quarta-feira, 25 de setembro de 2013

8 - TYRION


Ele acordou sozinho e encontrou a liteira parada.
Uma pilha de almofadas amassadas indicava o lugar em que Illyrio estivera esparramado. A garganta do anão estava seca e raspando. Ele sonhara ... o que sonhara? Não se lembrava.
Do lado de fora, vozes falavam em um idioma que não conhecia. Tyrion balançou as pernas através das cortinas, pulou no chão e encontrou Magíster Illyrio parado ao lado de dois cavaleiros montados. Ambos vestiam camisas de couro puído, sob capas de lã marrom-escura, mas suas espadas estavam embainhadas e o homem gordo não parecia estar em perigo.
- Preciso mijar - o anão anunciou. Bamboleou para fora da estrada, desatou os calções e se aliviou em um emaranhado de espinhos. Levou um longo tempo.
- Ele mija bem, pelo menos - uma voz observou.
Tyrion sacudiu as últimas gotas e ajeitou a roupa.
- Mijar é o menor dos meus talentos. Você devia me ver cagar. - Virou-se para Magíster Illyrio. - Esses dois são seus conhecidos, Magíster? Parecem fora da lei. Devo pegar meu machado?
- Seu machado? - exclamou o cavaleiro maior, um homem forte com uma barba desgrenhada e um nada discreto cabelo laranja. - Ouviu isso, Haldon? O homenzinho quer lutar com a gente!
Seu companheiro era mais velho, bem barbeado, com um rosto alinhado e ascético. Seu cabelo estava puxado para trás e preso em um nó sobre a cabeça.
- Homens pequenos frequentemente precisam provar sua coragem com ostentações inconvenientes - declarou. - Duvido que consiga matar um pato.
Tyrion encolheu os ombros.
- Traga o pato.
- Se insiste - o cavaleiro deu uma olhada para seu companheiro.
O homem forte desembainhou a espada bastarda.
- Eu sou Pato, seu pequeno saco de mijo tagarela.
Oh, deuses, sejam bons.
- Eu tinha um pato menor em mente.
O homem grande caiu na gargalhada.
- Ouviu isso, Haldon? Ele quer um pato menor!
- Eu me contentaria com um mais calado. - O homem chamado Haldon estudou Tyrion com frios olhos cinzentos antes de virar-se para Illyrio. - Você tem alguns baús para nós?
- E mulas para carregá-los.
- Mulas são muito lentas. Temos cavalos de carga, colocaremos os baús neles. Pato, cuide disso.
- Por que é sempre o Pato que cuida das coisas? - O homem grande colocou a espada de volta na bainha. - Do que você cuida, Haldon? Quem é o cavaleiro aqui, você ou eu? - Mesmo assim, saiu pisando duro em direção às mulas.
- Como nosso rapaz está? - perguntou Illyrio enquanto a bagagem era amarrada.
Tyrion contou seis baús de carvalho com fechos de ferro. Pato deslocava-os facilmente, apoiando-os em um ombro.
- Está tão alto quanto Griff agora. Três dias atrás ele derrubou Pato em um cocho de cavalo.
- Eu não fui derrubado. Eu caí para fazer ele rir.
- Sua tática foi um sucesso - disse Haldon. - Eu ri.
- Tem um presente para o garoto em um dos baús. Um pouco de gengibre caramelizado. Ele sempre adorou isso. - Illyrio soou estranhamente triste. - Pensei que poderia continuar com vocês até Ghoyan Drohe. Uma festa de despedida antes de começarem a descer o rio ...
- Não temos tempo para festas, senhor - falou Haldon. - Griff pretende atacar rio abaixo no instante que voltarmos. Notícias estão chegando do rio acima, e nenhuma delas é boa. Dothrakis têm sido vistos no norte do Lago Adaga, batedores do antigo khalasar de Motho, e Khal Zekko não está longe dele, movendo-se pela Floresta de Qohor.
O gordo fez um barulho rude.
