sexta-feira, 4 de outubro de 2013

70 - A MÃO DA RAINHA


O príncipe dornense levou três dias morrendo.
Deu o último suspiro trêmulo no momento mais escuro da madrugada, enquanto a chuva fria sibilava de um céu escuro para transformar as ruas de tijolos da antiga cidade em rios. A chuva apagara a maior parte dos incêndios, mas nuvens de fumaça ainda se erguiam da ruína fumegante que havia sido a pirâmide de Hazkar, e da grande pirâmide negra de Yherizan, onde Rhaegal fizera seu imenso covil na escuridão como uma mulher gorda adornada com brilhantes joias cor de laranja.
Talvez os deuses não sejam surdos, no final das contas, Sor Barristan Selmy refletiu, enquanto observava as brasas distantes. Se não fosse a chuva, o fogo podia ter consumido toda Meereen agora.
Não via sinal dos dragões, mas não esperava por isso. Os dragões não gostavam da chuva. Uma fina linha vermelha marcava o horizonte oriental, onde o sol logo apareceria. Fazia com que Selmy se lembrasse do primeiro sangue escorrendo de um ferimento. Frequentemente, mesmo em cortes profundos, o sangue vinha antes da dor.
Estava parado ao lado dos parapeitos do andar mais alto da Grande Pirâmide, vasculhando o céu como fazia a cada manhã, sabendo que o amanhecer teria que vir, e esperando que sua rainha viesse com ele. Ela não nos abandonaria, ela nunca deixaria seu povo, estava dizendo para si mesmo, quando ouviu a agitação da morte do príncipe vindo dos aposentos da rainha.
Sor Barristan entrou. Água da chuva escorria pelas costas de seu manto branco, e suas botas deixaram pegadas no chão e nos tapetes. Por ordem sua, Quentyn Martell fora colocado na cama da rainha. Ele havia sido um cavaleiro e um príncipe de Dorne, além disso. Parecia a única gentileza possível deixá-lo morrer na cama que cruzara metade do mundo para alcançar. A cama estava arruinada - lençóis, colchas, travesseiros, colchões, tudo fedendo a sangue e fumaça, mas Sor Barristan achava que Daenerys o perdoaria.
Missandei estava sentada ao lado da cama. Estivera com o príncipe noite e dia, atendendo a qualquer necessidade que ele pudesse expressar, dando-lhe água e leite de papoula enquanto estava forte o suficiente para beber, ouvindo as poucas palavras torturadas que ofegava de tempos em tempos, lendo para ele quando estava tranquilo, dormindo sentada em uma cadeira ao lado dele. Sor Barristan pedira a alguns dos copeiros da rainha que a ajudassem, mas a visão do homem queimado era demais mesmo para o mais forte deles. E as Graças Azuis nunca vieram, embora as tivesse chamado quatro vezes. Talvez a última delas já tivesse sido levada pela égua descorada.
A pequena escriba naathi olhou para cima ao sentir sua aproximação.
- Honrado sor. O príncipe está além da dor agora. Seus deuses dornenses o levaram para casa. Vê? Ele sorri.
Como você sabe? Ele não tem lábios. Teria sido mais gentil se os dragões o tivessem devorado. Teria sido rápido, ao menos. Isso ... Fogo é uma maneira horrível de morrer. Não é de se admirar que os infernos sejam feitos de chamas.
- Cubra-o.
Missandei puxou a coberta sobre o rosto do príncipe.
- O que será feito dele, sor? Está tão longe de casa.
- Providenciarei que seja devolvido a Dorne. - Mas como? Como cinzas? Aquilo exigiria mais fogo, e Sor Barristan não suportaria tal coisa. Teremos que arrancar a carne dos ossos. Com besouros, não fervendo. As irmãs silenciosas teriam cuidado disso em casa, mas aqui era a Baía dos Escravos. A irmã silenciosa mais próxima estava a milhares de quilômetros de distância. - Você devia dormir agora, filha. Em sua cama.
- Esta uma pode estar sendo ousada, sor, mas você devia fazer o mesmo. Você não dorme uma noite inteira.
Não, há muitos anos, filha. Não, desde o Tridente. Grande Meistre Pycelle lhe dissera uma vez que homens velhos não precisavam de tanto sono quanto os jovens, mas era mais do que isso. Ele chegara àquela idade em que detestava fechar os olhos, com medo de nunca mais abri-los. Outros homens podiam desejar morrer na cama, dormindo, mas essa não era uma morte para um cavaleiro da Guarda Real.
- As noites são muito compridas - disse para Missandei - e há muito e ainda mais para se fazer, sempre. Aqui, como nos Sete Reinos. Mas você já fez o suficiente por enquanto, filha. Vá e descanse. - E, se os deuses forem bons, você não sonhará com dragões.
Depois que a garota se foi, o velho cavaleiro levantou a coberta para dar uma última olhada no rosto de Quentyn Martell, ou no que restava dele. A maior parte da carne do príncipe tinha se soltado, e era possível ver o crânio embaixo. Seus olhos eram piscinas de pus. Ele devia ter ficado em Dorne. Devia ter permanecido um sapo. Nem todos os homens são feitos para dançar com dragões. Quando cobriu o rapaz novamente, pegou-se perguntando a si mesmo se haveria alguém para cobrir sua rainha, ou se o cadáver dela permaneceria insepulto entre as altas gramas do mar dothraki, encarando cegamente o céu até que sua carne se soltasse dos ossos.
