segunda-feira, 8 de julho de 2013

POLLYANNA - Capítulo XXIV - John Pendleton


Pollyanna não foi à escola no dia seguinte, nem no dia depois do dia seguinte. Ela, no entanto, não percebeu, exceto nos breves períodos de consciência quando tentou fazer várias perguntas mexendo apenas os lábios. Só depois de uma semana, quando a febre começou a ceder, as dores diminuíram e sua mente recuperou a consciência total, é que ela pode entender claramente o que havia ocorrido.
Tiveram que lhe contar em detalhes como tudo havia acontecido.
– Então não estou doente, só estou ferida. Estou contente com isso.
– Contente, Pollyanna? – perguntou a tia que estava sentada na cama dela.
– Sim, é muito melhor ter as pernas quebradas como aconteceu com Mr. Pendleton do que ficar inválida para sempre como Mrs. Snow. Uma perna quebrada se conserta, mas os inválidos permanentes, não.
Miss Polly, que não havia dito nada sobre pernas quebradas, levantou-se de repente e foi até a cômoda, no outro lado do quarto. Começou a mexer nos objetos como se não soubesse muito bem o que estava fazendo, o que contrastava com a sua habitual determinação. Tinha o rosto bastante abatido e pálido.
Na cama, Pollyanna estava deitada, olhando para os reflexos do arco-íris no teto produzidos pelos prismas pendurados na janela.
– Também estou contente por não ter varíola – murmurou ela. – Isso é pior do que sardas. Estou também contente por não ter coqueluche; já tive e é horrível. Também estou contente por não ter apendicite, nem sarampo porque sarampo pega e se fosse sarampo iriam me deixar sozinha aqui.
– Você está contente com muitas coisas hoje, minha querida – balbuciou a tia Polly, levando a mão à garganta como se estivesse estrangulada.
Pollyanna riu baixinho.
– É verdade, estive pensando em muitas doenças enquanto olhava para o arco-íris. Adoro o arco-íris. Estou tão contente que Mr. Pendleton tenha me dado esses prismas! E também estou contente com outras coisas que ainda não disse. Eu ainda não sei bem, mas acho que estou contente por estar ferida.
– Pollyanna!
Pollyanna riu outra vez baixinho. Dirigiu seu olhar luminoso para a tia.
– Bem, sabe o que é tia. É que desde que fui ferida tem me chamado, muitas vezes, de querida o que a senhora não fazia antes. Adoro ser chamada de “querida” pelas pessoas da minha família. Algumas das senhoras da Caridade me chamavam assim, e claro que era muito agradável, mas não é tão bom como por uma pessoa da minha família como a tia. Estou tão contente por ser minha tia!
A tia Polly não respondeu. Tinha levado a mão à garganta outra vez para conter um soluço. Tinha os olhos marejados de lágrimas. Virou-se e saiu apressadamente do quarto pela mesma porta por onde tinha acabado de entrar a enfermeira.
Foi nesse dia, à tarde, que Nancy correu para o velho Tom que estava limpando os arreios no estábulo. Os olhos dela tinham uma expressão de assombro.
– Mr. Tom, adivinhe o que aconteceu – disse ela, ainda arquejante. – Não consegue adivinhar nem em mil anos.
– Então nem vale a pena tentar, pois não vou viver tanto tempo. É melhor me contar logo, Nancy.
– Pois então ouça. Sabe quem está na sala de estar com a senhora? Sabe?
O velho Tom abanava a cabeça.
– É John Pendleton!
– Brincadeira sua, Nancy.
– Verdade, sim. Ele, com muleta e tudo. O homem que não falava com ninguém, que não visitava ninguém. Imagine só, Mr. Tom, ele falando com ela!
– E por que não? – perguntou o homem um pouco agressivo.
Nancy olhou-o com uma expressão trocista.
– Como se não soubesse muito melhor do que eu!
– O quê?
– Não se faça de inocente – respondeu ela já meio indignada. – Foi o senhor mesmo que me conduziu para a pista do grande segredo.
– O que você quer dizer com isso?
Nancy deu uma olhada cautelosa para a casa, e aproximou-se mais do velho.
– Ouça, não foi você mesmo que me disse que Miss Polly tinha tido um namorado? Lembra? Pois bem, fui ligando os fatos e descobri sozinha quem era o namorado...
Com um gesto de indiferença o velho Tom virou-se e continuou trabalhando.
– Se quiser conversar comigo, tenha bom senso no que fala – declarou ele com impaciência. – Estou muito velho para ouvir bobagens.
Nancy riu-se.
– Pois eu estou convencida de que ele e Miss Polly foram namorados.
– Mr. Pendleton? – disse o velho Tom endireitando-se.
– Ele, sim. Sei muito bem que era ele.
– Nada disso, Nancy. Não era ele. Ele esteve apaixonado sim, mas pela mãe de Pollyanna.
– Ah, agora eu entendi. Foi por isso que ele... bem isso não interessa – acrescentou apressadamente, lembrando-se a tempo que tinha prometido a Pollyanna não contar nada sobre o desejo de Mr. Pendleton dela ir morar com ele. – Eu perguntei para várias pessoas sobre ele e descobri que ele e Miss Polly não se falam e que ela o detesta desde que correram rumores sobre eles quando ela tinha uns dezoito anos.
– Sim, eu me lembro – respondeu o velho Tom. – Foi três ou quatro anos depois de Miss Jenny tê-lo recusado e partido com o pastor. Miss Polly sabia do caso e tinha pena dele, por isso tentou ser simpática. Talvez tenha se excedido um pouco, pois odiava o pastor que tinha levado a sua irmã. Mas depois começaram a comentar, dizendo que ela andava atrás dele.