- Zekko visita Qohor a cada três ou quatro anos. Os qohoriks dão um saco de ouro para ele, e ele volta para o leste. Quanto a Motho, seus homens são quase tão velhos quanto ele, e são menos numerosos a cada ano. A ameaça é...
- ... Khal Pono - Haldon completou. - Motho e Zekko fogem dele, se os boatos são verdadeiros. Os últimos relatos dizem que Pono está perto da cabeceira do Selhoru, com um khalasar de trinta mil. Griff não quer correr o risco de ser pego na travessia se Pono decidir aventurar-se no Roine. - Haldon deu uma olhada para Tyrion. - Seu anão cavalga tão bem quanto mijar
- Cavalga - Tyrion interrompeu, antes que o senhor do queijo pudesse responder por ele - embora cavalgue melhor com uma sela especial e um cavalo que conheça bem. Ah, e ele fala também.
- Que assim seja. Sou Haldon, o curandeiro do nosso pequeno grupo de irmãos. Alguns me chamam Meiomeistre. Meu companheiro é Sor Pato.
- Sor Rolly - disse o homem grande - Rolly Patodocampo. Qualquer cavaleiro pode sagrar um cavaleiro, e Griff me sagrou. E você, anão?
Illyrio respondeu rapidamente:
- Yollo, é o nome dele.
Yollo? Yollo parece um nome que alguém daria a um macaco. Pior, era um nome pentoshi, e qualquer tolo podia ver que Tyrion não era pentoshi.
- Em Pentos, sou Yollo - disse rapidamente, para ajeitar a história da melhor maneira possível - mas minha mãe me deu o nome de Hugor Hill.
- Você é um pequeno rei ou um pequeno bastardo? - perguntou Baldon.
Tyrion percebeu que deveria ser cuidadoso perto do Meiomeistre Haldon.
- Todo anão é um bastardo aos olhos de seu pai.
- Sem dúvida. Bem, Hugor Hill, me responda essa. Como Serwyn do Escudo Espelhado matou o dragão Urrax?
- Ele se aproximou atrás de seu escudo. Urrax viu somente seu próprio reflexo até que Serwyn espetou a lança através do olho do animal.
Haldon não estava impressionado.
- Até Pato conhece essa história. Você sabe me dizer o nome do cavaleiro que tentou o mesmo truque com Vhagar durante a Dança dos Dragões?
Tyrion sorriu.
- Sor Byron Swann. Mas ele foi assado, para seu azar... só que o dragão era Syrax, não Vhagar.
- Sinto que esteja enganado. Em A Dança dos Dragões, uma história verdadeira, Meistre Munkun escreve...
- ... que era Vhagar. Grande Meistre Munkun estava errado. O escudeiro de Sor Byron viu seu mestre morrer e escreveu para a filha contando de que maneira isso aconteceu. O relato diz que foi Syrax, a dragão-fêmea de Rhaenyra, o que faz mais sentido do que a versão de Munken. Swann era filho de um senhor manifestante, e Ponta Tempestade estava por Aegon. Vhagar era cavalgada pelo Príncipe Aemond, irmão de Aegon. Por que Swann iria querer matá-la?
Haldon apertou os lábios.
- Tente não cair do cavalo. Se fizer isso, melhor bambolear de volta para Pentos. Nossa donzela tímida não espera por nenhum homem ou anão.
- Donzelas tímidas são meu tipo favorito. Juntamente com as devassas. Diga-me, para onde as putas vão?
- Eu pareço homem que frequenta putas?
Pato riu ironicamente.
- Ele não se atreve. Lemore faria ele rezar por perdão, o garoto ia querer ir junto, e Griff pode cortar o pau dele e enfiar garganta abaixo.
- Bem - disse Tyrion - um meistre não precisa de um pau.
- Mas Haldon é só meiomeistre.
- Parece que você acha o anão divertido, Pato - disse Haldon. - Ele pode cavalgar com você. - E virou abruptamente sua montaria.
Levou mais algum tempo para que Pato terminasse de amarrar os baús de Illyrio nos três cavalos de carga. Quando terminou, Haldon tinha desaparecido. Pato pareceu despreocupado. Subiu na sela, pegou Tyrion pelo colarinho e colocou o homenzinho sentado em sua frente.
