sexta-feira, 4 de outubro de 2013

63 - VICTARION


O mar estava negro e a lua, prateada, quando a Frota de Ferro caiu sobre a presa.
Eles a viram no estreito entre a Ilha de Cedros e as colinas escarpadas do interior astapori, exatamente como o sacerdote negro Moqorro dissera que encontrariam.
- Ghiscari - Aguado Pyke gritou do cesto do alto do mastro. Victarion Greyjoy viu a vela ficar cada vez maior do castelo de proa. Logo veria os remos levantando e baixando, e o longo rastro branco atrás do barco, brilhando na lua como uma cicatriz no mar.
Não é um navio de guerra de verdade, Victarion percebeu. Uma galé mercante, e das grandes. Daria um bom prêmio. Fez sinal para os capitães atacarem. Tinham que invadir o navio e tomá-lo.
O capitão da galé já percebera o perigo. Mudou o curso para oeste, em direção à Ilha de Cedros, talvez na esperança de se abrigar em alguma enseada escondida, ou de levar seus perseguidores até as pedras irregulares ao longo da costa nordeste da ilha. A galé, no entanto, estava sobrecarregada, e os homens de ferro estavam a favor do vento. O Luto e o Vitória de Ferro bloquearam o caminho da galé até as pedras, enquanto o rápido Gavião e o ágil Dança dos Dedos aproximavam-se por trás. Mesmo assim, o capitão ghiscari não abaixou sua bandeira. A essa altura, o Lamentação chegou ao lado da presa, encostando a bombordo e estilhaçando seus remos, os dois navios tão próximos das ruínas assombradas de Ghozai que podiam ouvir os macacos tagarelando enquanto as primeiras luzes da madrugada cobriam as pirâmides quebradas da cidade.
O prêmio chamava-se Aurora Ghiscari, disse o capitão da galé, quando foi levado acorrentado até Victarion. Tinha saído de Nova Ghis e retornava para lá por Yunkai, após negociar em Meereen. O homem não falava nenhuma língua decente, apenas um ghiscari gutural, cheio de rosnados e assobios, o idioma mais feio que Victarion Greyjoy já havia ouvido. Moqorro traduziu as palavras do capitão para a Língua Comum de Westeros. A guerra por Meereen estava ganha, o capitão afirmava; a rainha dragão estava morta e um ghiscari chamado Hizdahr governava a cidade.
Victarion mandou arrancar a língua do homem por mentir. Daenerys Targaryen não estava morta, Moqorro lhe assegurara; seu deus vermelho R'hllor havia lhe mostrado o rosto da rainha em suas chamas sagradas. Victarion não podia tolerar mentiras, então o capitão ghiscari teve as mãos e os pés amarrados e foi atirado ao mar, como sacrifício para o Deus Afogado.
- Seu deus vermelho terá o que lhe é devido - prometeu para Moqorro - mas os mares são governados pelo Deus Afogado.
- Não há outros deuses além de R'hllor e do Outro, cujo nome não deve ser dito. - O sacerdote feiticeiro estava vestido todo de negro, com exceção de um fio dourado na gola, punhos e bainhas. Não havia tecido vermelho a bordo do Vitória de Ferro, mas não era justo que Moqorro ficasse com os trapos manchados de sal que usava quando a Ratazana o pescou do mar. Então Victarion ordenou que Tom Tidewood costurasse novas túnicas para ele com o que tivesse à mão, e até mesmo doara algumas de suas próprias roupas para esse fim. Eram negras e douradas, por causa das armas da Casa Greyjoy que traziam uma lula gigante dourada em um campo negro, e os estandartes e as velas de seus navios mostravam a mesma imagem. As túnicas carmesins e escarlate dos sacerdotes vermelhos eram estranhas aos homens de ferro, mas Victarion esperava que seus homens pudessem aceitar Moqorro mais facilmente uma vez que estivesse vestido nas cores Greyjoy.
