Do
Garra, pela mão de Meistre Harmune.
Cotter Pyke fizera
sua marca com raiva embaixo.
- É grave, meu
senhor? - perguntou Clydas.
- Grave o
suficiente. - Coisas mortas nos bosques. Coisas mortas na água. Seis
navios sobraram, dos onze que zarparam. Jon Snow enrolou o
pergaminho, franzindo o cenho. A noite cai, pensou, e, agora, minha
guerra começa.
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