- Segure o cepilho com firmeza e se sairá bem. A égua tem uma marcha tranquila, e o caminho do dragão é suave como o traseiro de uma donzela - apanhando as rédeas com a mão direita e a guia com a esquerda, Sor Rolly partiu em trote rápido.
- Boa sorte! - Illyrio gritou atrás deles. - Diga ao garoto que sinto não estar presente no casamento dele. Vejo vocês de novo em Westeros. Juro pelas mãos da minha doce Serra.
Na última vez que Tyrion Lannister viu Iliyrio Mopatis, o Magíster estava em pé ao lado da liteira, com suas vestes brocadas e os enormes ombros caídos. Conforme sua imagem diminuiu em meio à poeira, o senhor do queijo chegou a parecer quase pequeno.
Pato alcançou Meiomeistre Haldon quatrocentos metros adiante. Depois disso, os cavaleiros seguiram lado a lado. Tyrion agarrava-se ao cepilho, com as pernas curtas abertas desajeitadamente, sabendo que mais adiante poderia procurar por bolhas, câimbras e úlceras da sela.
- Eu me pergunto o que os piratas do Lago Adaga farão ao nosso anão - Haldon disse enquanto cavalgavam.
- Ensopado de anão? - sugeriu Pato.
- Urho, o Sembanho, é o pior deles - confidenciou Haldon. - Seu mau cheiro sozinho é capaz de matar um homem.
Tyrion encolheu os ombros.
- Ainda bem que não tenho nariz.
Haldon lhe deu um leve sorriso.
- Se encontrarmos a Senhora Korra no Dentes de Hag, você logo estará sem outras partes também. Korra, a Cruel, ela é chamada. Seu navio é tripulado por belas e jovens donzelas que castram todos os machos que capturam.
- Terrível. Eu bem que posso mijar nos calções.
- Melhor não - Pato advertiu, sombriamente.
- Como preferir. Se encontrarmos essa Senhora Korra, vou simplesmente escorregar para dentro de uma saia e dizer que sou Cersei, a famosa beleza barbada de Porto Real.
Dessa vez Pato riu, e Haldon disse:
- Que sujeitinho engraçado você é, Yollo. Dizem que o Senhor Mascarado dará uma bênção para quem puder fazê-lo rir. Talvez Sua Graça Cinza escolha você para ornamentar seu tribunal de pedra.
Pato olhou para o companheiro, inquieto:
- Não é bom fazer graça com isso, não quando estamos tão perto do Roine. Ele ouve.
- Sabedoria de um pato - disse Haldon. - Perdoe-me, Yollo. Não precisa ficar pálido, eu estava só brincando. O Príncipe dos Sofrimentos não dará seu suave beijo gris.
Seu beijo gris. O pensamento fez sua pele arrepiar-se. A morte perdera o terror para Tyrion Lannister, mas escamagris era outra coisa. O Senhor Mascarado é apenas uma lenda, disse para si mesmo, não mais real do que o fantasma de Lann, o Esperto, que alguns acham que assombra Rochedo Casterly. Mesmo assim, segurou a língua.
O súbito silêncio do anão passou despercebido, enquanto Pato começou a deliciá-lo com sua própria história de vida. Seu pai fora um armeiro em Ponteamarga, disse, então ele nascera com o som do aço nos ouvidos e começou a praticar esgrima em idade precoce. Um rapaz tão grande e promissor logo chamou a atenção de Lorde Caswell, que ofereceu para ele um lugar em sua guarnição, mas o garoto teria querido mais. Viu o filho fracote de Caswell ser nomeado pajem, escudeiro e, finalmente, cavaleiro.
- Um cara-furada magrelo e vagabundo, ele era, mas o velho senhor tinha apenas quatro filhas e um único filho, então ninguém podia dizer uma palavra contra ele. Os outros escudeiros dificilmente se atreviam a levantar um dedo contra ele no pátio.
- Mas você não era tão tímido quanto eles. - Tyrion podia ver facilmente para onde a história caminhava.
- Meu pai fez uma espada longa para mim, para marcar o décimo-sexto dia do meu nome - disse Pato - mas Lorent gostou tanto dela que pegou-a para si, e meu maldito pai não se atreveu a dizer não. Quando eu reclamei, Lorent disse na minha cara que minha mão tinha sido feita para segurar um martelo, não uma espada. Então peguei um martelo e bati nele até que ficasse com as duas pernas e metade das costelas quebradas. Depois disso, tive que deixar a Campina o mais rápido possível. Atravessei o mar e me juntei à Companhia Dourada. Trabalhei na forja por uns anos, como aprendiz, então Sor Harry Strickland me tomou como escudeiro. Quando Griff mandou uma carta rio abaixo dizendo que precisava de alguém para treinar seu filho nas armas, Harry me mandou.
- E Griff sagrou você cavaleiro?
- Um ano mais tarde.
Meiomeistre Haldon deu um leve sorriso.
- Conte para seu amiguinho como você arranjou seu nome, por que não?
- Um cavaleiro precisa de mais do que apenas um nome - o homem grande insistiu - e, bem, estávamos em um campo quando ele me sagrou, e eu olhei para cima e vi esses patos, então ... não ria agora.
Logo após o pôr do sol, eles deixaram a estrada para descansar em uma área coberta ao lado de um velho poço de pedra. Tyrion pulou do cavalo para esticar as pernas e se livrar das câimbras, enquanto Pato e Haldon davam água para os cavalos. Uma grama dura e marrom e plantas daninhas brotavam entre os espaços do piso, e havia paredes cobertas de musgo do que poderia ter sido uma grande mansão de pedra. Depois que os animais foram tratados, os cavaleiros repartiram uma ceia simples de carne de porco salgada e feijões brancos frios, empurrados para baixo com cerveja. Para Tyrion, a refeição singela foi uma agradável mudança depois da farta comida partilhada com Illyrio.
- Estes baús que trouxemos para vocês - disse o anão enquanto mastigavam. - Ouro para a Companhia Dourada, pensei primeiramente, até ver Sor Rolly carregando-os em um ombro. Se estivessem cheios de moedas, não poderiam ser levantados com tanta facilidade.
- São apenas armaduras - Pato disse, com um encolher de ombros.
- E roupas também - Haldon interrompeu. - Roupas da corte, para todo o nosso grupo. Finas lãs, veludos, capas de seda. Ninguém quer chegar diante da rainha parecendo um mendigo ... nem de mãos vazias. O Magíster foi gentil o suficiente para nos providenciar presentes adequados.
Com o nascer da lua, eles voltaram para suas selas, trotando para leste sob um manto de estrelas. A velha estrada valiriana brilhava diante deles como uma longa fita prateada enroscando-se por bosques e pequenos vales. Por um instante, Tyrion Lannister sentiu-se quase em paz.
- Lomas Longstrider disse a verdade. A estrada é uma maravilha.
- Lomas Longstrider? - perguntou Pato.
- Um escriba, morto há muito tempo - disse Haldon. - Passou a vida viajando pelo mundo e escrevendo sobre as terras que visitou em dois livros, que chamou de Maravilhas e Maravilhas Feitas pelo Homem.
- Um tio me deu esses livros quando eu ainda era menino - disse Tyrion. - Eu os li até que caíssem aos pedaços.
- Os deuses fizeram sete maravilhas, e o homem mortal fez nove - citou o Meiomeistre. - Muito ímpio da parte do homem mortal fazer dois a mais que os deuses, mas aí estão. A estrada de pedra de Valíria é uma das nove de Longstrider. A quinta, eu acho.
- A quarta - disse Tyrion, que sabia todas as dezesseis de memória desde menino. Seu tio Gerion gostava de colocá-lo sobre a mesa durante as festas para que pudesse recitá-las. Eu gostava bastante disso, não gostava? Ficar parado ali entre os convidados, todos os olhos sobre mim, provando que anãozinho esperto eu era. Por anos depois disso, ele acalentou o sonho de um dia viajar pelo mundo e ver as maravilhas de Longstrider com seus próprios olhos.
Lorde Tywin pusera um fim nessa esperança dez dias antes do décimo-sexto dia do nome do anão, quando Tyrion pediu para viajar pelas Nove Cidades Livres, como seus tios haviam feito com a mesma idade.
- Meus irmãos jamais trariam vergonha para a Casa Lannister - seu pai replicara. - Nenhum deles se casou com uma puta.
E quando Tyrion o lembrou que em dez dias seria um homem feito, livre para viajar para onde desejasse, Lorde Tywin disse:
- Nenhum homem é livre. Somente crianças e tolos pensam o contrário. Vá pelos seus meios. Vista uma roupa quadriculada e fique de cabeça para baixo para divertir os senhores das especiarias e os reis do queijo. Só tenha certeza de poder se manter, e coloque de lado qualquer ideia de voltar para cá.
Diante disso, a rebeldia do rapaz se esfacelou.
- Se quer uma ocupação útil, terá uma ocupação útil - disse então seu pai.
Para marcar sua entrada na vida adulta, Tyrion ficou responsável por todos os drenos e cisternas de Rochedo Casterly. Talvez ele esperasse que eu caísse em um deles. A sorte de Tywin o desapontou daquela vez. Os drenos nunca funcionaram tão bem como na época em que o anão esteve a cargo deles.
Preciso de uma taça de vinho, para lavar o gosto de Tywin da minha boca. Um odre de vinho seria até melhor.
Eles cavalgaram a noite toda, com Tyrion dormindo de modo irregular, cochilando contra o cepilho e acordando repentinamente. De tempos em tempos, ele começava a escorregar para um dos lados da sela, mas Sor Rolly o pegava e o colocava no lugar novamente. Ao amanhecer, as pernas do anão doíam e suas nádegas estavam esfoladas e em carne viva.
No dia seguinte, alcançaram Ghoyan Drohe, bem ao lado do rio.
- O lendário Roine - disse Tyrion, quando vislumbrou o lento curso d'água verde de cima de uma elevação.
- O Pequeno Roine - disse Pato.
- É isso. - Um rio bastante agradável, suponho, mas o menor ramo do Tridente é duas vezes mais largo, e todos os três correm mais rápido. A cidade tampouco impressionava. Ghoyan Drohe nunca fora grande, Tyrion lembrava das histórias, mas havia sido um lugar bom, verde e florido, uma cidade de canais e fontes. Até a guerra. Até que os dragões vieram. Mil anos depois, os canais estavam obstruídos pelo junco e pela lama, e as piscinas de água estagnada davam origem a enxames de moscas. As pedras quebradas de templos e palácios afundavam de volta para a terra, e velhos e retorcidos salgueiros cresciam grossos ao longo da margem do rio.
Algumas pessoas ainda permaneciam em meio à miséria, cuidando de pequenos jardins entre o mato. O som das ferraduras na velha estrada valiriana mandou muitos deles correndo de volta para os buracos de onde tinham rastejado, mas os mais ousados permaneceram ao sol por tempo suficiente para olhar os cavaleiros que passavam com embotados olhos indiferentes. Uma menina nua, com lama até os joelhos, não conseguia tirar os olhos de Tyrion. Ela nunca viu um anão antes, ele percebeu, muito menos um anão sem nariz. Fez uma careta e mostrou a língua, e a menina começou a chorar.
- O que você fez para ela? - Pato perguntou.
- Mandei um beijo. Todas as garotas choram quando as beijo.
Depois dos salgueiros emaranhados, a estrada terminava abruptamente, e eles viraram para o norte, por um atalho, e cavalgaram beirando a água, até que a vegetação baixa acabou e se encontraram ao lado de um velho cais de pedra, semi submerso e rodeado por altas plantas daninhas marrons.
- Pato! - veio um grito. - Haldon!
Tyrion esticou a cabeça para um lado e viu um rapaz em pé no telhado de uma construção de madeira baixa, acenando com um chapéu de palha de abas largas. Era um jovem ágil e benfeito, magro e com um escandaloso cabelo azul-escuro. O anão calculou sua idade entre quinze, dezesseis anos, ou algo próximo a isso.
O telhado no qual o rapaz estava mostrou-se ser a cabine do Donzela Tímida, um barco à vela de um mastro só, caindo aos pedaços. Tinha uma viga mestra larga e um casco raso, ideal para abrir caminho até no menor dos córregos e avançar de lado sobre bancos de areia. Uma rústica donzela, pensou Tyrion, mas algumas vezes as mais feias são as mais vorazes na cama. Os barcos à vela que enchiam os rios de Dome eram, em geral, pintados e muito bem esculpidos, mas não essa donzela. Sua pintura era de um castanho-acinzentado lamacento, manchado e descamado, seu grande e curvado timão era simples e sem adornos. Parece suja, ele pensou, mas sem dúvida esse é o objetivo.
Pato gritava o cumprimento de volta. A égua espirrava água pelas poças, pisando sobre os juncos. O rapaz saltou do teto da cabine para o convés do barco, e o resto da tripulação do Donzela Tímida apareceu. Um velho casal com feições roinares permaneceu perto do timão, enquanto uma bela septã em suaves vestes brancas apareceu na porta da cabine e tirou uma mecha de cabelos castanhos dos olhos.
Mas não dava para confundir Griff.
- A gritaria já foi suficiente - disse. Um silêncio súbito caiu sobre o rio.
Este será um problema, Tyrion percebeu de cara.
A capa de Griff era feita com a pele e a cabeça de um lobo vermelho do Roine. Sob a pele, vestia couro marrom enrijecido com anéis de ferro. Seu rosto bem barbeado era como couro também, com rugas no canto dos olhos. Embora seu cabelo fosse tão azul quanto o do filho, tinha as raízes vermelhas e as sobrancelhas mais vermelhas ainda. Levava uma espada e uma adaga penduradas no quadril. Se estava feliz em ver Pato e Haldon de volta, escondeu bem, mas não se preocupou em disfarçar o desagrado ao ver Tyrion.
- Um anão? O que é isto?
- Eu sei, você esperava uma roda de queijo. - Tyrion virou-se para o Jovem Griff e deu ao rapaz seu sorriso mais desarmante. - O cabelo azul pode servir bem em Tyrosh, mas em Westeros as crianças jogarão pedras em você e as garotas vão rir na sua cara.
O rapaz foi pego de surpresa.
- Minha mãe era uma senhora de Tyrosh. Pinto meu cabelo em memória a ela.
- O que é essa criatura? - Griff exigiu saber.
Haldon respondeu:
- Illyrio enviou uma carta explicando.
- Quero vê-la, então. Leve o anão para minha cabine.
Não gosto dos olhos dele, Tyrion refletiu, quando o mercenário sentou-se em sua frente na penumbra do interior do barco, com uma mesa de tábuas riscadas e uma vela de sebo entre eles. Eram de um azul gélido, claros, frios. O anão não gostava de olhos claros. Os olhos de Lorde Tywin eram verde-claros, salpicados de ouro.
Ele assistiu ao mercenário lendo. Que fosse capaz de ler já dizia alguma coisa. Quantos mercenários podiam se gabar disso? Ele praticamente não move os lábios, Tyrion refletiu.
Finalmente, Griff levantou os olhos do pergaminho, e aqueles olhos claros se estreitaram.
- Tywin Lannister está morto? Pelas suas mãos?
- Pelo meu dedo. Este aqui. - Tyrion o levantou para que Griff o admirasse. - Lorde Tywin estava sentado em uma latrina, então eu atravessei um dardo de besta em suas entranhas, para ver se ele realmente cagava ouro. Não cagava. Uma pena, eu poderia usar algum ouro. Também assassinei minha mãe, um pouco mais cedo. Ah, e meu sobrinho Joffrey, eu o envenenei em sua festa de casamento e fiquei olhando ele sufocar até a morte. O queijeiro deixou essa parte de fora? Pretendo colocar meu irmão e minha irmã na lista antes de terminar, se for do agrado de sua rainha.