Sua esperança foi vã. Vestido de negro da cabeça aos pés, com uma máscara vermelha e laranja de chamas tatuadas no rosto, o sacerdote parecia mais sinistro do que nunca. A tripulação o evitava quando ele caminhava pelo convés, e os homens cuspiam se a sombra do sacerdote caísse sobre eles. Mesmo a Ratazana, que havia pescado Moqorro no mar, incitara Victarion a dá-lo ao Deus Afogado.
Mas Moqorro conhecia esses estranhos litorais de modos que os homens de ferro não conheciam, e segredos dos dragões também. Se o Olho de Corvo pode ter bruxos, por que eu não posso? Seu feiticeiro negro era mais poderoso do que todos os três de Euron, mesmo se jogasse todos eles numa panela e os transformasse em apenas um. O Cabelo Molhado desaprovaria, mas Aeron e suas devoções estavam muito distantes.
Então Victarion fechou a mão queimada em um punho poderoso e disse:
- Aurora Ghiscari não é um bom nome para um navio da Frota de Ferro. Por você, feiticeiro, eu o renomearei Ira do Deus Vermelho.
Seu feiticeiro inclinou a cabeça.
- Como meu capitão queira. - E os navios da Frota de Ferro somavam cinquenta e quatro novamente.
No dia seguinte, uma tempestade repentina caiu sobre eles. Moqorro previra aquilo também. Quando as chuvas passaram, três navios haviam desaparecido. Victarion não tinha como saber se tinham afundado, encalhado ou saído do curso.
- Eles sabem para onde estamos indo - disse para a tripulação. - Se ainda estão flutuando, nós os encontraremos novamente.
O capitão de ferro não tinha tempo para esperar por retardatários. Não com sua noiva cercada por inimigos. A mulher mais bonita do mundo precisa urgentemente do meu machado.
Além disso, Moqorro lhe assegurara que os três navios não estavam perdidos. A cada noite, o sacerdote feiticeiro acendia uma fogueira no castelo de proa do Vitória de Ferro e caminhava ao redor das chamas, entoando orações. A luz do fogo fazia sua pele negra brilhar como ônix polido, e, algumas vezes, Victarion podia jurar que as chamas tatuadas no rosto dele também dançavam, contorcendo-se e dobrando-se, fundindo-se umas nas outras, as cores mudando cada vez que o sacerdote virava a cabeça.
- O sacerdote negro está chamando demônios sobre nós - ouviram um remador dizer. Quando aquilo foi relatado para Victarion, ele mandou que o homem fosse açoitado até que suas costas estivessem ensanguentadas dos ombros às nádegas. Então, quando Moqorro disse:
- Suas ovelhas perdidas retornarão ao rebanho depois da ilha chamada Yaros.
O capitão respondeu:
- Reze para que sim, sacerdote. Ou você pode ser o próximo a sentir o gosto do chicote.
O mar estava azul e verde, e o sol resplandecia em um limpo céu azul quando a Frota de Ferro conseguiu seu segundo prêmio, nas águas a noroeste de Astapor.
Dessa vez era uma coca de Myr chamada Pomba, que estava a caminho de Yunkai, passando por Nova Ghis, com um carregamento de tapetes, vinhos verdes doces e renda myrish. Seu capitão tinha um olho de Myr que fazia coisas distantes parecerem próximas - duas lentes de vidro em uma série de tubos de cobre, ardilosamente forjados para que cada seção deslizasse dentro da seguinte, até que o olho não fosse maior do que um punhal. Victarion reivindicou aquele tesouro para si. A coca foi renomeada Picanço. A tripulação seria mantida para resgate, o capitão decretou. Não eram nem escravos nem mercadores de escravos, mas homens livres de Myr e marinheiros experientes. Tais homens valiam um bom dinheiro. Zarpando de Myr, o Pomba não trouxe nenhuma notícia fresca de Meereen ou Daenerys, apenas relatos obsoletos de cavaleiros dothrakis ao longo do Roine, da Companhia Dourada em marcha, e outras coisas que Victarion já sabia.
