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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
CRÔNICAS DE GELO E FOGO
- A GUERRA DOS TRONOS
- A FÚRIA DOS REIS
- A TORMENTA DE ESPADAS
- O FESTIM DOS CORVOS
- A DANÇA DOS DRAGÕES
- OS VENTOS DO INVERNO (só depende do autor, previsto p/ 2015)
GLOSSÁRIO
sábado, 28 de dezembro de 2013
A DANÇA DOS DRAGÕES
AS CRÔNICAS DE GELO
E FOGO
LIVRO CINCO
A DANÇA DOS DRAGÕES
PRÓLOGO
1 - TYRION
2 - DAENERYS
3 - JON
4 - BRAN
5 - TYRION
6 - O HOMEM DO MERCADOR
7 - JON
8 - TYRION
9 - DAVOS
10 - JON
11 - DAENERYS
12 - FEDOR
13 - BRAN
14 - TYRION
15 - DAVOS
16 - DAENERYS
17 - JON
18 - TYRION
19 - DAVOS
20 - FEDOR
21 - JON
22 - TYRION
23 - DAENERYS
24 - O SENHOR PERDIDO
25 - O SOPRADO PELO VENTO
26 - A NOIVA REBELDE
27 - TYRION
28 - JON
29 - DAVOS
30 - DAENERYS
31 - MELISANDRE
32 - FEDOR
33 - TYRION
34 - BRAN
35 - JON
36 - DAENERYS
37 - O PRÍNCIPE DE WINTERFELL
38 - O SENTINELA
39 - JON
40 - TYRION
41 - O VIRA-CASACA
42 - O PRÊMIO DO REI
43 - DAENERYS
44 - JON
45 - A GAROTA CEGA
46 - UM FANTASMA EM WINTERFELL
47 - TYRION
48 - JAIME
49 - JON
50 - DAENERYS
51 - THEON
52 - DAENERYS
53 - JON
54 - CERSEI
55 - O GUARDA DA RAINHA
56 - O PRETENDENTE DE FERRO
57 - TYRION
58 - JON
59 - O CAVALEIRO DESCARTADO
60 - O PRETENDENTE REJEITADO
61 - O GRIFO RENASCIDO
62 - O SACRIFÍCIO
63 - VICTARION
64 - A GAROTINHA FEIA
65 - CERSEI
66 - TYRION
67 - O DERRUBADOR DE REIS
68 - O DOMADOR DE DRAGÕES
69 - JON
70 - O MÃO DA RAINHA
71 - DAENERYS
EPÍLOGO
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
EPÍLOGO
- Não sou um
traidor - o Cavaleiro de Poleiro do Grifo declarou. - Sou homem do
Rei Tommen, e seu.
Um constante
pinga-pinga pontuava suas palavras, enquanto a neve derretida
escorria de seu manto para empoçar no chão. A neve caíra em Porto
Real a maior parte da noite; do lado de fora, os montes estavam na
altura do tornozelo. Sor Kevan Lannister puxou o manto contra o
corpo.
- Assim você diz,
sor. Palavras são vento.
- Deixe-me provar a
verdade delas com minha espada. - A luz das tochas transformava em
chama a barba e os cabelos compridos vermelhos de Ronnet Connington.
- Envie-me contra meu tio e eu lhe trarei a cabeça dele, e a cabeça
desse falso dragão também.
Lanceiros
Lannister, com mantos carmesins e meios-elmos com leões em cima
estavam parados ao longo da parede ocidental da sala do trono.
Guardas Tyrell, em mantos verdes, estavam de frente para eles, na
parede oposta. O frio da sala do trono era palpável. Embora nem a
Rainha Cersei nem a Rainha Margaery estivessem entre eles, a presença
de ambas podia ser sentida envenenando o ar, como fantasmas em um
banquete.
Atrás da mesa onde
os cinco membros do pequeno conselho do rei estavam sentados, o Trono
de Ferro se acocorava como uma grande besta negra, suas farpas,
garras e lâminas semiocultas na sombra. Kevan Lannister podia
senti-lo em suas costas, uma coceira entre as omoplatas. Era fácil
imaginar o velho Rei Aerys empoleirado lá, sangrando por algum corte
recente, olhando furiosamente para baixo. Mas, hoje, o trono estava
vazio. Não via razão para Tommen se juntar a eles. Era mais gentil
deixar o menino ficar com a mãe. Apenas os Sete sabiam quanto tempo
filho e mãe teriam juntos antes do julgamento de Cersei ... e
possivelmente sua execução.
Mace Tyrell estava
falando.
- Vamos lidar com
seu tio e esse garoto forjado em seu devido tempo. - A nova Mão do
Rei estava sentada em um trono de carvalho esculpido no formato de
uma mão, uma vaidade absurda que sua senhoria apresentara no dia em
que Sor Kevan concordara em lhe conceder o cargo tão cobiçado. -
Você esperará aqui, até que estejamos prontos para marchar. Então
terá a oportunidade de provar sua lealdade.
Sor Kevan não
tinha nenhum problema com isso.
- Escoltem Sor
Ronnet de volta aos seus aposentos - disse. E garantam que permaneça
lá ficou sem ser dito. Apesar de seus altos protestos, o Cavaleiro
do Poleiro do Grifo continuava sendo suspeito. Supostamente, os
mercenários que haviam desembarcado no sul eram comandados por um de
seu próprio sangue.
Quando os ecos dos
passos de Connington desapareceram, Grande Meistre Pycelle sacudiu
pesadamente a cabeça.
- Certa vez, o tio
dele ficou parado bem ali onde o garoto estava agora e disse ao Rei
Aerys que lhe entregaria a cabeça de Robert Baratheon.
É isso que
acontece quando um homem fica tão velho quanto Pycelle. Tudo o que
vê ou escuta o recorda de algo que viu ou escutou quando era jovem.
- Quantos homens em
armas acompanharam Sor Ronnet à cidade? - Sor Kevan perguntou.
- Vinte - disse
Lorde Randyll Tarly - a maioria deles do antigo grupo de Gregor
Clegane. Seu sobrinho, Jaime, os deu a Connington. Para livrar-se
deles, aposto. Eles não tinham estado em Lagoa da Donzela um dia
antes de um matar um homem e outro ser acusado de estupro. Tive que
enforcar o primeiro e castrar o segundo. Se fosse por mim, enviaria
todos eles para a Patrulha da Noite, e Connington com eles. A Muralha
é o lugar ao qual essa escória pertence.
- Um cão faz o que
seu mestre manda - declarou Mace Tyrell. - Mantos negros cairiam bem
neles, concordo. Não suportaria tais homens na patrulha da cidade. -
Uma centena de homens do Jardim de Cima havia sido somada aos mantos
dourados, mesmo assim, claramente, sua senhoria pretendia resistir a
qualquer tipo de equilíbrio com os homens do oeste.
Quanto
mais dou, mais ele quer. Kevan Lannister começara a entender por que
Cersei ficara tão ressentida com os Tyrell. Mas esse não era o
momento de provocar uma dispura aberta. Randyll Tarly e Mace Tyrell
tinham ambos trazido exércitos a Porto Real, enquanto a melhor parte
da força da Casa Lannister permanecera nas terras fluviais,
desaparecendo rapidamente.
- Os homens da
Montanha sempre foram lutadores - disse, em tom conciliatório - e
podemos precisar de cada espada contra esses mercenários. Se esta
realmente é a Companhia Dourada, como os murmuradores de Qyburn
insistem ...
- Chame-os como
quiser - disse Randyll Tarly. - Ainda não são mais do que
aventureiros.
- Talvez - Sor
Kevan falou. - Mas quanto mais ignoramos esses aventureiros, mais
fortes eles ficam. Temos um mapa preparado, um mapa de incursões.
Grande Meistre?
O mapa era bonito,
pintado pelas mãos de um meistre em uma folha do mais fino papel
vegetal, tão grande que cobria a mesa.
- Aqui. - Pycelle
apontou com a mão manchada. Onde a manga de sua túnica se ergueu,
uma aba de carne pálida pôde ser vista dançando sob seu antebraço.
- Aqui e aqui. Ao longo de toda a costa e nas ilhas. Tarth,
Passopedra, até mesmo Estermonte. E agora temos relatos de que
Connington se dirige para Ponta Tempestade.
- Se for mesmo Jon
Connington - comentou Randyll Tarly.
- Ponta Tempestade.
- Lorde Mace grunhiu as palavras. - Ele não pode tomar Ponta
Tempestade. Nem se fosse Aegon, o Conquistador. E se tomar, e daí?
Stannis mantém o lugar agora. Deixe o castelo passar de um
pretendente para outro, por que isso deveria nos incomodar? Eu o
recapturarei depois que a inocência de minha filha for provada.
Como você pode
recapturá-lo se, para começar, não o capturou?
- Eu entendo, meu
senhor, mas ...
Tyrell não o
deixou terminar.
- Essas acusações
contra minha filha são mentiras imundas. Pergunto novamente, por que
devemos encenar essa farsa de pantomimeiros - Que o Rei Tommen
declare a inocência da minha filha, sor, e colocaremos um fim a essa
loucura aqui e agora.
Faça isso, e os
murmúrios acompanharão Margaery o resto de sua vida.
- Nenhum homem
duvida da inocência de sua filha, meu senhor - Sor Kevan mentiu -
mas Sua Alta Santidade insiste em um julgamento.
Lorde Randyll
bufou.
- O que nos
tornamos, quando reis e grandes senhores precisam dançar conforme o
piado de pardais?
- Temos inimigos
por todos os lados, Lorde Tarly - Sor Kevan o recordou. - Stannis no
norte, homens de ferro no oeste, mercenários no sul. Desafie o Alto
Septão, e teremos sangue correndo nas sarjetas de Porto Real também.
Se formos vistos indo contra os deuses, isso apenas levará os
piedosos para os braços de um ou de outro desses aspirantes a
usurpador.
Mace Tyrell
permaneceu impassível.
- Assim que Paxter
Redwyne varrer os homens de ferro para os mares, meus filhos
retomarão os Escudos. As neves cuidarão de Stannis, ou Bolton o
fará. E quanto a Connington ...
- Se for ele -
Lorde Randyll disse.
- ... quanto a
Connington - Tyrell repetiu - que vitórias ele já conquistou para
que o temamos? Ele podia ter acabado com a Rebelião de Robert no
Septo de Pedra. Falhou. Exatamente como a Companhia Dourada tem
sempre falhado. Alguns podem correr para se juntar a eles, sim. E bom
para o reino se livrar de tais tolos.
Sor Kevan desejava
poder partilhar dessas certezas. Conhecera Jon Connington
ligeiramente - um jovem orgulhoso, o mais teimoso do bando de jovens
fidalgotes que se reunira em torno do Príncipe Rhaegar Targaryen,
competindo pelo favor real. Arrogante, mas capaz e enérgico. Aquilo
e sua habilidade com as armas fizeram com que o Rei Louco Aerys o
nomeasse Mão. A inércia do velho Lorde Merryweather havia permitido
que a rebelião se enraizasse e se espalhasse, e Aerys queria alguém
jovem e vigoroso para enfrentar a juventude e o vigor do próprio
Robert.
- Muito cedo -
Lorde Tywin Lannister declarara quando a notícia da escolha do rei
chegara a Rochedo Casterly. - Connington é muito jovem, muito
ousado, muito sedento de glória.
A Batalha dos Sinos
provara a verdade daquilo. Sor Kevan esperara que, depois disso,
Aerys não tivesse outra escolha que não convocar Tywin mais uma vez
... mas o Rei Louco se voltara para os Lordes Chelsted e Rossard, e
pagou com sua vida e sua coroa. Mas isso foi há muito tempo. Se este
é realmente Jon Connington, ele será um homem diferente. Mais
velho, mais duro, mais experiente... mais perigoso.
- Connington pode
ter mais do que a Companhia Dourada. Dizem que tem um pretendente
Targaryen.
- Um menino forjado
é o que ele é - disse Randyll Tarly.
- Pode ser que sim.
Ou não. - Kevan Lannister tinha estado ali, naquele mesmo salão,
quando Tywin colocara o corpo dos filhos do Príncipe Rhaegar aos pés
do Trono de Ferro e enrolara-os em mantos carmesins. A garota era
reconhecidamente a Princesa Rhaenys, mas o menino... um horror de
ossos, cérebro e sangue coagulado, sem rosto, poucas meadas do belo
cabelo. Nenhum de nós olhou por muito tempo. Tywin disse que era o
Príncipe Aegon, e confiamos em sua palavra. - Temos essas histórias
vindas do leste também. Uma segunda Targaryen, e uma cujo sangue
nenhum homem pode questionar. Daenerys Nascida da Tormenta.
- Tão louca quanto
o pai - declarou Lorde Mace Tyrell.
Que seria o mesmo
pai que Jardim de Cima e a Casa Tyrell apoiaram até o amargo fim e
muito além.
- Ela pode ser
louca - Sor Kevan disse - mas com tanta fumaça à deriva no oeste,
certamente há algum fogo queimando no leste.
Grande Meistre
Pycelle balançou a cabeça.
- Dragões. Essas
mesmas histórias alcançaram Vilavelha. Demasiadas para não serem
levadas em conta. Uma rainha de cabelos prateados com três dragões.
- Do outro lado do
mundo - falou Mace Tyrell. - Rainha na Baía dos Escravos, sim.
Seremos gratos se ficar por lá.
- Nisso concordamos
- disse Sor Kevan - mas a garota é do sangue de Aegon, o
Conquistador, e não acho que ficará satisfeita em permanecer em
Meereen para sempre. Se ela alcançar esta costa e unir forças a
Lorde Connington e esse príncipe dele, falso ou não ... devemos
destruir Connington e seu pretendente agora, antes que Daenerys
Nascida da Tormenta venha para o oeste.
Mace Tyrell cruzou
os braços.
- Pretendo fazer
exatamente isso, sor. Depois dos julgamentos.
- Mercenários
lutam por dinheiro - declarou o Grande Meistre Pycelle. - Com ouro
suficiente, podemos persuadir a Companhia Dourada a entregar Lorde
Connington e o pretendente.
- Sim, se
tivéssemos ouro - Sor Harys Swyft disse. - Ai de mim, meus senhores,
nossos cofres têm apenas ratos e baratas. Escrevi novamente para os
banqueiros de Myr. Se eles concordarem em assumir a dívida da coroa
com os bravosis e nos estender um novo empréstimo, talvez não
tenhamos que aumentar os impostos. Caso contrário ...
- Os magísteres de
Pentos são conhecidos por emprestar dinheiro também - lembrou Sor
Kevan. - Tente com eles. - Os pentoshis gostariam ainda menos de
prestar ajuda, mas o esforço devia ser feito. A menos que um novo
recurso de dinheiro fosse encontrado, ou o Banco de Ferro persuadido
a ceder, ele seria obrigado a pagar a dívida da coroa com ouro
Lannister. Não se atreveria a recorrer a novos impostos, não com os
Sete Reinos se arrastando em rebelião. Metade dos senhores do reino
podia não distinguir tributação de tirania e se agarraria ao
usurpador mais próximo em um piscar de olhos se isso lhe salvasse
uns cobres cortados. - Se isso falhar, você deve ir a Bravos,
negociar pessoalmente com o Banco de Ferro.
Sor Harys
fraquejou.
- Devo?
- Você é o mestre
da moeda - Lorde Randyll disse rispidamente.
- Sou. - O tufo de
cabelo branco na ponta do queixo de Swyft tremeu de indignação. -
Devo lembrar ao meu senhor que este problema não é feito meu? E nem
todos nós tivemos a oportunidade de reabastecer nossos cofres com os
saques de Lagoa da Donzela e Pedra do Dragão.
-
Eu me ressinto de sua insinuação, Swyft - Mace Tyrell disse,
enfurecido. - Nenhuma riqueza foi encontrada em Pedra do Dragão, eu
lhe garanto. Os homens do meu filho procuraram em cada centímetro
daquela ilha úmida e triste e voltaram com não mais do que uma
simples pedra preciosa ou uma pitada de ouro. Nenhum sinal daquele
fabuloso tesouro escondido de ovos de dragão.
Kevan Lannister
vira Pedra do Dragão com os próprios olhos. Duvidava muito que
Loras Tyrell tivesse procurado em cada centímetro da antiga
fortaleza. Os valirianos a tinham erguido, afinal de contas, e todas
as suas obras cheiravam a feitiçaria. E Sor Loras era jovem,
propenso a todos os juízos temerários da juventude e, além disso,
fora gravemente ferido no assalto ao castelo. Mas isso não faria
Tyrell recordar que seu filho era falível.
- Se houvesse
alguma riqueza em Pedra do Dragão, Stannis a teria encontrado -
declarou Sor Kevan. - Vamos em frente, meus senhores. Temos duas
rainhas para julgar por alta traição, como devem se lembrar. Minha
sobrinha escolheu julgamento por combate, segundo me informou. Sor
Robert Forte será seu campeão.
- O gigante
silencioso. - Lorde Randyll fez uma careta.
- Diga-me, sor, de
onde veio esse homem? - exigiu saber Mace Tyrell. - Por que nunca
ouvimos seu nome antes? Ele não fala, não mostra seu rosto, nunca é
visto sem sua armadura. Sabemos com certeza que é mesmo um
cavaleiro?
Não sabemos nem se
está vivo. Meryn Trant afirmava que Forte nunca comia ou bebia, e
Boros Blount ia além, dizendo que nunca vira o homem usar a latrina.
Por que deveria? Mortos não cagam. Kevan Lannister tinha uma forte
suspeita de quem este Sor Robert realmente era embaixo daquela
reluzente armadura branca. Uma suspeita que Mace Tyrell e Randyll
Tarly sem dúvida partilhavam. Qualquer que fosse o rosto escondido
atrás do elmo do Forte, devia permanecer oculto por enquanto. O
gigante silencioso era a única esperança de sua sobrinha. E rezemos
para que seja tão formidável quanto parece.
Mas Mace Tyrell não
conseguia ver além da ameaça à sua própria filha.
- Sua Graça nomeou
Sor Robert para a Guarda Real - Sor Kevan o recordou - e Qyburn
atesta pelo homem também. Seja como for. Precisamos que Sor Robert
prevaleça, meus senhores. Se minha sobrinha for considerada culpada
por essas traições, a legitimidade de seus filhos será colocada em
questão. Se Tommen deixar de ser rei, Margaery deixará de ser
rainha. - Deixou Tyrell remoer aquilo por um momento. - O que quer
que Cersei tenha feito, ainda é uma filha do Rochedo e do meu
próprio sangue. Não deixarei que morra como traidora, mas me
assegurei de remover suas presas. Todos os guardas dela foram
dispensados e substituídos pelo meus homens. No lugar de suas
antigas damas de companhia, ela passará a ser atendida por uma septã
e três noviças escolhidas pelo Alto Septão. Não tem mais voz no
governo do reino, nem na educação de Tommen. Pretendo que ela
retorne a Rochedo Casterly depois do julgamento e vou garantir para
que permaneça lá. É o suficiente.
O resto, deixou sem
ser dito. Cersei era mercadoria suja agora, seu poder se acabara.
Todo padeiro e pedinte na cidade havia visto sua vergonha, e cada
vendedor de tortas e curtidor da Baixada da Pulga à Curva do
Mijaguado vira sua nudez, seus olhos ansiosos se arrastando por seus
seios, barriga e partes femininas. Nenhuma rainha esperava governar
novamente depois daquilo. Em ouro, seda e esmeraldas, Cersei fora uma
rainha, a coisa mais próxima de uma deusa; nua, era apenas uma
mulher, uma mulher de idade com estrias na barriga e tetas que
começavam a ceder... como as megeras na multidão haviam ficado
felizes em apontar para seus maridos e amantes. Melhor viver na
vergonha do que morrer orgulhosa, Sor Kevan disse a si mesmo.
- Minha sobrinha
não causará mais nenhum mal - prometeu para Mace Tyrell. - Tem
minha palavra nisso, meu senhor.
Tyrell deu um aceno
relutante.
- Como quiser.
Minha Margaery prefere ser julgada pela Fé, então o reino inteiro
poderá testemunhar sua inocência.
Se sua filha é tão
inocente quanto você quer que acreditemos, por que precisa ter seu
exército presente quando ela encarar seus acusadores? Sor Kevan
podia ter perguntado.
- Em breve, espero
- disse, em vez disso, antes de se virar para o Grande Meistre
Pycelle. - Há mais alguma coisa?
O Grande Meistre
consultou seus papéis.
- Devíamos
endereçar a herança de Rosby. Seis petições foram colocadas ...
- Podemos tratar de
Rosby em alguma data futura. O que mais?
- Preparativos
devem ser feitos para a Princesa Myrcella.
- É isso que dá
em se tratar com os dornenses - Mace Tyrell disse. - Certamente, um
partido melhor pode ser encontrado para a garota.
Como seu próprio
filho Willas, talvez? Ela, desfigurada por um dornense, ele, aleijado
por outro?
- Sem dúvida - Sor
Kevan disse - mas temos inimigos suficientes sem ofender Dorne. Se
Doran Martell unir suas forças às de Connington e apoiar esse falso
dragão, as coisas ficarão feias para todos nós.
- Talvez possamos
persuadir nossos amigos dornenses a lidar com Lorde Connington - Sor
Harys Swyft sugeriu com um irritante riso manso. - Isso pouparia um
tanto de sangue e problemas.
- Pode ser - Sor
Kevan disse, cansado. Era hora de colocar um fim naquilo. - Obrigado,
meus senhores. Nos reuniremos novamente daqui a seis dias. Após o
julgamento de Cersei.
- Como quiser. Que
o Guerreiro dê forças aos braços de Sor Robert. - As palavras eram
de má vontade, a inclinação de queixo que Mace Tyrell deu ao
Senhor Regente a mais superficial das mesuras. Mas era algo, e, por
esse tanto, Sor Kevan Lannister estava grato.
Randyll Tarly
deixou o salão com seu senhor suserano, os lanceiros de mantos
verdes atrás deles. Tarly é o perigo real, Sor Kevan refletiu
enquanto via a partida dos dois. Um homem estrito, mas de vontade
férrea e astuto, e tão bom soldado quanto a Campina pode se gabar.
Mas como posso ganhá-lo para nosso lado?
- Lorde Tyrell não
gosta de mim - o Grande Meistre Pycelle disse em tom sombrio quando a
Mão partiu. - Essa questão do chá da lua ... eu nunca devia ter
falado sobre isso, mas a Rainha Viúva me ordenou! Se for do agrado
do Senhor Regente, eu dormiria mais profundamente se pudesse me
emprestar alguns de seus guardas.
- Lorde Tyrell pode
levar a mal.
Sor Harys Swyft
puxou a barba do queixo.
- Também preciso
de guardas para mim. Esses são tempos perigosos.
Sim, pensou Kevan
Lannister, e Pycelle não é o único membro do conselho que nossa
Mão gostaria de substituir. Mace Tyrell tinha seu próprio candidato
para mestre do tesouro: seu tio, Senhor Senescal de Jardim de Cima,
aquele a quem os homens chamavam de Garth, o Grosso. A última coisa
que preciso é de outro Tyrell no pequeno conselho. Ele já estava em
desvantagem. Sor Harys era pai de sua esposa, e Pycelle podia ser
contado ao seu favor, também. Mas Tarly era juramentado ao Jardim de
Cima, assim como Paxter Redwyne, senhor almirante e mestre dos
navios, atualmente navegando com sua frota ao redor de Dorne para
lidar com os homens de Euron Greyjoy. Uma vez que Redwyne retornasse
a Porto Real, o conselho ficaria três a três, Lannister e Tyrell.
A sétima voz seria
a da mulher dornense que agora escoltava Myrcella para casa. A
Senhora Nym. Que não é nenhuma senhora, se metade do que Qyburn
relatou for verdade. Uma filha bastarda da Víbora Vermelha, quase
tão famosa quanto o pai e com a intenção de reivindicar o assento
no conselho que o próprio Víbora Vermelha ocupara tão brevemente.
Sor Kevan ainda não julgara adequado informar Mace Tyrell da chegada
dela. A Mão, ele sabia, não ficaria satisfeita. O homem que
precisamos é Mindinho. Petyr Baelish tem o dom de conjurar dragões
do ar.
- Contrate os
homens da Montanha - Sor Kevan sugeriu. - Ronnet Vermelho não terá
mais utilidade para eles. - Não achava que Mace Tyrell seria tão
tosco para tentar matar Pycelle ou Swyft, mas se guardas os fariam se
sentir melhor, que tivessem guardas.
Os três homens
saíram juntos da sala do trono. Do lado de fora, a neve estava
rodopiando na ala externa, uma besta enjaulada uivando para ser
libertada.
- Já sentiram tal
frio? - perguntou Sor Harys.
- A hora para falar
do frio - disse o Grande Meistre Pycelle - não é quando estamos
parados nele. - Cruzou lentamente a ala externa, de volta a seus
aposentos.
Os outros
permaneceram um momento nos degraus da sala do trono.
-
Não coloco fé nesses banqueiros de Myr - Sor Kevan disse para o
sogro. - É melhor você se preparar para ir a Bravos.
Sor Harys não
pareceu feliz com a perspectiva.
- Se eu devo ...
Mas, digo novamente, esse problema não é feito meu.
- Não. Foi Cersei
quem decidiu que o Banco de Ferro esperaria pelo que lhes é devido.
Devo mandá-la para Bravos?
Sor Harys piscou.
- Sua Graça ...
isso ... isso ...
Sor Kevan o salvou.
- Era uma
brincadeira. Uma péssima brincadeira. Vá e encontre uma fogueira
quente. Pretendo fazer o mesmo. - Puxou as luvas e começou a cruzar
o pátio, inclinando-se com dificuldade contra o vento, enquanto seu
manto batia e rodopiava atrás dele.
O fosso seco que
cercava a Fortaleza de Maegor tinha quase um metro de neve, e as
pontas de ferro que se alinhavam nele brilhavam com a geada. O único
meio de entrar ou sair de Maegor era cruzando a ponte levadiça que
passava por cima do fosso. Um cavaleiro da Guarda Real estava sempre
postado na outra extremidade. Esta noite, o dever havia ficado com
Sor Meryn Trant. Com Balon Swann caçando o desonesto cavaleiro
Estrela Negra em Dorne, Loras Tyrell gravemente ferido em Pedra do
Dragão, e Jaime desaparecido nas terras fluviais, apenas quatro das
Espadas Brancas permaneciam em Porto Real, e Sor Kevan jogara Osmund
Kettleblack (e seu irmão Osfryd) nos calabouços na mesma hora em
que Cersei confessara que tomara os dois homens como amantes. Aquilo
deixava apenas Trant, o fraco Boros Blount e o monstro mudo de
Qyburn, Robert Forte, para proteger o jovem rei e a família real.
Preciso encontrar
algumas espadas novas para a Guarda Real. Tommen devia ter sete bons
cavaleiros com ele. No passado, a Guarda Real servia a vida toda, mas
aquilo não impedira Joffrey de dispensar Sor Barristan Selmy para
conseguir um lugar para seu cão, Sandor Clegane. Kevan podia se
utilizar desse precedente. Poderia colocar Lancel em um manto branco,
ele refletiu. Há mais honra nisso do que ele jamais encontrará nos
Filhos do Guerreiro.
Kevan Lannister
pendurou a capa encharcada pela neve dentro de seu solar, tirou as
botas e ordenou ao seu servo que buscasse um pouco de lenha fresca
para o fogo.
- Uma taça de
vinho quente com especiarias também cairia bem - disse, enquanto se
acomodava ao lado da lareira. - Providencie isso.
O fogo logo o
descongelou, e o vinho aqueceu suas entranhas agradavelmente. Também
o deixou com sono, então não ousou tomar outra taça. Seu dia
estava longe de acabar. Tinha relatos para ler, cartas para escrever.
E cear com Cersei e o rei. Sua sobrinha tinha estado subjugada e
submissa desde a caminhada de expiação, graças aos deuses. As
noviças que a atendiam relatavam que ela passava um terço de suas
horas desperta com o filho, outro terço em oração e o resto na
banheira. Estava se banhando quatro ou cinco vezes ao dia,
esfregando-se com escovas de crina de cavalo e um sabão forte de
lixívia, como se pretendesse arrancar a pele.
Ela nunca mais
tirará a mancha, não importa o quão forte se esfregue. Sor Kevan
se lembrava da garota que fora, tão cheia de vida e travessuras. E
quando florescera, ahhh ... teria havido donzela mais doce de se
olhar? Se Aerys tivesse concordado em casá-la com Rhaegar, quantas
mortes poderiam ter sido evitadas? Cersei poderia ter dado ao
príncipe os filhos que ele queria, leões com olhos púrpura e jubas
prateadas ... e, com tal esposa, Rhaegar nunca teria olhado duas
vezes para Lyanna Stark. A garota nortenha tinha uma beleza selvagem,
ele se lembrava, mas por mais brilhante que uma tocha queimasse,
nunca corresponderia ao sol nascente.
Mas de nada
adiantava cismar com batalhas perdidas e trilhas não percorridas.
Isso era um vício de velhos homens feitos. Rhaegar havia se casado
com Elia de Dome, Lyanna Stark morrera, Robert Baratheon tomara
Cersei como noiva, e aqui estavam eles. E esta noite, seu próprio
caminho o levaria para os aposentos da sobrinha, e cara a cara com
Cersei.
Não tenho motivos
para me sentir culpado, Sor Kevan disse para si mesmo. Tywin
entenderia isso, certamente. Foi sua filha quem trouxe a vergonha
para nosso nome, não eu. O que eu fiz foi para o bem da Casa
Lannister.
Não
era como se seu irmão nunca tivesse feito isso. Nos últimos anos de
vida do pai deles, depois que a mãe morrera, o velho Lorde Tytos
tomara a formosa filha de um fabricante de velas como amante. Não
era incomum que um senhor viúvo mantivesse uma garota do povo para
aquecer sua cama... mas Lorde Tytos logo começara a sentar a mulher
ao lado dele no salão, a cobri-la com presentes e honras, e até
mesmo perguntava sua opinião em assuntos de estado. Em um ano, ela
estava dispensando servos, dando ordens nos cavaleiros da casa,
chegando a falar por sua senhoria quando ele estava indisposto. Ela
ficara tão influente que se dizia, em Lannisporto, que qualquer
homem que desejasse que sua petição fosse ouvida deveria se
ajoelhar diante dela e falar em voz alta para seu colo... pois as
orelhas de Tytos Lannister estavam entre as pernas de sua senhora.
Ela até passara a usar as joias da mãe deles.
Isso fora até o
dia em que o coração do senhor seu pai estourara no peito enquanto
ele subia um lance íngreme de degraus para a cama dela. Todos
aqueles que haviam se autointitulado amigos dela e cultivado seus
favores a abandonaram rapidamente quando Tywin a deixou despida e a
fez desfilar através de Lannisporto até as docas, como uma puta
comum. Embora nenhum homem tivesse colocado a mão nela, aquela
caminhada significava o fim de seu poder. Certamente Tywin jamais
sonhara que o mesmo destino aguardava sua filha dourada.
- Teve que ser -
Sor Kevan murmurou diante do último gole de vinho. Sua Alta
Santidade ficara satisfeito. Tommen precisava da Fé ao seu lado nas
batalhas que viriam. E Cersei... a menina dourada se transformara em
uma mulher vaidosa, tola, gananciosa. Se deixada no governo, teria
arruinado Tommen como fizera com Joffrey.
Do lado de fora, o
vento aumentava, arranhando as janelas de seus aposentos. Sor Kevan
ficou em pé. Hora de encarar a leoa em sua toca. Arrancamos suas
garras. Jaime, no entanto... Mas, não, não ficaria remoendo isso.
Vestiu um gibão
velho e bem cortado, caso sua sobrinha tivesse em mente jogar outra
taça de vinho em seu rosto, mas deixou o cinturão da espada
pendurado na parte de trás da cadeira. Apenas os cavaleiros da
Guarda Real tinham permissão de manter espadas na presença de
Tommen.
Sor Boros Blount
atendia ao rei menino e sua mãe quando Sor Kevan entrou nos
aposentos reais. Blount usava escamas esmaltadas, manto branco e
meio-elmo. Não parecia bem. Ultimamente, Boros ficara notavelmente
mais pesado no rosto e na barriga, e sua cor não era boa. Estava
apoiado contra a parede atrás dele, como se ficar em pé tivesse se
tornado um grande esforço.
A refeição foi
servida pelas três noviças, garotas bem limpas, de bom nascimento,
com idade entre doze e dezesseis anos. Em suas suaves lãs brancas,
cada uma parecia mais inocente e irreal do que a anterior, mesmo
assim, o Alto Septão insistira que cada garota não passasse mais do
que sete dias a serviço da rainha, para que Cersei não as
corrompesse. Elas cuidavam do guarda-roupa da rainha, preparavam seu
banho, serviam-lhe vinho, mudavam as roupas de cama pela manhã. Uma
dividia a cama com a rainha todas as noites, para assegurar-se de que
ela não teria outra companhia; as outras duas dormiam no quarto ao
lado com a septã que as vigiava.
Uma garota alta
como uma cegonha e com o rosto coberto de marcas o escoltou até a
presença real. Cersei se levantou quando ele entrou e o beijou
suavemente no rosto.
- Querido tio. É
tão bom que tenha vindo cear conosco. - A rainha estava vestida tão
modestamente quanto qualquer matrona, em um vestido marrom-escuro
abotoado até o pescoço e um manto com capuz verde que cobria sua
cabeça raspada. Antes da caminhada, ela teria ostentado a calvície
embaixo de uma coroa. - Venha se sentar - ela disse. - Gostaria de
vinho?
- Uma taça. - Ele
se sentou, ainda cauteloso.
Uma noviça
sardenta encheu as taças com vinho quente com especiarias.
- Tommen me disse
que Lorde Tyrell pretende reconstruir a Torre da Mão - comentou
Cersei.
Sor Kevan assentiu.
- A nova torre será
duas vezes mais alta que aquela que você queimou, ele diz.
Cersei deu uma
risada gutural.
- Longas lanças,
altas torres ... Lorde Tyrell está insinuando alguma coisa?
Aquilo o fez
sorrir. É bom que ela ainda se lembre de como rir. Quando perguntou
se ela tinha tudo o que precisava, a rainha respondeu:
-
Estou bem servida. As garotas são doces, e a boa septã se assegura
de que eu diga minhas orações. Mas, uma vez que minha inocência
seja provada, me deixaria satisfeita se Taena Merryweather pudesse me
atender novamente. Ela traria o filho à corte. Tommen precisa de
outro garoto com ele, amigos de nascimento nobre.
Era um pedido
modesto. Sor Kevan não via nenhuma razão pela qual não pudesse ser
concedido. Ele mesmo podia adotar o menino Merryweather, enquanto a
Senhora Taena acompanhava Cersei de volta a Rochedo Casterly.
- Eu a buscarei
após o julgamento - prometeu.
A ceia começou com
carne e sopa de aveia, seguidas por um par de codornas e um assado no
espeto de quase noventa centímetros de comprimento, com nabos,
cogumelos, e diversos pães quentes e manteiga. Sor Boros provava
cada prato que era enviado antes do rei. Um dever humilhante para um
cavaleiro da Guarda Real, mas talvez tudo o que Blount fosse capaz de
fazer naqueles dias ... e sábio, depois da maneira como o irmão de
Tommen morrera.
O rei parecia mais
feliz do que Kevan Lannister vira durante muito tempo. Da sopa ao
doce, Tommen balbuciou sobre as façanhas de seus filhotes, enquanto
os alimentava com pedaços do espeto tirados de seu prato real.
- O gato mau estava
do lado de fora da minha janela noite passada - contou para Kevan a
determinada altura - mas Sor Salto sibilou para ele e ele fugiu pelo
telhado.
- O gato mau? - Sor
Kevan disse, divertido. Ele é um menino doce.
- Um velho gato
preto com uma orelha rasgada - Cersei contou para ele. - Uma coisa
imunda e mal-humorada. Arranhou a mão de Joff uma vez. - Ela fez uma
careta. - Os gatos mantêm os ratos afastados, eu sei, mas esse aí...
ele é conhecido por atacar os corvos no viveiro.
- Pedirei para os
caçadores de ratos colocarem uma armadilha para ele. - Sor Kevan não
se lembrava de ter visto a sobrinha tão tranquila, tão submissa,
tão reservada. Tudo para o bem, ele supôs. Mas aquilo também o
deixava triste. Seu fogo está apagado, ela que costumava queimar tão
radiante. - Você não me perguntou sobre seu irmão - disse,
enquanto esperavam pelos bolos de creme. Bolos de creme eram os
favoritos do rei.
Cersei ergueu o
queixo, os olhos verdes brilhando sob a luz das velas.
- Jaime? Você teve
notícias?
- Nenhuma. Cersei,
você precisa se preparar para ...
- Se ele estivesse
morto, eu saberia. Viemos para este mundo juntos, Tio. Ele não
partiria sem mim. - Ela tomou um gole de vinho. - Tyrion pode partir
quando desejar. Tampouco teve notícias dele, suponho.
- Ninguém tentou
nos vender a cabeça de um anão ultimamente, não.
Ela assentiu.
- Tio, posso lhe
fazer uma pergunta?
- O que quiser.
- Sua esposa ...
pretende trazê-la à corte?
- Não. - Dorna era
uma alma gentil, nunca à vontade, exceto em casa, com amigos e
parentes ao redor dela. Cuidara bem de seus filhos, sonhava em ter
netos, rezava sete vezes ao dia, amava bordados e flores. Em Porto
Real, seria tão feliz quanto um dos gatinhos de Tommen em um poço
de víboras. - A senhora minha esposa não gosta de viagens. O lugar
dela é em Lannisporto.
- É sábia a
mulher que conhece seu lugar.
Ele não gostou de
como aquilo soou.
- Explique o que
quer dizer.
- Eu pensei que
soubesse. - Cersei pegou sua taça. A garota sardenta a encheu
novamente. Os bolos de creme apareceram, então, e a conversa tomou
um rumo mais leve. Apenas depois que Tommen e seus gatinhos foram
escoltados até o quarto de dormir real por Sor Boros, a conversa
deles se voltou para o julgamento da rainha.
- Os irmãos de
Osney não ficarão de braços cruzados vendo-o morrer - Cersei o
advertiu.
- Nem esperava que
ficassem. Tenho os dois presos.
Aquilo pareceu
surpreendê-la.
- Por qual crime?
- Fornicação com
a rainha. Sua Alta Santidade diz que você confessou ter dormido com
ambos. Você se esqueceu?
O rosto dela corou.
- Não. O que fará
com eles?
- A Muralha, se
admitirem sua culpa. Se a negarem, podem encarar Sor Robert. Tais
homens nunca deviam ter sido erguidos tão alto.
Cersei abaixou a
cabeça.
- Eu ... eu os
julguei mal.
- Você julgou mal
bons homens também, pelo que parece.
Ele teria mais a
comentar, mas a noviça de cabelos escuros e rosto redondo voltou
para dizer:
- Meu senhor, minha
senhora, sinto interromper, mas há um rapaz lá embaixo. O Grande
Meistre Pycelle implora o favor da presença do Senhor Regente
imediatamente.
Asas escuras,
palavras escuras, Sor Kevan pensou. Será que Ponta Tempestade caiu?
Ou será que as notícias são de Bolton, no Norte?
- Podem ser
notícias de Jaime - a rainha falou.
Só havia um jeito
de saber. Sor Kevan se levantou.
- Por favor, me dê
licença. - Antes de sair, apoiou-se em um joelho e beijou a sobrinha
na mão. Se seu gigante silencioso falhasse, aquele poderia ser o
último beijo que ela receberia.
O mensageiro era um
garoto de oito ou nove anos, tão empacotado em pele que parecia um
filhote de urso. Trant o deixara esperando na ponte levadiça em vez
de admiti-lo no Maegor.
- Vá procurar uma
fogueira, rapaz - Sor Kevan disse para ele, colocando uma moeda de um
dinheiro em sua mão. - Conheço o caminho para o viveiro bem o
bastante.
A neve finalmente
parara de cair. Atrás de um véu de nuvens esfarrapadas, uma lua
cheia flutuava gorda como uma bola de neve. As estrelas brilhavam
frias e distantes. Enquanto Sor Kevan seguia pela ala interna, o
castelo parecia um lugar estranho, onde em cada fortaleza e torre
haviam crescido dentes congelados, e todos os caminhos familiares
haviam desaparecido sob um lençol branco. Um pingente longo como uma
lança caiu para se espatifar a seus pés. Outono em Porto Real, ele
meditou. Como deve ser na Muralha?
A porta foi aberta
por uma serva, uma coisa magrela em uma túnica forrada de pele
grande demais para ela. Sor Kevan sacudiu a neve de suas botas, tirou
o manto e entregou-o à garota.
- O grande meistre
está me esperando - anunciou. A menina acenou com a cabeça, solene
e silenciosa, e apontou para os degraus.
Os aposentos de
Pycelle ficavam embaixo do viveiro, um espaçoso conjunto de quartos
cheios de prateleiras de ervas e pomadas, e estantes repletas de
livros e pergaminhos. Sor Kevan sempre achara o local
desconfortavelmente quente. Não nessa noite. Uma vez atravessada a
porta do aposento, o frio era palpável. Cinza negra e brasas
morrendo era tudo o que restava de uma fogueira. Algumas velas
tremeluzindo lançavam luzes fracas aqui e ali.
O resto estava
envolto em sombras ... exceto sob a janela aberta, onde nuvens de
cristais de gelo brilhavam à luz da lua, rodopiando ao vento. No
banco sob a janela, um corvo perambulava, claro, imenso, com as penas
eriçadas. Era o maior corvo que Kevan Lannister já vira. Maior do
que qualquer falcão de caça em Rochedo Casterly; maior do que a
maior coruja. Neve soprada pelo vento dançava ao redor dele, e a lua
o pintava de prateado. Não prateado. Branco. O pássaro é branco.
Os corvos brancos
da Cidadela não carregavam mensagens, como seus primos escuros
faziam. Quando deixavam Vilavelha, era apenas com um propósito:
anunciar a mudança da estação.
- Inverno - disse
Sor Kevan. A palavra formou uma névoa branca no ar. Deu as costas
para a janela.
Então algo o
acertou no peito entre as costelas, duro como o punho de um gigante.
Aquilo o fez perder o ar e o fez cambalear para trás. O corvo branco
saiu voando, as asas claras batendo sobre sua cabeça. Sor Kevan meio
sentou e meio caiu no banco sob a janela. O que... quem ... Uma seta
estava afundada quase até a altura das penas em seu peito. Não.
Não, foi assim que meu irmão morreu. Sangue escorria em volta da
haste.
- Pycelle -
murmurou, confuso. - Ajude-me... eu ...
Então ele viu. O
Grande Meistre Pycelle estava sentado em sua mesa, a cabeça apoiada
em um grande tomo encadernado de couro diante dele. Dormindo, Kevan
pensou ... até que piscou e viu o profundo corte vermelho no crânio
sarapintado do velho, e o sangue empoçado sob sua cabeça, manchando
as páginas do livro. Ao redor de sua vela havia pedaços de ossos e
cérebro, ilhas em um lago de cera derretida.
Ele queria guardas,
Sor Kevan pensou. Eu devia ter enviado guardas para ele. Poderia
Cersei estar certa o tempo todo? Isso seria trabalho de seu sobrinho?
- Tyrion - chamou.
- Onde... ?
- Muito longe - uma
voz meio familiar respondeu.
Ele estava parado
na sombra de uma estante de livros, gordo, rosto pálido, ombros
redondos, segurando uma besta nas suaves mãos empoadas. Chinelos de
seda envolviam seus pés.
- Varys?
O eunuco abaixou a
besta.
- Sor Kevan.
Perdoe-me, se puder. Não lhe tenho nenhum ressentimento. Isso não
foi feito com malícia. Foi pelo reino. Pelas crianças.
Eu tenho crianças.
Tenho uma esposa. Oh, Dorna. A dor o encobriu. Fechou os olhos e os
abriu novamente.
- Há ... Há
centenas de guardas Lannister neste castelo.
- Mas nenhum neste
quarto, felizmente. Isso me dói, meu senhor. Você não merece
morrer sozinho em uma noite escura e fria como esta. Há muitos como
você, bons homens a serviço de causas más ... mas você estava
tramando para desfazer todo o bom trabalho da rainha, queria
reconciliar Jardim de Cima e Rochedo Casterly, ligar a Fé ao seu
pequeno rei, unir os Sete Reinos sob o governo de Tommen. Então ...
Uma rajada de vento
soprou. Sor Kevan tremeu violentamente.
- Está com frio,
meu senhor? - perguntou Varys. - Perdoe-me. O Grande Meistre se sujou
enquanto morria, e o fedor estava tão abominável que pensei que
fosse asfixiar.
Sor Kevan tentou se
levantar, mas sua força o deixara. Não conseguia sentir as pernas.
- Achei a besta
adequada. Você partilhou tanto com Lorde Tywin, por que não isso?
Sua sobrinha pensará que os Tyrell o assassinaram, talvez com a
conivência do Duende. Os Tyrell suspeitarão dela. Alguém, de
alguma forma, encontrará uma maneira de culpar os dornenses. Dúvida,
divisão e desconfiança vão roer o chão por baixo do seu rei
Tommen, enquanto Aegon levanta seu estandarte sobre Ponta Tempestade
e os senhores do reino se reúnem em torno dele.
- Aegon? - Por um
momento, ele não entendeu. Então se lembrou. Um bebê envolto em um
manto carmesim, o tecido manchado com o sangue e o cérebro dele. -
Morto. Ele está morto.
- Não. - A voz do
eunuco pareceu mais profunda. - Ele está aqui. Aegon tem sido
moldado para governar desde antes que pudesse andar. Foi treinado em
armas, como convém a um cavaleiro, mas esse não foi o fim de sua
educação. Ele lê e escreve, fala diversas línguas, estudou
história, leis e poesia. Uma septã o instruiu nos mistérios da Fé
desde que teve idade suficiente para entendê-los. Viveu com
pescadores, trabalhou com as próprias mãos, nadou em rios, remendou
redes e aprendeu a lavar as próprias roupas na necessidade. Ele
consegue pescar, cozinhar e curar uma ferida, sabe como é sentir
fome, ser caçado, sentir medo. Tommen tem sido ensinado que a
realeza é o direito dele. Aegon sabe que a realeza é seu dever, que
um rei deve colocar seu povo em primeiro lugar, e viver e governar
para eles.
Kevan Lannister
tentou gritar... para seus guardas, a esposa, o irmão ... mas as
palavras não saíram. Sangue escorreu de sua boca. Estremeceu
violentamente.
- Sinto muito. -
Varys torceu as mãos. - Você está sofrendo, eu sei, e eu aqui
continuando a falar como uma velha tola. É tempo de pôr um fim
nisso. - O eunuco franziu os lábios e deu um pequeno assobio.
Sor
Kevan estava frio como gelo, e cada respiração ofegante enviava uma
nova pontada de dor por seu corpo. Ele vislumbrou um movimento, ouviu
o som suave de passos de um chinelo se arrastando na pedra. Uma
criança saiu de uma poça de escuridão, um garoto pálido em uma
túnica esfarrapada, com não mais do que nove ou dez anos. Outro se
ergueu de trás da cadeira do grande meistre. A garota que abrira a
porta para ele estava ali também. Estavam todos ao redor dele, meia
dúzia deles, crianças de rosto branco e olhos escuros, meninos e
meninas juntos.
E, em suas mãos,
as adagas.
71 - DAENERYS
O morro era uma
ilha de pedra em um mar verde.
Dany levou metade
da manhã para descê-lo. Quando chegou ao fim, estava sem fôlego.
Seus músculos doíam, e sentia-se como se estivesse com um início
de febre. As rochas haviam deixado suas mãos em carne viva. Estão
melhores do que estavam, pensou, enquanto cutucava uma bolha
estourada. Sua pele estava rosada e macia, e um claro líquido
leitoso vazava das rachaduras nas palmas, mas as queimaduras estavam
sarando.
O morro era maior
dali. Dany começara a chamá-lo de Pedra do Dragão, por causa da
antiga citadela onde nascera. Não tinha lembranças daquela Pedra do
Dragão, mas não esqueceria dessa tão cedo. Um matagal de gramíneas
e arbustos espinhosos cobria as encostas inferiores; mais acima, um
emaranhado irregular de rochas nuas se erguia íngreme e
repentinamente para o céu. Lá no alto, entre pedregulhos quebrados,
cumes afiados e pináculos finos, Drogon fizera seu covil em uma
caverna rasa. Ele morava lá havia algum tempo, Dany percebeu na
primeira vez em que viu o morro. O ar cheirava a cinzas, cada pedra e
árvore à vista estava queimada e enegrecida, o chão repleto de
ossos queimados e partidos, mesmo assim, era um lar para ele.
Dany conhecia a
atração de um lar.
Dois dias atrás,
subindo em um pináculo de pedra, vislumbrara água ao sul, uma linha
tênue que brilhara brevemente enquanto o sol se punha. Um córrego,
Dany reconheceu. Pequeno, mas poderia levar a um riacho maior, e esse
riacho poderia desaguar em algum rio pequeno, e todos os rios nessa
parte do mundo eram vassalos do Skahazadhan. Uma vez que encontrasse
o Skahazadhan, precisaria apenas seguir a jusante até a Baía dos
Escravos.
Preferia ter
retornado para Meereen nas asas do dragão, é claro. Mas aquele era
um desejo que Drogon não parecia partilhar.
Os senhores de
dragões da antiga Valíria controlavam suas montarias com feitiços
de ligação e cornos mágicos. Daenerys fizera com uma palavra e um
chicote. Montada nas costas do dragão, frequentemente se sentia como
se estivesse aprendendo a montar novamente. Quando chicoteava sua
égua prateada no flanco direito, a égua ia para a esquerda, por
causa do instinto primitivo dos cavalos de fugir do perigo. Quando
acertava o chicote do lado direito de Drogon, ele desviava para a
direita, pois o primeiro instinto do dragão é sempre atacar. Mas,
algumas vezes, parecia não fazer diferença onde ela o acertava;
algumas vezes ele ia para onde queria e a levava consigo. Nem chicote
nem palavras podiam virar Drogon, se ele não quisesse ser virado. O
chicote mais irritava o animal do que o feria, ela viera a perceber;
suas escamas haviam ficado mais duras do que um chifre.
E não importava o
quão longe o dragão voasse cada dia, chegando o anoitecer algum
instinto levava-o para casa em Pedra do Dragão. A casa dele, não a
minha. Sua casa estava em Meereen, com seu marido e seu amante. Era o
local ao qual pertencia, certamente.
Continuar andando.
Se olhar para trás, estarei perdida.
As lembranças
caminhavam com ela. Nuvens vistas de cima. Cavalos tão pequenos
quanto formigas andando pela grama. Uma lua prateada, quase perto o
suficiente para ser tocada. Rios correndo brilhantes e azuis embaixo,
resplandecendo ao sol. Verei essas coisas novamente? Nas costas de
Drogon, ela se sentira inteira. Lá em cima, no céu, os infortúnios
do mundo não podiam tocá-la. Como poderia abandonar aquilo?
Já era tempo, no
entanto. Uma garota passaria a vida nessa brincadeira, mas ela era
uma mulher crescida, uma rainha, uma esposa, mãe de milhares. Seus
filhos precisavam dela. Drogon se dobrara diante do chicote, e ela
também devia. Tinha que vestir sua coroa novamente e retornar para
seu banco de ébano e para os braços de seu nobre marido.
Hizdahr, dos beijos
tépidos.
O
sol estava quente naquela manhã, e o céu, azul e sem nuvens. Aquilo
era bom. As roupas de Dany eram dificilmente mais do que trapos e
forneciam muito pouco calor. Uma de suas sandálias escorregara
durante a luta selvagem em Meereen, e deixara a outra na caverna de
Drogon, preferindo andar descalça do que meio calçada. O tokar e os
véus, ela abandonara na arena, sua roupa de baixo de linho não fora
feita para enfrentar os dias quentes e as noites frias do mar
dothraki. Suor, grama e sujeira a mancharam, e Dany havia rasgado uma
faixa da bainha para fazer uma bandagem para sua canela. Devo parecer
uma coisa esfarrapada e faminta, pensou, mas se os dias permanecerem
quentes, não congelarei.
A jornada dela fora
solitária, e na maior parte do tempo estivera machucada e com fome
... mesmo assim, apesar de tudo sentira-se estranhamente feliz ali.
Algumas dores, uma barriga vazia, frio à noite... o que isso importa
quando você pode voar? Eu faria tudo novamente.
Jhiqui e lrri
deviam estar esperando no topo da pirâmide em Meereen, disse para si
mesma. Sua doce escriba, Missandei, também, e seus pequenos pajens.
Eles lhe trariam comida, e ela poderia se banhar na piscina sob o
caquizeiro. Seria bom sentir-se limpa novamente. Dany não precisava
de um espelho para saber que estava imunda.
Estava faminta
também. Em uma manhã, encontrara algumas cebolas selvagens
crescendo a meio caminho da encosta sul e, mais tarde, naquele mesmo
dia, um frondoso vegetal avermelhado que podia ser algum tipo
estranho de repolho. O que quer que fosse não a deixara doente. Além
daquilo, e de um peixe que pegara na lagoa temporária do lado de
fora da caverna de Drogon, tivera que sobreviver da melhor maneira
possível dos restos do dragão, ossos queimados e pedaços de carne
esfumaçada, meio torradas e meio cruas. Precisava de mais, sabia. Um
dia, chutou o crânio partido de uma ovelha com a lateral do pé
descalço e a mandou saltando pela beira do morro. Enquanto observava
o crânio rolar pela encosta íngreme até o mar de grama, percebeu
que poderia seguir por ali.
Dany partiu pela
grama alta em um ritmo acelerado. A terra estava quente entre os
dedos de seus pés. A grama era tão alta quanto ela. Não parecia
tão alta quando eu estava montada na minha prata, cavalgando ao lado
do meu sol-e-estrelas na frente de seu khalasar. Conforme andava,
batia em suas coxas com o chicote do mestre da arena. Aquilo e os
trapos em suas costas era tudo o que trouxera de Meereen.
Embora caminhasse
entre um reino verde, não era o profundo e rico verde do verão.
Mesmo aqui o outono marcava sua presença, e o inverno não estava
muito longe. A grama era mais clara do que ela se lembrava, um verde
abatido e doentio, em vias de se tornar amarelo. Depois disso, viria
o marrom. A grama estava morrendo.
Daenerys Targaryen
não era estranha ao mar dothraki, o grande oceano de grama que se
estendia da floresta de Qohor até a Mãe das Montanhas e o Ventre do
Mundo. Vira-o pela primeira vez quando ainda era uma garota,
recém-casada com Khal Drogo e a caminho de Vaes Dothraki para ser
apresentada às anciãs do dosh khaleen. A visão de toda aquela
grama se espalhando diante dela lhe tirara o fôlego. O céu era
azul, a grama era verde, e eu estava cheia de esperanças. Sor Jorah
estava com ela, seu velho urso rude. Tinha Irri, Jhiqui e Doreah para
cuidar dela, seu sol-e-estrelas para abraçá-la à noite, seu filho
crescendo dentro de si. Rhaego. Eu ia chamá-lo de Rhaego, e o dosh
khaleen disse que ele seria o Garanhão que Monta o Mundo. Nunca,
desde aqueles dias de poucas lembranças em Bravos, quando vivera na
casa com a porta vermelha, havia sido tão feliz.
Mas, no deserto
vermelho, toda sua alegria se transformara em cinzas. Seu
sol-e-estrelas caíra do cavalo, a maegi Mirri Maz Duur matara Rhaego
em seu útero, e Dany asfixiara a casca vazia de Khal Drogo com as
próprias mãos. Depois, o grande khalasar de Drogo fora aniquilado.
Ko Pono nomeara-se Khal Pono e levara muitos cavaleiros consigo, e
muitos escravos também. Ko Jhaqo nomeara-se Khal Jhaqo e cavalgara
com muitos mais. Mago, companheiro de sangue de Khal Jhaqo, estuprara
e matara Eroeh, uma garota que Daenerys salvara dele. Apenas o
nascimento dos dragões entre o fogo e a fumaça da pira funerária
de Khal Drogo poupara Dany de ser arrastada de volta a Vaes Dothrak
para viver o restante de seus dias entre as anciãs do dosh khaleen.
O
fogo queimou meu cabelo, mas, fora isso, não tocou em mim.
Acontecera o mesmo na Arena de Daznak. Disso ela se lembrava, embora
muito do que se seguiu estivesse obscuro. Tantas pessoas, gritando e
empurrando. Lembrava-se de cavalos empinando, de uma carroça de
comida espalhando melões quando tombou. Por baixo, uma lança veio
voando, seguida por flechas de bestas. Uma passou tão perto que Dany
sentiu raspar em sua bochecha. Outras escorregaram pelas escamas de
Drogon, alojaram-se entre elas ou atravessaram a membrana de suas
asas. Lembrava-se do dragão torcendo-se embaixo dela, estremecendo
aos impactos, enquanto ela tentava desesperadamente se agarrar às
costas do animal. Os ferimentos soltavam fumaça. Dany viu uma das
flechas queimando em chamas súbitas. Outra caiu, soltando-se com a
batida das asas. Embaixo, via homens girando, envoltos em chamas,
mãos para cima, como se apanhados em alguma dança louca. Uma mulher
em um tokar verde alcançou uma criança que chorava, puxando-a para
seus braços para protegê-la das chamas. Dany viu a cor vividamente,
mas não o rosto da mulher. Pessoas a pisotearam enquanto se
enroscavam nos tijolos. Alguns estavam em chamas.
Então tudo aquilo
desaparecera, os sons ficando mais baixos, as pessoas encolhendo, as
lanças e flechas caindo embaixo deles, conforme Drogon arranhava seu
caminho para o céu. Para cima, para cima, e para cima ele a levara,
bem acima das pirâmides e das arenas, as asas estendidas para pegar
o ar quente que se erguia dos tijolos da cidade cozidos pelo sol. Se
eu cair e morrer, mesmo assim terá valido a pena, ela pensara.
Voaram para o
norte, além do rio, Drogon deslizando com asas rasgadas e
esfarrapadas, através de nuvens que se moviam como os estandartes de
algum exército fantasmagórico. Dany vislumbrara a costa da Baía
dos Escravos e a antiga estrada valiriana que corria ao lado por
areia e desolação até desaparecer no oeste. O caminho para casa.
Então não havia nada sob eles além de grama ondulando ao vento.
Esse primeiro voo
foi há mil anos? Algumas vezes, parecia que sim.
O sol ficava mais
quente conforme se levantava no céu, e, em pouco tempo, a cabeça
dela latejava. O cabelo de Dany estava crescendo de novo, mas
lentamente.
- Preciso de um
chapéu - disse em voz alta. No alto da Pedra do Dragão, tentara
fazer um, tecendo hastes de grama como vira as mulheres dothraki
fazendo durante seu tempo com Drogo, mas estava usando o tipo errado
de grama, ou simplesmente não tinha a habilidade necessária. Seus
chapéus desfaziam-se aos pedaços em suas mãos. Tente novamente,
dizia para si mesma. Você fará melhor da próxima vez. Você é o
sangue do dragão, você pode fazer um chapéu. Tentou e tentou, mas
sua última tentativa não fora mais bem sucedida do que a primeira.
Só à tarde Dany
encontrou o córrego que vislumbrara do alto do morro. Era um
ribeirinho, um regato, um fio d'água, não mais largo que seu braço
... e seu braço emagrecera cada dia que passara em Pedra do Dragão.
Dany pegou um punhado de água e jogou no rosto. Quando colocou as
mãos em concha na água, os nós de seus dedos se afundaram na lama
no meio do regato. Ela desejara água mais fria e mais limpa... mas,
não, se tivesse que se prender a esperanças e desejos, desejaria um
resgate.
Ainda se agarrava à
esperança de que alguém viria atrás dela. Sor Barristan poderia
vir procurá-la; ele era o primeiro de sua Guarda da Rainha, jurado a
defendê-la com a própria vida. Seus companheiros de sangue não
eram estranhos ao mar dothraki, e as vidas deles estavam ligadas à
dela. Seu marido, o nobre Hizdahr zo Loraq, devia enviar pessoas para
buscá-la. E Daario ... Dany o imaginava cavalgando na direção dela
através da grama alta, sorrindo, seu dente de ouro brilhando com a
última luz do sol poente.
Só que Daario fora
enviado para os yunkaítas, um refém para garantir que nenhum mal
acontecesse aos capitães de Yunkai. Daario, Herói, Jhogo e Groleo,
e três dos parentes de Hizdahr. Agora, certamente, todos os reféns
deviam ter sido libertados. Mas ... Ela se perguntava se as lâminas
de seu capitão ainda estavam penduradas na parede ao lado de sua
cama, esperando que Daario voltasse para reivindicá-las.
- Deixarei minhas
garotas com você - ele dissera. - Mantenha-as a salvo para mim,
amada.
E ela se perguntara
o quanto os yunkaítas sabiam sobre o tanto que seu capitão
significava para ela. Fizera aquela pergunta a Sor Barristan na tarde
em que os reféns foram enviados.
- Eles devem ter
ouvido boatos - ele respondera. - Naharis pode até mesmo ter se
gabado da grande... estima ... de Vossa Graça por ele. Se me perdoa
dizer isso, a modéstia não é uma das virtudes do capitão. Ele tem
muito orgulho de sua ... de sua habilidade na espada.
Ele
se gaba de dormir comigo, você quer dizer. Mas Daario não seria tão
tolo de vangloriar-se disso entre seus inimigos. Não importa. Neste
momento, os yunkaítas devem estar marchando para casa. Fora por isso
que ela fizera tudo o que fizera. Pela paz.
Virou-se para o
caminho de onde tinha vindo, para onde Pedra do Dragão se erguia
sobre as terras de grama como um punho cerrado. Parece tão perto.
Estive andando por horas e, mesmo assim, parece que eu poderia
alcançá-la e tocá-la. Não era muito tarde para voltar. Havia
peixes no lago temporário na caverna de Drogon. Pegara um no
primeiro dia ali, podia pegar mais. E haveria ossos despedaçados e
carbonizados, com pedaços de carne ainda neles, os restos das
matanças de Drogon.
Não, Dany disse
para si mesma. Se olhar para trás, estou perdida. Podia viver anos
entre as rochas cozidas pelo sol de Pedra do Dragão, montando nas
costas de Drogon durante o dia e roendo suas sobras todo entardecer,
enquanto o grande mar de grama passava de dourado para laranja, mas
essa não era a vida para a qual nascera. Então, mais uma vez, virou
as costas para o morro distante e fechou os ouvidos para a canção
de voos e liberdade que o vento cantava enquanto brincava entre os
cumes de pedra do morro. O córrego corria para sul e sudeste, tanto
quanto podia dizer. Ela seguiu o curso. Leve-me para o rio, é tudo o
que peço. Leve-me para o rio, e farei o resto.
As horas passavam
lentamente. O córrego dobrava por aqui e por ali, e Dany seguia,
marcando o tempo em sua perna com o chicote, tentando não pensar
sobre quão longe tinha que ir, ou no latejar em sua cabeça, ou em
sua barriga vazia. Dê um passo. Dê o seguinte. Outro passo. Outro.
O que mais poderia fazer?
Estava quieto em
seu mar. Quando o vento soprava, a grama suspirava, como se os caules
roçassem uns nos outros, sussurrando em uma língua que apenas os
deuses podiam entender. Agora e novamente o pequeno córrego
borbulhava onde fluía ao redor de uma pedra. A lama saía em jatos
entre seus dedos dos pés. Insetos zumbiam em volta dela, preguiçosas
libélulas, brilhantes vespas verdes e mosquitos quase pequenos
demais para se ver. Ela os golpeava distraidamente, quando pousavam
em seus braços. Uma vez, foi para cima de um rato que bebia do
córrego, mas ele fugiu quando ela apareceu, correndo entre os caules
e desaparecendo na grama alta. Algumas vezes ouvia pássaros
cantando. O som fazia sua barriga roncar, mas não tinha redes para
fazer uma armadilha e, até agora, não vira nenhum ninho. Uma vez
sonhei que estava voando, ela pensou, e agora já voei, e sonho em
roubar ovos. Aquilo a fez gargalhar.
- Homens são
loucos e deuses são mais loucos - disse para a grama, e a grama
murmurou concordando.
Por três vezes
naquele dia, ela avistou Drogon. Da primeira vez, ele estava tão
longe que poderia ter sido uma águia, deslizando para dentro e para
fora das nuvens distantes, mas Dany o reconhecia agora, mesmo quando
não era mais do que um pontinho. Da segunda vez, ele passou diante
do sol, as asas negras estendidas, e o mundo escureceu. Da última
vez, ele voou bem sobre ela, tão perto que pôde ouvir o som de suas
asas. Por meio segundo, Dany pensou que ele a estivesse caçando, mas
ele voou sem tomar qualquer conhecimento dela e desapareceu em algum
lugar no leste. Ainda bem, ela pensou.
A noite a pegou
quase desprevenida. Enquanto o sol dourava os pináculos distantes de
Pedra do Dragão, Dany tropeçou em um muro de pedra baixo, quebrado
e coberto de mato. Talvez tivesse sido parte de um templo, ou o salão
do senhor do vilarejo. Mais ruínas estavam além; um velho poço e
alguns círculos na grama que marcavam os locais onde os casebres
estiveram. Haviam sido construídos de lama e palha, ela julgou, mas
longos anos de vento e chuva os desgastaram completamente. Dany
encontrou oito antes que o sol desaparecesse, mas poderia haver mais
por ali, escondidos na grama.
O muro de pedra
durara mais que o resto. Embora não tivesse mais do que noventa
centímetros de altura, o ângulo onde ele se encontrava com outra
parede mais baixa ainda oferecia algum abrigo dos elementos, e a
noite chegava rapidamente. Dany encolheu-se em um canto, fazendo um
ninho com vários tipos de grama que cresciam ao redor das ruínas,
arrancados aos punhados. Estava muito cansada, e novas bolhas haviam
aparecido em seus pés, incluindo um conjunto combinado em cima dos
seus dedos rosados. Deve ser do jeito que ando, pensou, dando uma
risadinha.
Quando
o mundo escureceu, Dany se instalou e fechou os olhos, mas o sono se
recusava a vir. A noite estava fria, o chão duro, sua barriga vazia.
Pegou-se pensando em Meereen, em Daario, seu amante, e Hizdahr, seu
marido, em lrri e Jhiqui e na doce Missandei, em Sor Barristan, em
Reznak e em Skahaz Cabeça-Raspada. Será que temem que eu esteja
morta? Eu voei nas costas de um dragão. Eles pensarão que ele me
comeu? Ela se perguntava se Hizdahr ainda era rei. A coroa dele vinha
dela, ele poderia mantê-la em sua ausência? Ele queria Drogon
morto. Eu o ouvi. “Matem ele”, ele gritava, “matem a besta”,
e o olhar em seu rosto era lascivo. E Belwas, o Forte, estava de
joelhos, arfando e estremecendo. Veneno. Tinha que ser veneno. Os
gafanhotos no mel. Hizdahr insistiu que eu os provasse, mas Belwas
comeu todos eles. Ela fizera de Hizdahr seu rei, levou-o para sua
cama, abriu as arenas por ele, ele não tinha razão para querê-la
morta. No entanto, quem mais poderia ter sido? Reznak, seu senescal
perfumado? Os yunkaítas? Os Filhos da Harpia?
Ao longe, um lobo
uivou. O som a fez se sentir triste e sozinha, mas não menos
faminta. Quando a lua se ergueu sobre as terras da grama, Dany
mergulhou finalmente em um sono agitado.
Ela sonhou. Todas
as preocupações a deixaram, assim como todas as dores, e parecia
flutuar em direção ao céu. Estava voando mais uma vez, rodopiando,
rindo, dançando, enquanto as estrelas giravam em torno dela e lhe
sussurravam segredos ao ouvido.
- Para ir para o
norte, você deve viajar para o sul. Para alcançar o oeste, você
deve ir para leste. Para ir adiante, você precisa ir para trás.
Para tocar a luz, você precisa passar sob a sombra.
- Quaithe? - Dany
chamou. - Onde você está, Quaithe?
Então ela viu. Sua
máscara é feita da luz das estrelas.
- Lembre-se de quem
você é, Daenerys - as estrelas sussurraram, em uma voz de mulher. -
Os dragões sabem. Você sabe?
Na manhã seguinte,
despertou dura, ferida e com dores, com formigas rastejando em seus
braços, pernas e rosto. Quando percebeu que estavam ali, chutou de
lado os gravetos e a grama marrom seca que haviam lhe servido de cama
e lençol e fez um grande esforço para ficar de pé. Tinha mordidas
por todo o corpo, pequenos inchaços vermelhos, inflamados e coçando.
De onde vieram todas estas formigas? Dany se esfregou para tirá-las
dos braços, das pernas e da barriga. Passou a mão pelo couro
cabeludo, onde seu cabelo havia se queimado, e sentiu mais formigas
na cabeça, e uma delas rastejando para baixo, pelo seu pescoço.
Jogou-as no chão e as esmagou com seus pés descalços. Havia tantas
...
Descobriu que o
formigueiro estava do outro lado da sua parede. Perguntava-se como as
formigas conseguiram escalar tudo aquilo para encontrá-la. Para
elas, essas pedras em ruínas deviam parecer tão grandes quanto a
Muralha de Westeros. A maior muralha em todo o mundo, seu irmão
Viserys costumava dizer, tão orgulhoso como se ele mesmo a tivesse
construído.
Viserys contava
para ela histórias de cavaleiros tão pobres que tinham que dormir
sob as antigas sebes que cresciam ao longo dos caminhos secundários
dos Sete Reinos. Dany teria dado muito e ainda mais por uma bela e
grossa sebe. De preferência, uma sem um formigueiro.
O sol estava apenas
nascendo. Algumas estrelas brilhantes permaneciam no céu cobalto.
Talvez uma delas seja Khal Drogo, sentado em seu garanhão de fogo
nas terras da noite e sorrindo para mim. Pedra do Dragão ainda
estava visível sobre as terras da grama. Parece tão perto. Devo
estar a quilômetros de distância agora, mas é como se eu pudesse
estar de volta em uma hora. Ela queria se deitar, fechar os olhos e
entregar-se ao sono. Não. Preciso continuar. O córrego. Apenas siga
o córrego.
Dany levou um
momento para se assegurar da direção. Não podia ir pelo caminho
errado e perder seu córrego.
- Meu amigo - disse
em voz alta. - Se permanecer perto do meu amigo, não me perderei.
Teria dormido ao
lado da água, se ousasse, mas alguns animais iam ao córrego para
beber durante a noite. Vira os rastros deles. Dany daria uma refeição
minguada para um lobo ou um leão, mas mesmo uma refeição minguada
era melhor do que nenhuma.
Assim que teve
certeza de qual lado era o sul, contou os passos de volta. O córrego
apareceu no oito. Dany colocou as mãos em concha para beber. A água
fez sua barriga se contrair, mas cólicas eram mais fáceis de
suportar do que a sede. Ela não tinha outra bebida que não o
orvalho da manhã que brilhava na grama alta, e absolutamente nenhuma
comida, a menos que gostasse de comer grama. Eu podia tentar comer
formigas. As amarelinhas eram pequenas demais para garantir qualquer
tipo de sustento, mas havia formigas vermelhas na grama, e aquelas
eram maiores.
- Estou perdida no
mar - disse, enquanto mancava ao lado do regato sinuoso - então,
talvez, encontre alguns caranguejos, ou um belo e gordo peixe.
O chicote batia
suavemente contra sua coxa, tap, tap, tap. Um passo por vez, e o
riacho a levaria para casa.
Um pouco depois do
meio-dia, chegou a um arbusto que crescia ao lado do córrego, seus
galhos retorcidos cobertos com duras bagas verdes. Dany olhou para
elas com desconfiança, então pegou uma e a mordiscou. Sua polpa era
azeda e mastigável, com um gosto residual amargo que lhe pareceu
familiar.
- No khalasar, eles
usavam estas bagas para temperar os assados - lembrou-se.
Dizer isso em voz
alta a fez ter mais certeza daquilo. Sua barriga roncava, e Dany
pegou a si mesma arrancando as bagas com as duas mãos e enfiando-as
na boca.
Uma hora mais
tarde, seu estômago começou a se contrair tão violentamente que
não pôde continuar. Passou o resto do dia vomitando gosma verde. Se
ficar aqui, morrerei. Posso estar morrendo agora. Será que o deus
cavalo dos dothrakis partira a grama e a reivindicara para seu
khalasar estrelado, para que pudesse cavalgar nas terras da noite com
Khal Drogo? Em Westeros, os mortos da Casa Targaryen eram dados às
chamas, mas quem acenderia uma pira para ela ali? Minha carne
alimentará os lobos e os corvos carniceiros, pensou, tristemente, e
vermes cavarão meu ventre. Seus olhos se voltaram para Pedra do
Dragão. Parecia menor. Podia ver fumaça se erguendo do cume
esculpido pelo vento, a quilômetros de distância. Drogon retornou
de sua caçada.
O pôr do sol a
encontrou de cócoras na grama, gemendo. Cada uma de suas fezes era
mais solta do que a anterior, e cheirava pior. Quando a lua chegou,
estava evacuando água marrom. Quanto mais bebia, mais evacuava, mas,
quanto mais evacuava, sua sede aumentava, e a sede a fez rastejar até
o córrego para sugar um pouco de água. Quando finalmente fechou os
olhos, Dany não sabia se teria forças suficientes para abri-los
novamente.
Sonhou com seu
irmão morto.
Viserys parecia
exatamente como era da última vez que o vira. Sua boca estava
retorcida de angústia, o cabelo estava queimado e o rosto estava
negro e esfumaçado onde o ouro derretido escorrera por sua testa,
bochechas e pelos olhos.
- Você está morto
- Dany falou.
Assassinado. Embora
os lábios dele não se movessem, de alguma forma podia ouvir sua
voz, sussurrando no ouvido dela. Você nunca me velou, irmã. E duro
morrer sem ser velado.
- Eu o amei uma
vez.
Uma vez, ele disse,
tão amargamente que a fez estremecer. Você devia ter sido minha
esposa, me dar filhos com cabelos prateados e olhos cor de púrpura,
manter o sangue do dragão puro. Tomei conta de você. Ensinei quem
você era. Eu a alimentei. Vendi a coroa da nossa mãe para mantê-la
alimentada.
- Você me
machucava. Você me assustava.
Apenas quando você
acordava o dragão. Eu amava você.
- Você me vendeu.
Você me traiu.
Não. Você é a
traidora. Você se virou contra mim, contra seu próprio sangue. Eles
me trapacearam. Seu marido cavalo e seus bárbaros fedorentos. Eram
trapaceiros e mentirosos. Me prometeram uma coroa de ouro e me deram
isso. Ele tocou o ouro derretido que se espalhara por seu rosto, e a
fumaça se levantou de seu dedo.
- Você podia ter
tido sua coroa - Dany lhe disse. - Meu sol-e-estrelas a teria
conquistado para você, se você tivesse esperado.
Eu esperei tempo
demais. Esperei minha vida inteira. Eu era rei deles, o legítimo
rei. Eles riram de mim.
- Você devia ter
ficado em Pentos com o Magíster Illyrio. Khal Drogo teria me
apresentado para o dosh khaleen, mas você não tinha que ir conosco.
Essa foi sua escolha. Seu erro.
Quer acordar o
dragão, sua putinha estúpida? O khalasar de Drogo era meu. Eu o
comprei dele, mil gritadores. Paguei por eles com sua virgindade.
-
Você nunca entendeu. Dothrakis não compram e vendem. Eles dão
presentes e os recebem. Se você tivesse esperado ...
Eu esperei. Por
minha coroa, por meu trono, por você. Todos estes anos, e tudo o que
consegui foi um pote de ouro derretido. Por que deram os ovos de
dragão para você? Eles deviam ter sido meus. Se eu tivesse um
dragão, teria ensinado ao mundo o significado do nosso lema. Viserys
começou a rir, até que sua mandíbula caiu de seu rosto, soltando
fumaça, e sangue e ouro derretido escorreram de sua boca.
Quando ela acordou,
ofegante, suas coxas estavam escorregadias de sangue.
Por um momento, não
percebeu o que era aquilo. O mundo apenas começava a clarear, e a
grama alta farfalhava suavemente ao vento. Não, por favor, deixe-me
dormir mais. Estou tão cansada. Tentou se enterrar sob a pilha de
grama que havia feito quando foi dormir. Alguns dos talos estavam
molhados. Estava chovendo novamente? Sentou-se, com medo de ter se
sujado enquanto dormia. Quando levou os dedos da mão ao rosto, pôde
sentir o cheiro de sangue neles. Estou morrendo? Então viu a pálida
lua crescente flutuando alta sobre a grama e percebeu que aquilo não
era nada mais do que sangue da lua.
Se não estivesse
tão doente e assustada, poderia ter sido um alívio. Em vez disso,
começou a tremer violentamente. Esfregou os dedos na terra e agarrou
um punhado de grama para secar entre as pernas. O dragão não chora.
Estava sangrando, mas era apenas sangue de mulher. A lua ainda está
crescente, no entanto. Como pode ser? Tentou se lembrar da última
vez que havia sangrado. Na última lua cheia? Na anterior? Na
anterior ainda? Não, não pode ter sido há tanto tempo assim.
- Sou o sangue do
dragão - disse para a grama, em voz alta.
Antes, a grama
sussurrou de volta, até que você acorrentou os dragões na
escuridão.
- Drogon matou uma
garotinha. O nome dela era ... seu nome... - Dany não conseguia se
lembrar do nome da criança. Aquilo a deixou tão triste que teria
chorado se todas as suas lágrimas não tivessem sido queimadas. -
Nunca terei uma garotinha. Eu era a Mãe dos Dragões.
Sim, a grama disse,
mas você se virou contra seus filhos.
Sua barriga estava
vazia, os pés doloridos e com bolhas, e parecia que suas cólicas
estavam ficando piores. Suas entranhas estavam cheias de cobras que
se contorciam e mordiam seus intestinos. Pegou um punhado de lama e
água com as mãos trêmulas. Ao meio-dia, a água estaria tépida,
mas no frio do amanhecer era quase gelada e a ajudaria a manter os
olhos abertos. Quando molhou o rosto, viu sangue fresco nas coxas. A
bainha esfarrapada de sua túnica de baixo estava manchada com ele. A
visão de tanto vermelho a assustou. Sangue da lua, é apenas meu
sangue da lua, mas não se lembrava de ter um fluxo tão intenso.
Poderia ser a água? Se fosse a água, estava condenada. Tinha que
beber, ou morrer de sede.
- Ande - Dany
ordenou a si mesma. - Siga o riacho e ele o levará ao Skahazadhan. É
onde Daario encontrará você. - Usou toda a força que tinha para
ficar em pé, e quando conseguiu, tudo o que pôde fazer foi ficar
parada ali, febril e sangrando. Ergueu os olhos para o céu azul
vazio, olhando o sol. Metade da manhã já se foi, percebeu,
consternada. Obrigou-se a dar um passo, depois outro, e então estava
caminhando novamente, seguindo o pequeno riacho.
O dia ficava mais
quente, e o sol batia sobre sua cabeça e queimava o que restava de
seus cabelos. A água espirrava contra a sola de seus pés. Estava
caminhando no riacho. Por quanto tempo estava fazendo aquilo? A suave
lama marrom era agradável entre os dedos e ajudava a aliviar as
bolhas. No riacho ou fora dele, tenho que continuar andando. A água
segue a jusante. O riacho me levará para o rio, e o rio me levará
para casa.
Só que não, não
realmente.
Meereen não era a
casa dela, e nunca seria. Era uma cidade de homens estranhos, com
deuses estranhos e cabelos estranhos, de senhores de escravos
enrolados em tokars, onde a graça era obtida pela prostituição, a
matança era uma arte, e cachorro era uma iguaria. Meereen sempre
seria a cidade da harpia, e Daenerys não podia ser uma harpia.
Nunca, disse a
grama, no tom rude de Jorah Mormont. Você foi advertida, Vossa
Graça. Deixe a cidade, eu disse. Sua guerra é em Westeros, eu lhe
falei.
A
voz não era mais do que um murmúrio, mesmo assim, de algum modo,
Daenerys sentia que ele estava andando bem atrás dela. Meu urso, ela
pensou, meu doce e velho urso, que me amou e me traiu. Sentia tanta
falta dele. Queria ver seu rosto feio, enrolar os braços em torno
dele e se apertar contra seu peito, mas sabia que se virasse para
trás, Sor Jorah teria partido.
- Estou sonhando -
disse. - Um sonho acordada, um sonho acordada. Estou só e perdida.
Perdida, porque
permaneceu em um lugar que não era para ser, murmurou Jorah Mormont,
tão suavemente quanto o vento. Sozinha, porque me expulsou do seu
lado.
- Você me traiu.
Você dava informações sobre mim, por ouro.
Pelo lar. Lar era
tudo o que sempre quis.
- E a mim. Você me
queria. - Dany vira isso em seus olhos.
Queria, a grama
sussurrou, com tristeza.
- Você me beijou.
Eu nunca disse que podia, mas você fez. Você me vendeu aos meus
inimigos, mas foi a sério que me beijou.
Eu lhe dei bons
conselhos. Consegui suas lanças e espadas para os Sete Reinos, eu
lhe disse. Deixe Meereen para os meereeneses e vá para oeste, eu
falei. Você não ouviu.
- Eu tinha que
tomar Meereen ou ver meus filhos morrerem de fome ao longo da marcha.
- Dany ainda podia ver a trilha de cadáveres que deixara para trás
quando cruzara o deserto vermelho. Não era uma visão que desejava
ter novamente. - Tive que tomar Meereen para alimentar meu povo.
Você tomou
Meereen, ele retrucou, e, mesmo assim, permaneceu.
- Para ser uma
rainha.
Você é uma
rainha, seu urso disse. Em Westeros.
- É um caminho
muito longo - ela reclamou. - Eu estava cansada, Jorah. Estava farta
da guerra. Queria descansar, rir, plantar árvores e vê-las crescer.
Sou apenas uma garota jovem.
Não. Você é o
sangue do dragão. O sussurro estava ficando mais baixo, como se Sor
Jorah estivesse ficando para trás. Dragões não plantam árvores.
Lembre-se disso. Lembre-se de quem você é, para o que você foi
feita. Lembre-se do seu lema.
- Fogo e Sangue -
Daenerys disse para a grama que balançava.
Uma pedra virou
embaixo de seu pé. Tropeçou, caiu sobre um joelho e gritou de dor,
na esperança de que seu urso viesse até ela e a ajudasse a ficar em
pé. Quando virou a cabeça para olhá-lo, tudo o que viu foi a água
corrente marrom ... e a grama, ainda se movendo um pouco. O vento,
disse para si mesma, o vento agita os caules e os fazem balançar. Só
que nenhum vento estava soprando. O sol estava a pino, o mundo imóvel
e quente. Mosquitos invadiam o ar, e uma libélula voava sobre o
riacho, pousando aqui e ali. E a grama se movia quando não havia
motivo para se mover.
Tateou na água,
encontrou uma pedra do tamanho de seu punho, tirou-a da lama.
Era uma arma
frágil, mas melhor do que uma mão vazia. Do canto do olho, Dany viu
a grama se mover novamente, bem à sua direita. A grama balançava e
se inclinava, como se estivesse diante de um rei, mas nenhum rei
apareceu para ela. O mundo estava verde e vazio. O mundo estava verde
e silencioso. O mundo estava amarelo, morrendo. Eu devia me levantar,
disse a si mesma. Tenho que andar. Tenho que seguir o riacho.
Através da grama
veio um suave tilintar de prata.
Sinos, Dany pensou,
sorrindo, lembrando-se de Khal Drogo, seu sol-e-estrelas, e os sinos
trançados em seus cabelos. Quando o sol nascer no ocidente e se
puser no oriente, quando os mares secarem e as montanhas forem
sopradas pelo vento como folhas, quando meu ventre voltar a ganhar
vida para dar à luz um filho vivo, Khal Drogo retornará para mim.
Mas nenhuma
daquelas coisas acontecera. Sinos, Dany pensou novamente. Seus
companheiros de sangue a haviam encontrado.
- Aggo - murmurou.
- Jhogo. Rakharo. - Daario teria vindo com eles?
O mar de grama se
abriu. Um cavaleiro apareceu. Sua trança era negra e brilhante, a
pele tão escura quanto cobre polido, os olhos no formato de amêndoas
amargas. Sinos tocavam em seu cabelo. Ele vestia um cinto de
medalhões e um colete pintado, tinha um arakh em um quadril e um
chicote no outro. Um arco de caça e uma aljava de flechas estavam
pendurados em sua sela.
Um
cavaleiro, e sozinho. Um batedor. Era quem cavalgava diante do
khalasar para encontrar a caça e a grama bem verde, e farejar
inimigos onde quer que pudessem estar escondidos. Se a encontrasse
ali, ele a mataria, a estupraria, ou a escravizaria. Na melhor das
hipóteses, ele a mandaria de volta para as anciãs do dosh khaleen,
aonde supunha-se que as boas khaleesi deveriam ir depois que seus
khals morriam.
Ele não a vira, no
entanto. A grama a escondeu, e ele estava olhando para outro lado.
Dany seguiu seu olhar, e a sombra voou, com suas asas estendidas. O
dragão estava a quilômetros de distância, e mesmo assim o batedor
congelou até que seu garanhão começou a relinchar de medo. Então
despertou, como se estivesse sonhando, virou sua montaria e correu
pela grama alta a galope.
Dany o observou
partir. Quando o som dos cascos tinham sumido no silêncio, começou
a gritar. Gritou até que sua voz ficou rouca ... e Drogon veio,
bufando nuvens de fumaça. A grama se prostrou diante dele. Dany
saltou em suas costas. Ela fedia a sangue, fedor e medo, mas nada
disso importava.
- Para seguir em
frente, tenho que voltar para trás - disse. Suas pernas nuas se
apertaram no pescoço do dragão. Ela o chutou, e Drogon atirou-se no
céu. Seu chicote se perdera, então usou as mãos e os pés para
virá-lo para noroeste, o caminho que o batedor tomara. Drogon foi
com suficiente boa vontade; talvez tivesse sentido o medo do
cavaleiro.
Em uma dúzia de
segundos, ultrapassaram o dothraki, que galopava bem abaixo. Para a
direita e para a esquerda, Dany vislumbrava lugares em que a grama
havia sido queimada e transformada em cinzas. Drogon já veio por
este caminho, percebeu. Como uma corrente de ilhas cinzentas, as
marcas de suas caçadas pontilhavam o mar de grama verde.
Um vasto rebanho de
cavalos apareceu embaixo deles. Havia cavaleiros também, um grupo ou
mais, mas eles se viraram e fugiram ao primeiro sinal do dragão. Os
cavalos pararam e fugiram quando a sombra passou sobre eles,
galopando através da grama até que suas laterais ficassem brancas
de espuma, rasgando o chão com seus cascos ... mas por mais velozes
que fossem, não podiam voar. Logo um cavalo começou a ficar para
trás. O dragão desceu sobre ele, rugindo, e imediatamente a pobre
besta estava em chamas, mas, de alguma forma, continuou correndo,
gritando a cada passo, até que Drogon pousou sobre ele e quebrou seu
pescoço. Dany agarrou o pescoço do dragão com todas as suas
forças, para não escorregar.
A carcaça era
muito pesada para que pudesse levar para sua toca, então Drogon
consumiu sua caça ali, rasgando a carne carbonizada enquanto a grama
queimava ao redor deles, o ar grosso com a fumaça que subia e com o
cheiro de pelo de cavalo queimado. Dany, faminta, desceu de suas
costas e comeu com o dragão, arrancando pedaços de carne defumada
do cavalo morto com as mãos queimadas e nuas. Em Meereen eu era uma
rainha, em sedas, mordiscando tâmaras e cordeiro no mel, lembrou-se.
O que meu nobre marido pensaria se pudesse me ver agora? Hizdahr
ficaria horrorizado, sem dúvida. Mas Daario ...
Daario daria
risada, tiraria um pedaço de carne de cavalo com seu arakh e se
agacharia para comer ao lado dela.
Quando o céu no
ocidente ficou com a cor de um hematoma sangrento, ouviu o som de
cavalos se aproximando. Dany se levantou, limpou as mãos na túnica
esfarrapada e foi para o lado do dragão.
Foi como Khal Jhaqo
a encontrou, quando meia centena de guerreiros montados emergiram das
nuvens de fumaça.
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