- Agradá-la? Illyrio perdeu o bom-senso? Por que ele imaginaria que Sua Graça aceitaria os serviços de um assassino de parentes e traidor confessor?
Uma questão justa, Tyrion pensou, mas o que disse foi:
- O rei que eu matei estava sentado no trono dela, e todos aqueles que traí eram leões, então parece que já prestei um bom serviço para a rainha. - Coçou o toco do nariz. - Não tema, não vou matá-lo, você não é meu parente. Posso ler o que o queijeiro escreveu? Adoro ler sobre mim mesmo.
Griff ignorou o pedido. Em vez disso, encostou a carta na chama da vela e ficou olhando o pergaminho escurecer, encurvar-se e pegar fogo.
- Há sangue entre os Targaryen e os Lannister. Por que você apoiaria a causa da Rainha Daenerys?
- Por ouro e glória - o anão disse, alegremente. - Ah, e ódio. Se você já tivesse encontrado minha irmã, entenderia.
- Entendo o ódio bem o suficiente.
Pelo jeito que Griff falou isso, Tyrion soube que era verdade. Este aí tem se alimentado de ódio. É o que o aquece à noite, durante anos.
- Então temos isso em comum, sor.
- Não sou nenhum cavaleiro.
Não é apenas um mentiroso, mas um mau mentiroso. Isto foi indelicado e estúpido, senhor.
- E mesmo assim Sor Pato disse que você o sagrou cavaleiro.
- Pato fala demais.
- Alguns poderiam estranhar que um pato fale qualquer coisa. Não importa, Griff. Você não é um cavaleiro e eu sou Hugor Hill, um pequeno monstro. Seu pequeno monstro, se quiser. Você tem minha palavra, tudo o que quero é ser um servo leal de sua rainha dragão.
- E como você pretende servi-lar
- Com minha língua. - Lambeu os dedos, um por um. - Posso contar para Sua Graça como minha doce irmã pensa, se alguém pode chamar aquilo de pensar. Posso dizer aos capitães dela qual a melhor maneira de derrotar meu irmão Jaime em batalha. Sei quais senhores são corajosos e quais são covardes, quais são leais e quais são corruptos. Posso entregar aliados para ela. E sei muito e ainda mais sobre dragões, como seu meiomeistre lhe dirá. E sou divertido também, e não como muito. Considere-me seu verdadeiro duende.
Griff pesou aquilo por um momento.
- Entenda isso, anão. Você é o último e o menos importante de nossa companhia. Segure a língua e faça o que lhe for dito, ou logo desejará ter feito.
Sim, pai, Tyrion quase disse.
- Será como diz, senhor.
- Não sou senhor.
Mentiroso.
- Foi apenas uma cortesia, meu amigo.
- Tampouco sou seu amigo.
Não é cavaleiro, não é senhor, não é amigo.
- Uma pena.
- Poupe-me da sua ironia. Vou levá-lo até Volantis. Se você se mostrar obediente e útil, pode permanecer conosco, para servir a rainha o melhor que puder. Prove ser mais problemático do que valioso, e seguirá seu próprio caminho.
Sim, e meu caminho me levará para o fundo do Roine, com peixes beliscando o que sobrou do meu nariz.
- VaIar dohaeris.
- Pode dormir no convés ou no porão, como preferir. Ysilla providenciará roupas de cama para você.
- Que gentileza a dela. - Tyrion fez uma mesura, mas, na porta da cabine, voltou-se. - E se encontrarmos a rainha e descobrirmos que essa história de dragões é alguma fantasia de um marinheiro bêbado? Este mundo está cheio desses contos loucos. Gramequins e snarks, fantasmas e vampiros, sereias, gnomos, cavalos alados, porcos alados ... leões alados.
Griff olhou para ele, franzindo a testa.
- Eu lhe dei um aviso, Lannister. Guarde sua língua ou vai perdê-la. Reinos estão em perigo aqui. Nossa vida, nosso nome, nossa honra. Isto não é um jogo que estamos jogando para seu divertimento.
Claro que é, pensou Tyrion. O jogo dos tronos.
- Como quiser, capitão - murmurou, curvando-se novamente. 

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