- O que você vê? - o capitão perguntou para seu sacerdote negro naquela noite, quando Moqorro ficou diante de sua fogueira noturna. - O que nos espera amanhã? Mais chuva? - Para ele, o ar estava com cheiro de chuva.
- Céus cinzentos e ventos fortes - disse Moqorro. - Nenhuma chuva. Atrás vêm os tigres. Adiante, seu dragão aguarda.
Seu dragão. Victarion gostou de como aquilo soou.
- Diga-me algo que eu não saiba, sacerdote.
- O capitão ordena, e eu obedeço - falou Moqorro. A tripulação começara a chamá-lo de Chama Negra, nome dado pelo Gago Steffar, que não conseguia dizer "Moqorro". Qualquer que fosse o nome, o sacerdote tinha poderes. - A linha costeira aqui vai de oeste para leste - ele disse para Victarion. - Onde ela vira para o norte, você conseguirá mais duas lebres. Rápidas, com muitas pernas.
E assim aconteceu. Dessa vez, a presa provou ser um par de galeras, longas, elegantes e velozes. Ralf, o Coxo, foi o primeiro a vê-las, mas elas logo se distanciaram do Aflição e do Esperança Perdida, então Victarion enviou Vento de Ferro, Gavião e Beijo da Lula Gigante para persegui-los. Ele não tinha navios mais rápidos do que aqueles três. A perseguição durou grande parte do dia, mas no final as duas galeras foram abordadas e tomadas, depois de lutas breves e brutais. Estavam navegando vazias, Victarion descobriu, indo para Nova Ghis para carregar suprimentos e armas para as legiões ghiscaris acampadas do lado de fora de Meereen ... e para levar novos legionários à guerra, para substituir os homens que haviam morrido.
- Homens mortos em batalha? - perguntou Victarion. As tripulações das galeras negaram; as mortes eram do fluxo sangrento. A égua descorada, eles chamavam. E, como o capitão do Aurora Ghiscari, os capitães das galeras repetiram a mentira que Daenerys Targaryen estava morta.
- Deem a ela um beijo por mim em qualquer que seja o inferno que a encontrem - Victarion disse. Pediu seu machado e cortou as cabeças deles ali mesmo. Depois, condenou as tripulações à morte também, salvando apenas os escravos acorrentados aos remos. Quebrou as correntes deles e lhes disse que agora eram homens livres e que teriam o privilégio de remar para a Frota de Ferro, uma honra que todo garoto das Ilhas de Ferro sonhava ter quando crescesse. - A rainha dragão liberta escravos, e eu faço o mesmo - proclamou.
Renomeou as galeras como Fantasma e Sombra.
- Elas voltarão e assombrarão esses yunkaítas - disse para a mulher morena naquela noite, depois que teve seu prazer com ela. Estavam perto, agora, e ficando mais perto a cada dia. - Cairemos sobre eles como um raio - falou, enquanto apertava o seio da mulher. Ele se perguntava se era assim que seu irmão Aeron se sentia quando o Deus Afogado falava com ele. Quase podia ouvir a voz do deus brotando das profundezas do mar. Você deve me servir bem, meu capitão, as ondas pareciam dizer. Foi para isso que fiz você.
Mas ele alimentaria o deus vermelho também, o deus das chamas de Moqorro. O braço que o sacerdote curara estava horrível de se ver, um torresmo de porco do cotovelo à ponta dos dedos. Algumas vezes, quando Victarion fechava a mão, a pele se abria e soltava fumaça, e mesmo assim o braço estava mais forte do que jamais estivera.
- Dois deuses estão comigo agora - disse para a mulher morena. - Nenhum inimigo consegue se sustentar diante de dois deuses. - Então a virou de costas e a tomou mais uma vez.
Quando as falésias de Yaros apareceram a bombordo, Victarion encontrou os três navios perdidos esperando por ele, exatamente como Moqorro prometera. O capitão deu ao sacerdote um torc de ouro como recompensa.