- Não - disse em voz alta. - Daenerys não está morta. Está cavalgando naquele dragão. Vi com meus próprios olhos. - Havia dito isso uma centena de vezes antes ... mas a cada dia que passava ficava mais difícil acreditar. Seu cabelo estava pegando fogo. Vi isso também. Ela estava queimando ... e se não a vi cair, centenas juram que viram.
O dia havia penetrado na cidade. Embora a chuva ainda caísse, uma vaga luz impregnava o céu oriental. E, com o sol, chegou o Cabeça-Raspada. Skahaz estava vestido com seu familiar traje de saia preta plissada, grevas e placa peitoral musculosa. A máscara de bronze sob seu braço era nova - uma cabeça de lobo com a língua pendurada.
- Então - disse, à guisa de cumprimento - o tolo está morto, não está?
- O Príncipe Quentyn morreu exatamente antes da primeira luz. - Selmy não estava surpreso que Skahaz soubesse. As notícias corriam rapidamente dentro da pirâmide. - O conselho está reunido?
- Esperam a vontade da Mão lá embaixo.
Não sou nenhuma Mão, uma parte dele queria gritar. Sou apenas um simples cavaleiro, o protetor da rainha. Nunca quis isso. Mas com a rainha fora e o rei acorrentado, alguém tinha que governar, e Sor Barristan não confiava no Cabeça-Raspada.
- Alguma notícia da Graça Verde?
- Ainda não retornou à cidade. - Skahaz se opusera a enviar a sacerdotisa. Nem a própria Galazza Galare abraçara a tarefa. Ela podia ir, concordou, pelo bem da paz, mas Hizdahr zo Loraq era mais adequado para tratar com os Sábios Mestres. Mas Sor Barristan não se rendia facilmente, e finalmente a Graça Verde abaixara a cabeça e jurara fazer o melhor possível.
- Como está a cidade? - Selmy perguntou para o Cabeça-Raspada.
- Todos os portões estão fechados e barrados, como você ordenou. Estamos caçando qualquer mercenário ou yunkaíta que tenha permanecido dentro da cidade, e expulsando ou prendendo aqueles que pegamos. A maioria parece ter se escondido. Dentro das pirâmides, sem dúvida. Os Imaculados estão nas muralhas e torres, prontos para qualquer ataque. Há duzentos bem-nascidos reunidos na praça, parados na chuva com seus tokars e uivando por audiência. Querem Hizdahr livre e eu morto, e querem que você mate esses dragões. Alguém contou para eles que cavaleiros são bons nisso. Os Grandes Mestres de Yherizan e Uhlez abandonaram suas próprias pirâmides para os dragões.
Sor Barristan sabia daquilo tudo.
- E o cálculo da matança? - perguntou, temendo a resposta.
- Vinte e nove.
- Vinte e nove? - Isso era muito pior do que podia ter imaginado. Os Filhos da Harpia haviam retomado sua guerra de sombras havia dois dias. Três mortos na primeira noite, nove na segunda. Mas chegar a vinte e nove em uma única noite...
- A contagem passará dos trinta antes do meio-dia. Por que parece tão cinza, velho? O que esperava? A Harpia quer Hizdahr livre, então ele envia seus filhos de volta às ruas com facas nas mãos. Os mortos são todos libertos e cabeças-raspadas, como antes. Um deles era meu, uma Besta de Bronze. O sinal da Harpia foi deixado ao lado do corpo deles, riscado no chão ou rabiscado em uma parede. Há mensagens também. Os dragões devem morrer, escreveram, e Harghaz, o Herói. Morte a Daenerys foi visto também, antes que a chuva apagasse as palavras.
- O imposto de sangue...
- Duas mil e novecentas peças de ouro de cada pirâmide, sim - Skahaz resmungou. - Será coletado ... mas as perdas de algumas moedas nunca pararam a mão da Harpia. Apenas sangue pode fazer isso.
- Assim você diz. - Os reféns novamente. Ele mataria todos eles, se eu concordasse com isso. - Ouvi você das primeiras cem vezes. Não.
- Mão da Rainha - Skahaz resmungou com desgosto. - Uma velha mão da rainha, estou achando, enrugada e fraca. Rezo para que Daenerys retorne logo para nós. - Colocou a máscara sobre o rosto. - Seu conselho deve estar ficando inquieto.
- Eles são o conselho da rainha, não meu. - Selmy trocou o manto molhado por um seco, afivelou o cinto da espada, e então acompanhou o Cabeça-Raspada escada abaixo.
O salão dos pilares estava vazio de peticionários naquela manhã. Embora tivesse assumido o título de Mão, Sor Barristan não pretendia dar audiências na ausência da rainha, nem permitiria que Skahaz mo Kandaq fizesse isso. Os grotescos tronos de dragão de Hizdahr haviam sido removidos por ordem de Sor Barristan, mas ele não trouxera de volta o banco almofadado simples que a rainha gostava. Em vez disso, uma larga mesa redonda fora colocada no centro do salão, com altas cadeiras ao redor onde homens podiam se sentar e conversar como pares.
Eles se ergueram quando Sor Barristan chegou pelos degraus de mármore, com Skahaz Cabeça-Raspada ao lado. Marselen, dos Homens da Mãe, estava presente, assim como Symon Costas-Listradas, comandante dos Irmãos Livres. Os Escudos Robustos haviam escolhido um novo comandante, um ilhéu do Verão de pele negra chamado Tal Toraq, já que seu antigo capitão, Mollono Yos Oob, havia sido levado pela égua descorada. Verme Cinzento estava ali pelos Imaculados, auxiliado por três oficiais eunucos em pontudos capacetes de bronze. Os Corvos Tormentosos eram representados por dois mercenários experientes, um arqueiro chamado Jokin e o guerreiro amargo e marcado por cicatrizes conhecido simplesmente como Viúvo. Os dois haviam assumido o comando conjunto da companhia na ausência de Daario Naharis. A maioria do khalasar da rainha havia ido com Aggo e Rakharo para procurá-la no mar dothraki, mas o estrábico e coxo jaqqa rhan Rommo estava ali para falar pelos senhores dos cavalos que restavam.
E, do outro lado da mesa de onde se sentava Sor Barristan, estavam quatro guardas do outrora Rei Hizdahr, os lutadores de arena Goghor, o Gigante, Belaquo Quebra-Osso, Camarron do Conde e o Gato Malhado. Selmy insistira na presença deles, apesar das objeções de Skahaz Cabeça-Raspada. Eles haviam ajudado Daenerys Targaryen a tomar a cidade uma vez, e aquilo não podia ser esquecido. Podiam ser brutamontes encharcados de sangue e matadores, mas à sua maneira haviam sido leais ... ao Rei Hizdahr, sim, mas à rainha também.
Último a chegar, Belwas, o Forte, veio caminhando devagar pelo salão.
O eunuco olhara a morte no rosto, tão de perto que podia tê-la beijado nos lábios. Aquilo o marcara. Parecia ter perdido uns doze quilos, e a escura pele marrom, que antes estivera esticada contra o peito e a barriga maciços, cruzada por centenas de cicatrizes desbotadas, agora se pendurava em pregas soltas, flácidas e balançando, como uma túnica cortada três vezes maior. Seus passos estavam mais lentos também, e pareciam um pouco inseguros.
Mesmo assim, a visão dele alegrou o coração do velho cavaleiro. Havia cruzado o mundo com Belwas, o Forte, certa vez, e sabia que podia confiar nele, se tudo isso acabasse em espadas.
- Belwas. Estamos felizes que tenha podido se juntar a nós.
- Barba-Branca. - Belwas sorriu. - Onde está o fígado acebolado? Belwas, o Forte, não está tão forte quanto antes, precisa comer, ficar grande novamente. Fizeram Belwas, o Forte, ficar doente. Alguém deve morrer.
Alguém morrerá. Muitos alguéns, provavelmente.
- Sente-se, meu amigo. - Quando Belwas se sentou e cruzou os braços, Sor Barristan prosseguiu. - Quentyn Martell morreu esta manhã, logo antes do amanhecer.
O Viúvo riu.
- O cavaleiro de dragões.
- Tolo, eu o chamo - disse Symon Costas-Listradas.
Não, apenas um garoto. Sor Barristan não esquecera as loucuras de sua própria juventude.
- Não falemos mal dos mortos. O príncipe pagou um preço terrível pelo que fez.
- E os outros dornenses? - perguntou Tal Taraq.
- Prisioneiros, por enquanto. - Nenhum dos dornenses oferecera qualquer resistência. Archibald Yronwood embalava o corpo queimado e esfumaçado de seu príncipe quando as Bestas de Bronze o encontraram, como suas mãos queimadas podiam testemunhar. Usara-as para abafar as chamas que haviam engolido Quentyn Martell. Gerris Drinkwater estava parado ao lado deles, com a espada na mão, mas soltou a lâmina no momento em que os gafanhotos apareceram. - Eles dividem uma cela.
- Deixe-os partilhar uma forca - disse Symon Costas-Listradas. - Eles soltaram dois dragões na cidade.
- Abram as arenas e deem-lhes espadas - exortou o Gato Malhado. - Matarei ambos enquanto toda Meereen grita meu nome.
- As arenas de luta permanecerão fechadas - disse Selmy. - Sangue e barulho só servem para chamar os dragões.
- Todos os três, talvez - sugeriu Marselen. - A besta negra veio uma vez, por que não novamente? Desta vez, com nossa rainha.
Ou sem ela. Se Drogon retornasse a Meereen sem Daenerys montada nas costas, a cidade explodiria em sangue e chamas, disso Sor Barristan não tinha dúvidas. Os mesmos homens sentados nessa mesa logo teriam adagas apontadas uns para os outros. Uma jovem garota ela podia ser, mas Daenerys Targaryen era a única coisa que mantinha todos juntos.