– Ela, atrás de um homem? – perguntou Nancy.
– Eu sei, mas era isso que comentavam – declarou o velho Tom, – e realmente não faz muito sentido. Depois, apareceu o verdadeiro namorado dela e os problemas com ele. Aí se fechou como uma ostra e não quis saber de mais ninguém. O coração dela parece que se tornou mais duro que pedra.
– Sim, eu sei. Já tinha ouvido falar disso, e foi por isso que fiquei tão surpreendida quando o vi à porta. Ele, com quem ela não falava há tantos anos! Mas deixei-o entrar e fui anunciá-lo.
– E o que ela disse? – o velho Tom conteve a respiração.
– Primeiro não disse nada. Depois ficou tão quieta que pensei que não tinha ouvido. Ia repetir quando ela disse calmamente: “Diga a Mr. Pendleton que desço num minuto”. Fui logo lhe dizer e depois vim correndo para lhe contar a novidade – concluiu Nancy olhando de novo para a casa por cima do ombro.
– Hum! – resmungou o velho Tom voltando ao trabalho.
Na cerimoniosa sala de visitas do solar dos Harrington, Mr. John Pendleton não teve que esperar muito tempo, até ouvir os passos silenciosos de Miss Polly. Quando ele tentou se levantar, foi detido por um gesto de Miss Polly. Ela não ofereceu a mão, pois o cumprimentou com um aceno de cabeça. A sua expressão era fria e reservada.
– Vim saber de Pollyanna – começou ele de imediato, um tanto bruscamente.
– Muito obrigada. Ela está na mesma – disse Miss Polly.
– E não pode me dizer qual o estado dela? – desta vez a voz dele não se manteve tão firme.
Uma sombra de amargura marcou o rosto da senhora.
– Não posso. Gostaria muito de poder dizer-lhe.
– Quer dizer que não sabe?
– Não.
– Mas, e o médico?
– O doutor Warren também não sabe. Está se comunicando com um especialista de Nova Yorque e planeja reunir-se com ele em breve.
– Mas, que ferimentos ela teve?
– Um ligeiro corte na cabeça, uma ou duas esfoladuras e, o mais grave, um traumatismo na coluna que parece ser a causa da paralisia total dos membros inferiores.
O homem soltou um grito abafado. Fez-se um breve silêncio. Logo a seguir perguntou ansioso:
– E Pollyanna, como ela aceita isto?
– Ela ainda não compreendeu bem o que ocorreu. E eu não posso dizer nada!
– Mas, ela deve saber alguma coisa!
Miss Polly levou a mão ao pescoço naquele gesto que, ultimamente, tinha se tornado tão comum nela.
– Oh, sim. Ela sabe que não pode se mover, mas pensa que está com as pernas quebradas. Diz que está contente por ter as pernas quebradas como o senhor, pois é melhor do que ficar inválida a vida toda como Mrs. Snow, pois as pernas quebradas ficam boas enquanto que no outro caso, não. Ela diz isso o tempo todo e eu não sei mais o que fazer!
Através das lágrimas que tinha nos próprios olhos, o homem viu a face da senhora crispada de emoção. E, involuntariamente, os seus pensamentos recuaram para o que Pollyanna tinha lhe dito quando ele fez a última tentativa para ela ir morar com ele: “Ah, eu nunca poderia deixar a tia Polly – agora!”
Foi este pensamento que o fez perguntar muito delicadamente logo que conseguiu controlar a voz:
– Não sei se a senhora sabe, Miss Harrington, mas fiz de tudo para que Pollyanna fosse morar comigo.
– Consigo! Pollyanna!
O homem retraiu-se um pouco perante o tom de voz dela e a sua própria voz tornou-se de novo fria e impessoal quando voltou a falar.
– Sim. Eu queria adotá-la, legalmente, compreende. Queria torná-la minha herdeira.
A senhora, sentada na cadeira defronte dele, descontraiu-se um pouco. Pensou que essa adoção representaria para Pollyanna um futuro brilhante e pensou se Pollyanna teria idade suficiente e se seria suficientemente mercenária para se deixar tentar pela posição e pelo dinheiro deste homem.
– Eu gosto muito, muito de Pollyanna – continuou o homem. – Gosto dela duas vezes: tanto por ela própria como pela mãe. Eu estava pronto para dar a Pollyanna o amor que tenho guardado há vinte e cinco anos.
Amor. De repente Miss Polly se lembrou das razões porque tinha ficado com aquela criança e se lembrou também das palavras que Pollyanna tinha pronunciado naquela manhã: “Adoro ser chamada de querida pelas pessoas da minha família”! E foi a esta menina sedenta de carinho que Pendleton tinha oferecido um amor guardado há vinte e cinco anos e ela era suficientemente madura para ser tentada pelo amor! Com o coração apertado, Miss Polly compreendeu tudo. E, ainda angustiada, compreendeu outra coisa: a aridez e tristeza que seria o seu próprio futuro sem Pollyanna.
– Bem – exclamou ela. E o homem percebendo o esforço de autocontrole que se refletia na aspereza da voz da senhora, sorriu tristemente.
– Mas ela não quis ir – respondeu ele.
– Por quê?
– Ela não a quis deixar. Disse que a senhora havia sido muito boa para ela. Ela quis ficar consigo e disse que pensava que a senhora queria que ela ficasse – concluiu ele enquanto se levantava.
Ele não olhou para Miss Polly. Virou a cara resolutamente em direção à porta, mas ouviu uns passos ligeiros ao seu lado e viu que ela lhe estendia a mão.
– Quando o especialista chegar, eu o informo logo – disse ela com voz insegura. – Adeus, e muito obrigada por ter vindo. Pollyanna ficará contente.

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