Agora, tinha que fazer uma escolha: arriscaria ir pelo estreito, ou faria a Frota de Ferro circundar a ilha? A lembrança da Ilha Leal ainda incomodava o capitão de ferro. Stannis Baratheon descera sobre a Frota de Ferro pelo norte e pelo sul, simultaneamente, enquanto ficavam presos no canal entre a ilha e o continente, levando Victarion à sua mais esmagadora derrota. Mas navegar ao redor de Yaros custaria dias preciosos. Com Yunkai tão perto, a navegação pelo estreito devia ser lenta, mas ele não esperava encontrar navios de guerra yunkaítas até estarem mais perto de Meereen.
O que o Olho de Corvo faria? Meditou sobre aquilo por um tempo, então fez sinal para seus capitães.
- Navegaremos pelo estreito.
Mais três prêmios foram tomados antes que Yaros sumisse em sua popa. Uma gorda galé foi capturada pelo Ratazana e o Luto, e uma galera mercante por Marfryd Merlyn, no Pipa. Seus porões estavam cheios de mercadorias, vinhos, sedas e especiarias, madeiras raras e perfumes mais raros ainda, mas os próprios navios eram o prêmio verdadeiro. Mais tarde, naquele dia, um veleiro de pesca foi tomado pelo Sete Crânios e pelo Ruína da Servidão. Era uma coisa pequena, lenta e suja, que dificilmente valeria o esforço da abordagem. Victarion não gostou de saber que foram necessários dois de seus navios para capturar os pescadores. Mesmo assim, foi dos lábios deles que escutou a história do retorno do dragão.
- Ela voou no dragão, para além do mar dothraki.
- Onde é o mar dothraki? - ele exigiu saber. - Navegarei com a Frota de Ferro por ele e encontrarei a rainha onde quer que ela esteja.
O pescador riu em voz alta.
- Isso é uma coisa que valeria a pena ver. O mar dothraki é feito de grama, seu tolo.
Ele não devia ter dito aquilo. Victarion agarrou pela garganta com sua mão queimada e o levantou no ar. Batendo suas costas contra o mastro, apertou até que o rosto do yunkaíta ficasse negro como os dedos que penetravam em sua carne. O homem chutou e se contorceu por um momento, tentando inutilmente se soltar do aperto do capitão.
- Nenhum homem chama Victarion Greyjoy de tolo e vive para se gabar disso. - Quando abriu a mão, o corpo mole do homem caiu no convés. Aguado Pyke e Tom Tidewood o atiraram pela amurada, outra oferta ao Deus Afogado.
- Seu Deus Afogado é um demônio - o sacerdote negro Moqorro disse, mais tarde. - Ele não é mais do que um servo do Outro, o deus sombrio cujo nome não deve ser dito.
- Tome cuidado, sacerdote - Victarion o avisou. - Há homens piedosos a bordo deste navio que arrancariam sua língua por falar tais blasfêmias. Seu deus vermelho terá seu tributo, eu prometo. Minha palavra é de ferro. Pergunte para qualquer um.
O sacerdote negro inclinou a cabeça.
- Não há necessidade. O Senhor da Luz me mostrou seu valor, senhor capitão. A cada noite, em minhas chamas, vislumbro a glória que aguarda por você.
Aquelas palavras agradaram Victarion Greyjoy imensamente, como disse à mulher morena naquela noite.
- Meu irmão Balon foi um grande homem - comentou - mas eu farei o que ele não pôde fazer. As Ilhas de Ferro serão livres novamente, e o Costume Antigo voltará. Nem mesmo Dagon pôde fazer isso. - Quase uma centena de anos se passara desde que Dagon Greyjoy sentou-se na Cadeira de Pedra do Mar, mas os homens de ferro ainda contavam histórias de suas pilhagens e batalhas. Na época de Dagon; um rei fraco sentava-se no Trono de Ferro, seus olhos remelentos fixos no outro lado do mar estreito, onde bastardos e exilados tramavam rebeliões. Então, Lorde Dagon saiu de Pyke para tornar seu o Mar do Pôr do Sol. - Ele enfrentou o leão em seu covil e deu nós no rabo do lobo gigante, mas nem mesmo Dagon pôde derrotar os dragões. Mas eu tornarei a rainha dragão minha. Ela partilhará minha cama e me dará muitos filhos poderosos.