- Sua Graça retornará quando retornar - disse Sor Barristan. - Arrebanhamos mil ovelhas na Arena de Daznak, enchemos a Arena de Ghrazz com bois, e a Arena Dourada com animais que Hizdahr zo Loraq reunira para seus jogos. - Até agora, os dois dragões pareciam apreciar cordeiro, retornando para Daznak sempre que ficavam com fome. Se um deles estivesse caçando homens, dentro ou fora da cidade, Sor Barristan teria ouvido. Os únicos meereeneses que os dragões haviam matado, desde Harghaz, o Herói, haviam sido os senhores de escravos tolos o bastante para objetar quando Rhaegal tentara fazer seu covil no topo da pirâmide de Hazkar. - Temos assuntos mais urgentes para discutir. Enviei a Graça Verde para os yunkaítas para tomar as providências para a soltura dos nossos reféns. Espero o retorno dela ao meio-dia, com a resposta deles.
- Com palavras - disse o Viúvo. - Os Corvos Tormentosos conhecem os yunkaítas. Suas línguas são vermes que se contorcem para este lado ou para aquele. A Graça Verde voltará com palavras de vermes, não com o capitão.
- Se for do agrado da Mão da Rainha se lembrar, os Sábios Mestres mantêm nosso Herói também - disse Verme Cinzento. - E também o senhor dos cavalos Jhogo, companheiro de sangue da própria rainha.
- Sangue de seu sangue - concordou o dothraki Rommo. - Ele deve ser libertado. A honra do khalasar exige isso.
- Ele será libertado - disse Sor Barristan - mas primeiro precisamos esperar e ver se a Graça Verde consegue concluir...
Skahaz Cabeça-Raspada bateu o punho sobre a mesa.
- A Graça Verde não concluirá nada. Ela pode estar conspirando com os yunkaítas enquanto estamos sentados aqui. Negociações, você disse? Fazer negociações? Que tipo de negociação?
- Resgate - falou Sor Barristan. - O peso de cada homem em ouro.
- Os Sábios Mestres não precisam do nosso ouro, sor - disse Marselen. - Eles são mais ricos do que seus senhores westerosis, cada um deles.
- Os mercenários, no entanto, vão querer o ouro. O que são os reféns para eles? Se os yunkaítas recusarem, isso será como uma lâmina entre eles e seus contratados. - Ou pelo menos espero. Fora Missandei quem sugerira o estratagema. Ele nunca teria pensado nisso por conta própria. Em Porto Real, subornos eram o domínio de Mindinho, enquanto Lorde Varys tinha a tarefa de promover a divisão entre os inimigos da coroa. Seus próprios deveres haviam sido mais simples. Onze anos de idade, mesmo assim Missandei é mais esperta do que metade dos homens nesta mesa, e mais sábia do que todos eles. - Eu instruí a Graça Verde a apresentar a oferta apenas quando todos os comandantes yunkaítas estivessem reunidos para ouvi-la.
- Eles recusarão, mesmo assim - insistiu Symon Costas-Listradas. - Dirão que querem os dragões mortos e o rei restaurado.
- Rezo para que esteja errado. - E temo que esteja certo.
- Seus deuses estão muito distantes, Sor Vovô - disse o Viúvo. - Não acho que escutem suas orações. E quando os yunkaítas mandarem de volta a velha para cuspir em seu olho, então o quê?
- Fogo e sangue - disse Barristan Selmy, mansamente, mansamente.
Por um longo momento, ninguém falou. Então Belwas, o Forte, bateu na barriga e disse:
- Melhor do que fígado acebolado.
E Skahaz Cabeça-Raspada encarou através dos olhos da sua máscara de cabeça de lobo e disse:
- Você quebraria a paz do Rei Hizdahr, velho?
- Eu a quebraria. - Uma vez, havia muito tempo, um príncipe o chamara de Barristan, o Ousado. Uma parte daquele garoto ainda estava nele. - Construímos um farol no topo da pirâmide, onde antes estava a Harpia. Lenha seca embebida em óleo, coberta para manter a chuva afastada. Se a hora chegar, e rezo para que não chegue, acenderemos este farol. As chamas serão o sinal para sair pelos portões e atacar. Cada um dos seus homens terá um papel a desempenhar, então cada homem deve estar em prontidão o tempo todo, dia e noite. Destruiremos nossos inimigos ou seremos nós mesmos destruídos. - Fez um sinal com a mão para seus escudeiros. - Tenho alguns mapas preparados para mostrar a disposição dos nossos inimigos, seus acampamentos, linhas de cerco e catapultas. Se pudermos quebrar os senhores de escravos, seus mercenários os abandonarão. Sei que vocês terão preocupações e perguntas. Digam-nas agora. Quando deixarmos esta mesa, todos nós devemos ser uma única mente, com um único propósito.
- Melhor pedir alguma comida e bebida, então - sugeriu Symon Costas-Listradas. - Isso levará um tempo.
Levou o restante da manhã e a maior parte da tarde. Os capitães e comandantes discutiram debruçados sobre os mapas como peixeiras sobre um balde de caranguejos. Pontos fracos e pontos fortes, qual a melhor forma de empregar sua pequena companhia de arqueiros, se os elefantes deviam ser usados para romper as linhas yunkaítas ou mantidos na reserva, quem deveria ter a honra de liderar o primeiro avanço, se a cavalaria seria mais bem empregada nos flancos ou na vanguarda.
Sor Barristan deixou cada homem falar o que tinha em mente. Tal Toraq achava que deviam marchar sobre Yunkai uma vez que tivessem atravessado as linhas; a Cidade Amarela estaria quase indefesa, então os yunkaítas não teriam alternativa senão erguer o cerco e seguir para lá. O Gato Malhado propôs desafiar o inimigo a enviar um campeão para encará-lo em um combate singular. Belwas, o Forte, gostava daquela ideia, mas insistia que ele devia lutar, não o Gato. Camarron do Conde propôs um esquema para aproveitar os navios amarrados ao longo do rio e usar o Skahazadhan para levar trezentos lutadores de arena pela retaguarda yunkaíta. Cada homem ali concordou que os Imaculados eram sua melhor tropa, mas nenhum deles concordou em como podiam ser posicionados. O Viúvo queria usar os eunucos como um punho de ferro para esmagar o coração das defesas dos yunkaítas. Marselen achava que podiam ser colocados em cada extremidade da linha de batalha principal, onde podiam derrotar qualquer tentativa do inimigo atacar seu flanco. Symon Costas-Listradas queria dividi-los em três, um grupo para cada uma das três companhias de libertos. Seus Irmãos Livres eram corajosos e estavam ansiosos por lutar, afirmou, mas, sem os Imaculados para fortalecê-los, temia que suas tropas inexperientes pudessem não ter a disciplina para encarar mercenários experientes na batalha. Verme Cinzento disse apenas que os Imaculados obedeceriam o que quer que lhes fosse solicitado.
E quando tudo havia sido discutido, debatido e decidido, Symon Costas-Listradas levantou um ponto final.
- Enquanto era escravo em Yunkai, ajudei meu mestre a barganhar com as companhias livres e vi o pagamento de seus salários. Conheço os mercenários, e sei que os yunkaítas não podem pagar o suficiente para fazê-los encarar chamas de dragão. Então, eu lhe pergunto ... se a paz falhar e esta batalha acontecer, os dragões virão? Eles se juntarão à luta?
Eles virão, Sor Barristan podia ter dito. O barulho os trará, os berros e gritos, o cheiro do sangue. Isso os atrairá ao campo de batalha, exatamente como o javali da Arena de Daznak atraiu Drogon para as areias escarlate. Mas, quando vierem, distinguirão um lado do outro? De alguma forma, achava que não. Então, disse apenas:
- Os dragões farão o que dragões fazem. Se vierem, apenas a sombra de suas asas será o suficiente para desanimar os senhores de escravos e despachá-los em fuga. - Então agradeceu a todos eles e os dispensou.
Verme Cinzento permaneceu depois que todos os outros saíram.
- Esses uns estarão prontos quando o fogo do farol se acender. Mas a Mão precisa certamente saber que, quando atacarmos, os yunkaítas matarão os reféns.
- Farei todo o possível para evitar isso, meu amigo. Tenho uma ... ideia. Mas você deve me dar licença. Já passou da hora dos dornenses ouvirem que seu príncipe está morto.
Verme Cinzento inclinou a cabeça.
- Este um obedece.
Sor Barristan levou dois de seus recém-sagrados cavaleiros consigo para os calabouços. Pesar e culpa são conhecidos por levar bons homens à loucura, e Archibald Yronwood e Gerris Drinkwater tinham ambos tomado parte na morte do amigo. Mas, quando chegaram à cela, disse para Tum e Cordeiro Vermelho que esperassem do lado de fora, enquanto entrou para contar aos dornenses que a agonia do príncipe terminara.
Sor Archibald, o grande careca, não tinha nada a dizer. Sentou-se na beira de seu catre, olhando as mãos enfaixadas com tiras de linho. Sor Gerris socou uma parede.
- Eu disse para ele que era tolice. Implorei para ele ir para casa. Sua rainha cadela não tinha utilidade para ele, qualquer um podia ver isso. Ele cruzou o mundo para oferecer-lhe amor e lealdade, e ela riu na cara dele.
- Ela nunca riu - disse Selmy. - Se a conhecesse, saberia disso.
- Ela o rejeitou. Ele lhe ofereceu o coração dele, e ela o jogou de volta e foi foder com o mercenário.
- É melhor segurar a língua, soro - Sor Barristan não gostava de Gerris Drinkwater e não permitiria que ele caluniasse Daenerys. - A morte do Príncipe Quentyn foi seu próprio feito, e o de vocês.
- Nosso? Como estamos em falta, sor? Quentyn era nosso amigo, sim. Um pouco tolo, você poderia dizer, mas todos os sonhadores são tolos. Mas, antes de mais nada, ele era nosso príncipe. Nós lhe devíamos obediência.
Barristan Selmy não podia discutir a verdade daquilo. Passara a maior parte da vida obedecendo ordens de bêbados e loucos.
- Ele chegou tarde demais.
- Ele ofereceu a ela seu coração - Sor Gerris disse novamente.
- Ela precisava de espadas, não de corações.
- Ele lhe teria dado as lanças de Dorne também.
- Isso ele teria. - Ninguém queria que Daenerys tivesse olhado com favorecimento para o príncipe dornense mais do que Barristan Selmy. - Ele chegou tarde demais, no entanto, e essa loucura ... contratar mercenários, soltar dois dragões na cidade ... isso foi loucura e pior do que loucura. Isso foi traição.
- O que ele fez, fez por amor à Rainha Daenerys - Gerris Drinkwater insistiu. - Para provar-se digno da mão dela.
O velho cavaleiro já ouvira o bastante.
- O que o Príncipe Quentyn fez, ele fez por Dorne. Você me toma por algum avô apaixonado? Passei minha vida ao lado de reis, rainhas e príncipes. Lançassolar pretende levantar armas contra o Trono de Ferro. Não, não se incomode em negar isso. Doran Martell não é homem que convoque suas lanças sem esperança de vitória. O dever trouxe o Príncipe Quentyn aqui. Dever, honra, sede de glória ... nunca amor. Quentyn estava aqui pelos dragões, não por Daenerys.
- Você não o conhecia, sor. Ele...
- Ele está morto, Drink. - Yronwood ficou em pé. - Palavras não o trarão de volta. Cletus e Will estão mortos também. Então cale sua maldita boca antes que eu enfie meu punho nela. - O grande cavaleiro se voltou para Selmy. - O que pretende fazer conosco?
- Skahaz Cabeça-Raspada quer vocês enforcados. Vocês mataram quatro de seus homens. Quatro dos homens da rainha. Dois eram libertos que haviam seguido Sua Graça desde Astapor.
Yronwood não parecia surpreso.
- Os homens bestas, sim. Eu matei apenas um, o da cabeça de basilisco. Os mercenários fizeram o resto. Mas isso não importa, eu sei.
- Estávamos protegendo Quentyn - disse Drinkwater. - Nós ...
- Fique quieto, Drink. Ele sabe. - Para Sor Barristan, o grande cavaleiro disse: - Não seria necessário vir e conversar conosco se pretendesse nos enforcar. Então, não é isso, é?
- Não. - Esse aí pode não ter o espírito tão obtuso quanto parece. - Tenho mais utilidade para vocês vivos do que mortos. Sirvam-me, e depois de tudo acabado arranjarei um navio para levá-los de volta a Dorne e devolver os ossos do seu Príncipe Quentyn para o senhor seu pai.
Sor Archibald fez uma careta.
- Por que são sempre navios? Alguém precisa levar Quent para casa, no entanto. O que quer de nós, sor?
- Suas espadas.
- Você tem milhares de espadas.
- Os libertos da rainha ainda são inexperientes. Nos mercenários, eu não confio. Os Imaculados são bravos soldados ... mas não são guerreiros. Não são cavaleiros. - Fez uma pausa. - O que aconteceu quando vocês tentaram pegar os dragões? Contem-me.
Os dornenses trocaram um olhar. Então Drinkwater disse:
- Quentyn disse ao Príncipe Esfarrapado que poderia controlá-los. Estava em seu sangue, disse. Ele tinha sangue Targaryen.
- Sangue do dragão.
- Sim. Os mercenários deveriam nos ajudar a acorrentar os dragões, para que pudéssemos levá-los para as docas.
- O Esfarrapado arranjou um navio - disse Yronwood. - Um grande, para o caso de conseguirmos os dois dragões. E Quent ia montar em um deles. - Olhou para suas mãos enfaixadas. - No momento em que entramos, no entanto, dava para ver que nada daquilo ia funcionar. Os dragões eram muito selvagens. As correntes ... havia pedaços de correntes quebradas em todos os lugares, grandes correntes, elos do tamanho da sua cabeça, misturados com todos aqueles ossos partidos e estilhaçados. E Quent, que os Sete o salvem, parecia que ia cagar nas calças. Caggo e Meris não estavam cegos, viram isso também. Então um dos besteiros disparou. Talvez eles pretendessem matar os dragões todo o tempo e estivessem apenas nos usando para chegar até eles. Nunca se sabe com Farrapos. De qualquer maneira que você o rasga, nunca é a forma mais inteligente. A confusão apenas deixou os dragões zangados, e eles não estavam de muito bom humor desde o começo. Então ... então as coisas ficaram feias.
- E os Soprados pelo Vento fugiram - disse Sor Gerris. - Quent estava gritando, coberto em chamas, e eles se foram. Caggo, Bela Meris, todos, exceto o morto.
- E o que você esperava, Drink? Um gato matará um rato, um porco fuçará na lama, e um mercenário fugirá quando mais precisarmos dele. Não podem ser culpados. É apenas a natureza da besta.
- Ele não está errado - Sor Barristan disse. - O que o Príncipe Quentyn prometeu ao Príncipe Esfarrapado em troca de sua ajuda?
Não teve resposta. Sor Gerris olhou para Sor Archibald. Sor Archibald olhou para as mãos, para o chão, para a porta.
- Pentos - disse Sor Barristan. - Ele lhe prometeu Pentos. Digam. Nenhuma de suas palavras podem ajudar ou ferir o Príncipe Quentyn agora.
- Sim - disse Sor Archibald, infeliz. - Foi Pentos. Fizeram marcas no papel, os dois.
Há uma oportunidade aí.
- Ainda temos os Soprados pelo Vento nos calabouços. Aqueles desertores fingidos.
- Eu me lembro - disse Yronwood. - Vaudefome, Pau Fino, aquele grupo. Alguns deles não eram tão maus para mercenários. Outros, bem, poderiam ficar um pouco perto da morte. O que tem eles?
- Pretendo enviá-los de volta ao Príncipe Esfarrapado. E vocês com eles. Vocês serão dois entre milhares. Sua presença no acampamento yunkaíta deve passar despercebida. Quero que entreguem uma mensagem ao Príncipe Esfarrapado. Digam a ele que eu os enviei, e que eu falo com a voz da rainha. Digam a ele que pagarei seu preço, se ele nos entregar nossos reféns, ilesos e inteiros.
Sor Archibald fez uma careta.
- É mais provável que Farrapos dê nós dois para Bela Meris. Ele não fará isso.
- Por que não? A tarefa é bem simples. - Comparada a roubar dragões. - Uma vez tirei o pai da rainha de Valdocaso.
- Aquilo era Westeros - disse Gerris Drinkwater.
- Isto é Meereen.
- Arch não pode segurar uma espada com essas mãos.
- Ele não deve precisar. Vocês terão os mercenários com vocês, a menos que eu tenha errado os homens.
Gerris Drinkwater empurrou para trás um punhado de seus cabelos riscados pelo sol.
- Podemos ter algum tempo para discutir isso entre nós?
- Não - disse Selmy.
- Eu farei isso - ofereceu-se Sor Archibald - desde que não haja nenhum maldito barco envolvido. Drink fará também. - Sorriu. - Ele ainda não sabe, mas fará.
E aquilo estava feito.
A parte simples, pelo menos, pensou Barristan Selmy, enquanto fazia a longa escalada de volta ao topo da pirâmide. A parte difícil ele deixara nas mãos dos dornenses. Seu avô teria ficado chocado. Os dornenses eram cavaleiros, pelo menos no nome, embora apenas Yronwood o tivesse impressionado por ter aço verdadeiro. Drinkwater tinha o rostinho bonito, uma língua loquaz e um belo cabelo.
Quando o cavaleiro retornou aos aposentos da rainha no topo da pirâmide, o cadáver do Príncipe Quentyn havia sido removido. Seis dos jovens copeiros estavam brincando com algum jogo infantil, sentados em um círculo no chão enquanto giravam uma adaga. Quando o giro parava, eles cortavam um pouco do cabelo de quem quer que a adaga apontasse. Sor Barristan participara de um jogo similar com os primos quando era apenas um garoto em Solar da Colheita ... embora em Westeros, pelo que se lembrava, beijar estava envolvido também.
- Bhakaz - chamou. - Uma taça de vinho, por gentileza. Grazhar, Azzak, a porta é de vocês. Estou esperando a Graça Verde. Tragam-na imediatamente quando ela chegar. De outro modo, não quero ser perturbado.
Azzak ficou em pé.
- Como ordenar, Senhor Mão.
Sor Barristan saiu para o terraço. A chuva parara, embora uma parede cinza de nuvens cor de ardósia escondesse o sol poente que fazia sua descida na Baía dos Escravos. Alguns tufos de fumaça ainda se erguiam das montanhas escurecidas de Hazdar, como fitas torcidas pelo vento. Ao longe, no leste, além das muralhas da cidade, viu asas claras movendo-se acima da linha distante de montanhas. Viserion. Caçando, talvez, ou voando apenas por voar. Perguntava-se onde estaria Rhaegal. Até agora, o dragão verde tinha se mostrado mais perigoso do que o branco.
Quando Bhakaz trouxe o vinho, o velho cavaleiro tomou um longo gole e enviou o garoto para buscar água. Algumas taças de vinho podiam ser exatamente a coisa de que precisava para ajudá-lo a dormir, mas precisaria de seu juízo quando Galazza Galare retornasse das negociações com o inimigo. Então bebeu o vinho bem aguado, enquanto o mundo ficava mais escuro ao redor dele. Estava muito cansado e cheio de dúvidas. Os dornenses, Hizdahr, Reznak, o ataque... estava fazendo as escolhas certas? Estava fazendo o que Daenerys teria querido? Não fui feito para isso. Outros guardas reais haviam servido como Mão antes dele. Não muitos, mas alguns. Leu sobre eles no Livro Branco. Agora se encontrava perguntando a si mesmo se eles haviam se sentido tão perdidos e confusos quanto ele estava.
- Senhor Mão - Grazhar estava parado na porta, uma vela na mão. - A Graça Verde chegou. Você pediu para ser avisado.
- Traga-a aqui. E acenda algumas velas.
Galazza Galare estava acompanhada por quatro Graças Rosa. Uma aura de sabedoria e dignidade parecia envolvê-la, e Sor Barristan não podia deixar de admirar. Essa é uma mulher forte, e tem sido uma amiga fiel de Daenerys.
- Senhor Mão - ela disse, o rosto escondido atrás de brilhantes véus verdes. - Posso sentar? Estes ossos estão velhos e cansados.
- Grazhar, uma cadeira para a Graça Verde. - As Graças Rosa se arrumaram atrás dela, com olhos baixos e mãos entrelaçadas na frente do corpo. - Posso lhe oferecer um refresco? - perguntou Sor Barristan.
- Isso seria muito bem-vindo, Sor Barristan. Minha garganta está seca de tanto falar. Um suco, talvez?
- Como quiser. - Fez um sinal para Kezmya e pediu que buscasse para a sacerdotisa uma taça de suco de limão, adoçado com mel. Para beber, a sacerdotisa teve que tirar o véu, e Selmy se lembrou de quão velha ela era. Vinte anos mais velha do que eu, ou mais. - Se a rainha estivesse aqui, ela se juntaria ao meu agradecimento por tudo que tem feito por nós.
- Sua Magnificência sempre foi muito graciosa. - Galazza Galare terminou a bebida e prendeu o véu novamente. - Teve alguma outra notícia da nossa doce rainha?
- Nenhuma ainda.
- Rezarei por ela. E quanto ao Rei Hizdahr, se posso ser ousada? Posso ter a permissão de ver Seu Iluminado?
- Em breve, espero. Ele está ileso, tem minha palavra.
- Me agrada ouvir isso. Os Sábios Mestres de Yunkai perguntaram por ele. Não o surpreenderia saber que eles desejam que o nobre Hizdahr seja restaurado imediatamente ao seu lugar de direito.
- Ele será, se puder ser provado que não tentou matar nossa rainha. Até então, Meereen será governado por um conselho de leais e justos. Há um lugar para você neste conselho. Sei que tem muito a nos ensinar, Vossa Benevolência. Precisamos de sua sabedoria.
- Temo que me lisonjeie com cortesias vazias, Senhor Mão - a Graça Verde disse. - Se
realmente me achasse sábia, me atenderia agora. Solte o nobre Hizdahr e restaure-o no trono.
- Apenas a rainha pode fazer isso.
Sob seus véus, a Graça Verde suspirou.
- A paz que trabalhamos tão duramente para forjar tremula como uma folha ao vento de outono. Estes são dias terríveis. A morte espreita em nossas ruas, cavalgando a égua descorada da três vezes amaldiçoada Astapor. Dragões são vistos com frequência nos céus, banqueteando-se de carne de crianças. Centenas estão pegando navios, navegando para Yunkai, para Tolos, para Qarth, para qualquer refúgio que possam ter. A pirâmide de Hazkar desmoronou em uma ruína esfumaçada, e muitos da antiga linhagem morreram sob as pedras enegrecidas. As pirâmides de Uhlez e Yherizan se tornaram covis de monstros, seus mestres são pedintes sem teto. Meu povo perdeu toda a esperança e se virou contra os próprios deuses, passando as noites na embriaguez e na fornicação.
- E assassinato. Os Filhos da Harpia mataram trinta esta noite.
- Lamento ouvir isso. Mais uma razão para libertar o nobre Hizdahr zo Loraq, que parou tais mortes uma vez.
E como ele conseguiu isso, a menos que ele mesmo seja a Harpia?
- Sua Graça deu sua mão para Hizdahr zo Loraq, o fez seu rei e consorte, restaurou a arte mortal, como ele lhe havia implorado. Em troca, ele deu a ela gafanhotos envenenados.
- Em troca, ele lhe deu paz. Não jogue isso fora, sor, eu lhe imploro. A paz é uma pérola sem preço. Hizdahr é de Loraq. Nunca sujaria as mãos com veneno. Ele é inocente.
- Como pode ter certeza? - A menos que conheça o envenenador.
- Os deuses de Ghis me disseram.
- Meus deuses são os Sete, e os Sete ficaram em silêncio sobre esse assunto. Vossa Sabedoria apresentou minha oferta?
- Para todos os senhores e capitães de Yunkai, como você me ordenou ... mesmo assim, temo que não gostará da resposta.
- Eles recusaram?
- Recusaram. Nem todo o ouro comprará seu pessoal de volta, me disseram. Apenas o sangue dos dragões pode libertá-los.
Era a resposta que Sor Barristan esperava, não a que desejava. Sua boca se apertou.
- Sei que essas não eram as palavras que desejava ouvir - disse Galazza Galare. - No entanto, de minha parte, eu entendo. Esses dragões são bestas terríveis. Yunkai as teme... e com boas razões, não pode negar. Nossas histórias falam de senhores dos dragões da horrível Valíria, e da devastação que causaram sobre o povo da Antiga Ghis. Mesmo sua jovem rainha, a bela Daenerys, que chamava a si mesma de Mãe de Dragões ... nós a vimos queimando, naquele dia na arena ... nem mesmo ela estava a salvo da ira do dragão.
- Sua Graça não está ... ela ...
- ... está morta. Que os deuses lhe garantam um doce sono. - Lágrimas brilharam atrás dos véus. - Deixe os dragões morrerem também.
Selmy estava tateando em busca de uma resposta quando ouviu o som de passos pesados. A porta se abriu com força para dentro, e Skahaz mo Kandaq irrompeu com quatro Bestas de Bronze atrás de si. Quando Grazhar tentou bloquear seu caminho, ele empurrou o garoto de lado.
Sor Barristan levantou-se imediatamente.
- O que é isso?
- As catapultas - o Cabeça-Raspada rosnou. - Todas as seis.
Galazza Galare se ergueu.
- Eis Yunkai respondendo sua oferta, sor. Eu avisei que não gostaria da resposta deles.
Escolheram a guerra, então. Que assim seja. Sor Barristan sentiu-se estranhamente aliviado. De guerra ele entendia.
- Se acham que vão quebrar Meereen atirando pedras ...
- Não pedras. - A voz da velha mulher estava cheia de lamento, de medo. - Cadáveres. 

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