Naquela noite, os navios da Frota de Ferro somavam sessenta.
Velas estranhas se tornavam mais comuns ao norte de Yaros. Estavam muito perto de Yunkai agora, e a costa entre a Cidade Amarela e Meereen estaria repleta de navios mercantes e de abastecimento indo e vindo, então Victarion levou a Frota de Ferro para águas mais profundas, além do alcance da vista de terra. Mesmo lá encontrariam outras embarcações.
- Não deixem ninguém escapar para avisar nossos inimigos - o capitão de ferro ordenou. Ninguém escapou.
O mar estava verde e o céu, cinza, na manhã em que Luto, Guerreira Meretriz e Vitória de Ferro do próprio Victarion capturaram a galé de traficantes de escravos de Yunkai nas águas exatamente ao norte da Cidade Amarela. Em seus porões estavam vinte garotos perfumados e quatro grupos de garotas destinados às casas de prazer de Lys. A tripulação jamais imaginara encontrar perigo em águas tão próximas de casa, e os homens de ferro tiveram pouco trabalho para tomar o navio. Chamava-se Donzela Disposta.
Victarion passou os traficantes de escravos pela espada, então enviou seus homens para baixo para desacorrentar os remadores.
- Vocês remam para mim, agora. Remem forte, e prosperarão. - Dividiu as garotas entre seus capitães. - Os lisenos transformariam vocês em prostitutas - disse para elas - mas nós salvamos vocês. Agora, terão que servir a apenas um homem, em vez de vários. Aquelas que agradarem seus capitães podem ser tomadas como esposas de sal, uma posição honrosa. - Os meninos perfumados foram enrolados em correntes e atirados ao mar. Eram criaturas não naturais, e o navio cheirou melhor depois que foi limpo da presença deles.
Para si, Victarion reivindicou as sete garotas mais seletas. Uma tinha cabelo vermelho-dourado e sardas nas tetas. Outra se depilava completamente. Outra tinha cabelos e olhos castanhos, e era tímida como um camundongo. Outra, ainda, tinha os maiores seios que ele já vira. A quinta era uma coisinha, com cabelos pretos lisos e pele dourada. Seus olhos eram da cor do âmbar. A sexta era branca como leite, com anéis dourados nos mamilos e nos lábios inferiores, a sétima era negra como tinta de lula. Os senhores de escravos de Yunkai as haviam treinado no caminho dos sete suspiros, mas não era para isso que Victarion precisava delas. Sua mulher morena era suficiente para satisfazer seus apetites até que pudesse chegar a Meereen e reivindicar sua rainha. Nenhum homem precisava de velas quando o sol aguardava por ele.
A galé foi renomeada como Grito dos Traficantes de Escravos. Com mais esse, os navios da Frota de Ferro chegaram a sessenta e um.
- Cada navio que capturamos nos deixa mais fortes - Victarion disse para seus homens de ferro - mas, a partir daqui, ficará mais difícil. Amanhã ou no dia seguinte, encontraremos navios de guerra. Estamos entrando nas águas de Meereen, onde as frotas de nossos inimigos aguardam por nós. Encontraremos navios de todas as Cidades-Escravos, navios de Tolos, de Elyria e Nova Ghis, até mesmo navios de Qarth. - Tomou cuidado de não mencionar as galés novas da Antiga Volantis que certamente estavam navegando pelo Golfo da Aflição enquanto falavam. - Esses senhores de escravos são coisas frágeis. Vocês viram como eles correm diante de nós, ouviram como guincham quando os passamos pela espada. Cada um de vocês vale vinte deles, pois somente nós somos feitos de ferro. Lembrem-se disso quando avistarmos a próxima vela de traficantes de escravos. Não deem trégua e não esperem por ela. Que necessidade temos de trégua? Somos homens de ferro, e dois deuses olham por nós. Vamos capturar seus navios, esmagar suas esperanças e transformar a baía deles em sangue.
Um grande clamor seguiu-se às suas palavras. O capitão respondeu com um aceno de cabeça, o rosto sério, e então pediu que as sete garotas que havia reivindicado fossem trazidas ao convés, as mais adoráveis de todas encontradas a bordo do Donzela Disposta. Beijou cada uma nas bochechas e falou-lhes da honra que as aguardava, embora elas não entendessem o que ele dizia. Então, colocou-as a bordo do veleiro de pesca que haviam capturado, desamarrou-o e colocou fogo nele.
- Com esse presente de inocência e beleza, honramos os dois deuses - proclamou, enquanto os barcos de guerra da Frota de Ferro passavam remando pelo veleiro em chamas. - Que essas garotas renasçam na luz, sem máculas pelas luxúrias mortais, ou que desçam até os salões molhados do Deus Afogado, para se banquetear, dançar e rir até que os mares sequem.
Perto do fim, antes que o veleiro queimado fosse engolido pelo mar, pareceu a Victarion Greyjoy que os gritos das sete doçuras tinham se transformado em um canto alegre. Um grande vento veio, então, um vento que inflou suas velas e os varreu para o norte e leste, e para o norte novamente, em direção a Meereen e suas pirâmides de tijolos multicoloridos. Nas asas da canção, voo até você, Daenerys, o capitão de ferro pensou.
Naquela noite, pela primeira vez, ele pegou o berrante do dragão que o Olho de Corvo encontrara entre as ruínas fumegantes da grande Valíria. Era uma coisa retorcida, com um metro e oitenta de ponta a ponta, negro cintilante, e unido com faixas de ouro vermelho e escuro aço valiriano. O berrante do inferno de Euron. Victarion correu a mão por ele. O berrante era morno e suave como as coxas da mulher morena, e tão brilhante que podia ver a imagem distorcida de seu rosto em suas profundezas. Estranhos escritos mágicos haviam sido entalhados nas faixas que o cingiam.
- Hieróglifos valirianos - Moqorro reconheceu.
Isso Victarion já sabia.
- O que dizem?
- Muito e ainda mais. - O sacerdote negro apontou para uma faixa dourada. - Aqui está o nome do berrante. Sou o Atador de Dragões, diz. Você já ouviu o som que ele faz?
- Uma vez. - Um dos mestiços de seu irmão havia soado o berrante do inferno na assembleia de homens livres, na Velha Wyk. Era um monstro de homem, imenso e de cabeça raspada, com anéis de ouro, âmbar negro e jade ao redor dos braços musculosos, e um grande falcão tatuado no peito. - O som que ele faz ... queima, de alguma maneira. Como se meus ossos estivessem pegando fogo, queimando minha carne por dentro. Esses escritos brilhavam vermelho-incandescente, depois branco-quente, doloroso de se olhar. Parecia que o som não acabaria nunca. Era como um longo grito. Mil gritos, todos fundidos em um só.
- E o homem que soprou o berrante, o que aconteceu com ele?
- Morreu. Apareceram bolhas em seus lábios, depois disso. Sua ave sangrava, também. - O capitão bateu no peito. - O falcão, bem aqui. Cada pena pingava sangue. Ouvi dizer que o homem estava todo queimado por dentro, mas pode ter sido só história.
- Uma história verdadeira - Moqorro virou o berrante do inferno, examinando as estranhas letras entalhadas em uma segunda faixa dourada. - Aqui diz; Nenhum homem mortal deve me fazer soar e viver.
Victarion meditou amargamente sobre a traição de irmãos. Os presentes de Euron são sempre envenenados.
- O Olho de Corvo jurou que este berrante prenderia os dragões à minha vontade. Mas como isso vai me servir se o preço é a morte?
- Seu irmão não tocou o berrante ele mesmo. Nem você deve fazer isso. - Moqorro apontou para a faixa de aço. - Sangue por fogo, fogo por sangue. Quem sopra o berrante, não importa. Os dragões virão para o mestre do berrante. Você deve reivindicar o berrante. Com sangue. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados