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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

CRÔNICAS DE GELO E FOGO



- A GUERRA DOS TRONOS
- A FÚRIA DOS REIS
- A TORMENTA DE ESPADAS
- O FESTIM DOS CORVOS
- A DANÇA DOS DRAGÕES
- OS VENTOS DO INVERNO (só depende do autor, previsto p/ 2015)

GLOSSÁRIO

sábado, 28 de dezembro de 2013

A DANÇA DOS DRAGÕES





AS CRÔNICAS DE GELO
E FOGO
LIVRO CINCO
A DANÇA DOS DRAGÕES



PRÓLOGO
1 - TYRION
2 - DAENERYS
3 - JON
4 - BRAN
5 - TYRION
6 - O HOMEM DO MERCADOR
7 - JON
8 - TYRION
9 - DAVOS
10 - JON
11 - DAENERYS
12 - FEDOR
13 - BRAN
14 - TYRION
15 - DAVOS
16 - DAENERYS
17 - JON
18 - TYRION
19 - DAVOS
20 - FEDOR
21 - JON
22 - TYRION
23 - DAENERYS
24 - O SENHOR PERDIDO
25 - O SOPRADO PELO VENTO
26 - A NOIVA REBELDE
27 - TYRION
28 - JON
29 - DAVOS
30 - DAENERYS
31 - MELISANDRE
32 - FEDOR
33 - TYRION
34 - BRAN
35 - JON
36 - DAENERYS
37 - O PRÍNCIPE DE WINTERFELL
38 - O SENTINELA
39 - JON
40 - TYRION
41 - O VIRA-CASACA
42 - O PRÊMIO DO REI
43 - DAENERYS
44 - JON
45 - A GAROTA CEGA
46 - UM FANTASMA EM WINTERFELL
47 - TYRION
48 - JAIME
49 - JON
50 - DAENERYS
51 - THEON
52 - DAENERYS
53 - JON
54 - CERSEI
55 - O GUARDA DA RAINHA
56 - O PRETENDENTE DE FERRO
57 - TYRION
58 - JON
59 - O CAVALEIRO DESCARTADO
60 - O PRETENDENTE REJEITADO
61 - O GRIFO RENASCIDO
62 - O SACRIFÍCIO
63 - VICTARION
64 - A GAROTINHA FEIA
65 - CERSEI
66 - TYRION
67 - O DERRUBADOR DE REIS
68 - O DOMADOR DE DRAGÕES
69 - JON
70 - O MÃO DA RAINHA
71 - DAENERYS
EPÍLOGO







sexta-feira, 4 de outubro de 2013

EPÍLOGO


- Não sou um traidor - o Cavaleiro de Poleiro do Grifo declarou. - Sou homem do Rei Tommen, e seu.
Um constante pinga-pinga pontuava suas palavras, enquanto a neve derretida escorria de seu manto para empoçar no chão. A neve caíra em Porto Real a maior parte da noite; do lado de fora, os montes estavam na altura do tornozelo. Sor Kevan Lannister puxou o manto contra o corpo.
- Assim você diz, sor. Palavras são vento.
- Deixe-me provar a verdade delas com minha espada. - A luz das tochas transformava em chama a barba e os cabelos compridos vermelhos de Ronnet Connington. - Envie-me contra meu tio e eu lhe trarei a cabeça dele, e a cabeça desse falso dragão também.
Lanceiros Lannister, com mantos carmesins e meios-elmos com leões em cima estavam parados ao longo da parede ocidental da sala do trono. Guardas Tyrell, em mantos verdes, estavam de frente para eles, na parede oposta. O frio da sala do trono era palpável. Embora nem a Rainha Cersei nem a Rainha Margaery estivessem entre eles, a presença de ambas podia ser sentida envenenando o ar, como fantasmas em um banquete.
Atrás da mesa onde os cinco membros do pequeno conselho do rei estavam sentados, o Trono de Ferro se acocorava como uma grande besta negra, suas farpas, garras e lâminas semiocultas na sombra. Kevan Lannister podia senti-lo em suas costas, uma coceira entre as omoplatas. Era fácil imaginar o velho Rei Aerys empoleirado lá, sangrando por algum corte recente, olhando furiosamente para baixo. Mas, hoje, o trono estava vazio. Não via razão para Tommen se juntar a eles. Era mais gentil deixar o menino ficar com a mãe. Apenas os Sete sabiam quanto tempo filho e mãe teriam juntos antes do julgamento de Cersei ... e possivelmente sua execução.
Mace Tyrell estava falando.
- Vamos lidar com seu tio e esse garoto forjado em seu devido tempo. - A nova Mão do Rei estava sentada em um trono de carvalho esculpido no formato de uma mão, uma vaidade absurda que sua senhoria apresentara no dia em que Sor Kevan concordara em lhe conceder o cargo tão cobiçado. - Você esperará aqui, até que estejamos prontos para marchar. Então terá a oportunidade de provar sua lealdade.
Sor Kevan não tinha nenhum problema com isso.
- Escoltem Sor Ronnet de volta aos seus aposentos - disse. E garantam que permaneça lá ficou sem ser dito. Apesar de seus altos protestos, o Cavaleiro do Poleiro do Grifo continuava sendo suspeito. Supostamente, os mercenários que haviam desembarcado no sul eram comandados por um de seu próprio sangue.
Quando os ecos dos passos de Connington desapareceram, Grande Meistre Pycelle sacudiu pesadamente a cabeça.
- Certa vez, o tio dele ficou parado bem ali onde o garoto estava agora e disse ao Rei Aerys que lhe entregaria a cabeça de Robert Baratheon.
É isso que acontece quando um homem fica tão velho quanto Pycelle. Tudo o que vê ou escuta o recorda de algo que viu ou escutou quando era jovem.
- Quantos homens em armas acompanharam Sor Ronnet à cidade? - Sor Kevan perguntou.
- Vinte - disse Lorde Randyll Tarly - a maioria deles do antigo grupo de Gregor Clegane. Seu sobrinho, Jaime, os deu a Connington. Para livrar-se deles, aposto. Eles não tinham estado em Lagoa da Donzela um dia antes de um matar um homem e outro ser acusado de estupro. Tive que enforcar o primeiro e castrar o segundo. Se fosse por mim, enviaria todos eles para a Patrulha da Noite, e Connington com eles. A Muralha é o lugar ao qual essa escória pertence.
- Um cão faz o que seu mestre manda - declarou Mace Tyrell. - Mantos negros cairiam bem neles, concordo. Não suportaria tais homens na patrulha da cidade. - Uma centena de homens do Jardim de Cima havia sido somada aos mantos dourados, mesmo assim, claramente, sua senhoria pretendia resistir a qualquer tipo de equilíbrio com os homens do oeste.
Quanto mais dou, mais ele quer. Kevan Lannister começara a entender por que Cersei ficara tão ressentida com os Tyrell. Mas esse não era o momento de provocar uma dispura aberta. Randyll Tarly e Mace Tyrell tinham ambos trazido exércitos a Porto Real, enquanto a melhor parte da força da Casa Lannister permanecera nas terras fluviais, desaparecendo rapidamente.
- Os homens da Montanha sempre foram lutadores - disse, em tom conciliatório - e podemos precisar de cada espada contra esses mercenários. Se esta realmente é a Companhia Dourada, como os murmuradores de Qyburn insistem ...
- Chame-os como quiser - disse Randyll Tarly. - Ainda não são mais do que aventureiros.
- Talvez - Sor Kevan falou. - Mas quanto mais ignoramos esses aventureiros, mais fortes eles ficam. Temos um mapa preparado, um mapa de incursões. Grande Meistre?
O mapa era bonito, pintado pelas mãos de um meistre em uma folha do mais fino papel vegetal, tão grande que cobria a mesa.
- Aqui. - Pycelle apontou com a mão manchada. Onde a manga de sua túnica se ergueu, uma aba de carne pálida pôde ser vista dançando sob seu antebraço. - Aqui e aqui. Ao longo de toda a costa e nas ilhas. Tarth, Passopedra, até mesmo Estermonte. E agora temos relatos de que Connington se dirige para Ponta Tempestade.
- Se for mesmo Jon Connington - comentou Randyll Tarly.
- Ponta Tempestade. - Lorde Mace grunhiu as palavras. - Ele não pode tomar Ponta Tempestade. Nem se fosse Aegon, o Conquistador. E se tomar, e daí? Stannis mantém o lugar agora. Deixe o castelo passar de um pretendente para outro, por que isso deveria nos incomodar? Eu o recapturarei depois que a inocência de minha filha for provada.
Como você pode recapturá-lo se, para começar, não o capturou?
- Eu entendo, meu senhor, mas ...
Tyrell não o deixou terminar.
- Essas acusações contra minha filha são mentiras imundas. Pergunto novamente, por que devemos encenar essa farsa de pantomimeiros - Que o Rei Tommen declare a inocência da minha filha, sor, e colocaremos um fim a essa loucura aqui e agora.
Faça isso, e os murmúrios acompanharão Margaery o resto de sua vida.
- Nenhum homem duvida da inocência de sua filha, meu senhor - Sor Kevan mentiu - mas Sua Alta Santidade insiste em um julgamento.
Lorde Randyll bufou.
- O que nos tornamos, quando reis e grandes senhores precisam dançar conforme o piado de pardais?
- Temos inimigos por todos os lados, Lorde Tarly - Sor Kevan o recordou. - Stannis no norte, homens de ferro no oeste, mercenários no sul. Desafie o Alto Septão, e teremos sangue correndo nas sarjetas de Porto Real também. Se formos vistos indo contra os deuses, isso apenas levará os piedosos para os braços de um ou de outro desses aspirantes a usurpador.
Mace Tyrell permaneceu impassível.
- Assim que Paxter Redwyne varrer os homens de ferro para os mares, meus filhos retomarão os Escudos. As neves cuidarão de Stannis, ou Bolton o fará. E quanto a Connington ...
- Se for ele - Lorde Randyll disse.
- ... quanto a Connington - Tyrell repetiu - que vitórias ele já conquistou para que o temamos? Ele podia ter acabado com a Rebelião de Robert no Septo de Pedra. Falhou. Exatamente como a Companhia Dourada tem sempre falhado. Alguns podem correr para se juntar a eles, sim. E bom para o reino se livrar de tais tolos.
Sor Kevan desejava poder partilhar dessas certezas. Conhecera Jon Connington ligeiramente - um jovem orgulhoso, o mais teimoso do bando de jovens fidalgotes que se reunira em torno do Príncipe Rhaegar Targaryen, competindo pelo favor real. Arrogante, mas capaz e enérgico. Aquilo e sua habilidade com as armas fizeram com que o Rei Louco Aerys o nomeasse Mão. A inércia do velho Lorde Merryweather havia permitido que a rebelião se enraizasse e se espalhasse, e Aerys queria alguém jovem e vigoroso para enfrentar a juventude e o vigor do próprio Robert.
- Muito cedo - Lorde Tywin Lannister declarara quando a notícia da escolha do rei chegara a Rochedo Casterly. - Connington é muito jovem, muito ousado, muito sedento de glória.
A Batalha dos Sinos provara a verdade daquilo. Sor Kevan esperara que, depois disso, Aerys não tivesse outra escolha que não convocar Tywin mais uma vez ... mas o Rei Louco se voltara para os Lordes Chelsted e Rossard, e pagou com sua vida e sua coroa. Mas isso foi há muito tempo. Se este é realmente Jon Connington, ele será um homem diferente. Mais velho, mais duro, mais experiente... mais perigoso.
- Connington pode ter mais do que a Companhia Dourada. Dizem que tem um pretendente Targaryen.
- Um menino forjado é o que ele é - disse Randyll Tarly.
- Pode ser que sim. Ou não. - Kevan Lannister tinha estado ali, naquele mesmo salão, quando Tywin colocara o corpo dos filhos do Príncipe Rhaegar aos pés do Trono de Ferro e enrolara-os em mantos carmesins. A garota era reconhecidamente a Princesa Rhaenys, mas o menino... um horror de ossos, cérebro e sangue coagulado, sem rosto, poucas meadas do belo cabelo. Nenhum de nós olhou por muito tempo. Tywin disse que era o Príncipe Aegon, e confiamos em sua palavra. - Temos essas histórias vindas do leste também. Uma segunda Targaryen, e uma cujo sangue nenhum homem pode questionar. Daenerys Nascida da Tormenta.
- Tão louca quanto o pai - declarou Lorde Mace Tyrell.
Que seria o mesmo pai que Jardim de Cima e a Casa Tyrell apoiaram até o amargo fim e muito além.
- Ela pode ser louca - Sor Kevan disse - mas com tanta fumaça à deriva no oeste, certamente há algum fogo queimando no leste.
Grande Meistre Pycelle balançou a cabeça.
- Dragões. Essas mesmas histórias alcançaram Vilavelha. Demasiadas para não serem levadas em conta. Uma rainha de cabelos prateados com três dragões.
- Do outro lado do mundo - falou Mace Tyrell. - Rainha na Baía dos Escravos, sim. Seremos gratos se ficar por lá.
- Nisso concordamos - disse Sor Kevan - mas a garota é do sangue de Aegon, o Conquistador, e não acho que ficará satisfeita em permanecer em Meereen para sempre. Se ela alcançar esta costa e unir forças a Lorde Connington e esse príncipe dele, falso ou não ... devemos destruir Connington e seu pretendente agora, antes que Daenerys Nascida da Tormenta venha para o oeste.
Mace Tyrell cruzou os braços.
- Pretendo fazer exatamente isso, sor. Depois dos julgamentos.
- Mercenários lutam por dinheiro - declarou o Grande Meistre Pycelle. - Com ouro suficiente, podemos persuadir a Companhia Dourada a entregar Lorde Connington e o pretendente.
- Sim, se tivéssemos ouro - Sor Harys Swyft disse. - Ai de mim, meus senhores, nossos cofres têm apenas ratos e baratas. Escrevi novamente para os banqueiros de Myr. Se eles concordarem em assumir a dívida da coroa com os bravosis e nos estender um novo empréstimo, talvez não tenhamos que aumentar os impostos. Caso contrário ...
- Os magísteres de Pentos são conhecidos por emprestar dinheiro também - lembrou Sor Kevan. - Tente com eles. - Os pentoshis gostariam ainda menos de prestar ajuda, mas o esforço devia ser feito. A menos que um novo recurso de dinheiro fosse encontrado, ou o Banco de Ferro persuadido a ceder, ele seria obrigado a pagar a dívida da coroa com ouro Lannister. Não se atreveria a recorrer a novos impostos, não com os Sete Reinos se arrastando em rebelião. Metade dos senhores do reino podia não distinguir tributação de tirania e se agarraria ao usurpador mais próximo em um piscar de olhos se isso lhe salvasse uns cobres cortados. - Se isso falhar, você deve ir a Bravos, negociar pessoalmente com o Banco de Ferro.
Sor Harys fraquejou.
- Devo?
- Você é o mestre da moeda - Lorde Randyll disse rispidamente.
- Sou. - O tufo de cabelo branco na ponta do queixo de Swyft tremeu de indignação. - Devo lembrar ao meu senhor que este problema não é feito meu? E nem todos nós tivemos a oportunidade de reabastecer nossos cofres com os saques de Lagoa da Donzela e Pedra do Dragão.
- Eu me ressinto de sua insinuação, Swyft - Mace Tyrell disse, enfurecido. - Nenhuma riqueza foi encontrada em Pedra do Dragão, eu lhe garanto. Os homens do meu filho procuraram em cada centímetro daquela ilha úmida e triste e voltaram com não mais do que uma simples pedra preciosa ou uma pitada de ouro. Nenhum sinal daquele fabuloso tesouro escondido de ovos de dragão.
Kevan Lannister vira Pedra do Dragão com os próprios olhos. Duvidava muito que Loras Tyrell tivesse procurado em cada centímetro da antiga fortaleza. Os valirianos a tinham erguido, afinal de contas, e todas as suas obras cheiravam a feitiçaria. E Sor Loras era jovem, propenso a todos os juízos temerários da juventude e, além disso, fora gravemente ferido no assalto ao castelo. Mas isso não faria Tyrell recordar que seu filho era falível.
- Se houvesse alguma riqueza em Pedra do Dragão, Stannis a teria encontrado - declarou Sor Kevan. - Vamos em frente, meus senhores. Temos duas rainhas para julgar por alta traição, como devem se lembrar. Minha sobrinha escolheu julgamento por combate, segundo me informou. Sor Robert Forte será seu campeão.
- O gigante silencioso. - Lorde Randyll fez uma careta.
- Diga-me, sor, de onde veio esse homem? - exigiu saber Mace Tyrell. - Por que nunca ouvimos seu nome antes? Ele não fala, não mostra seu rosto, nunca é visto sem sua armadura. Sabemos com certeza que é mesmo um cavaleiro?
Não sabemos nem se está vivo. Meryn Trant afirmava que Forte nunca comia ou bebia, e Boros Blount ia além, dizendo que nunca vira o homem usar a latrina. Por que deveria? Mortos não cagam. Kevan Lannister tinha uma forte suspeita de quem este Sor Robert realmente era embaixo daquela reluzente armadura branca. Uma suspeita que Mace Tyrell e Randyll Tarly sem dúvida partilhavam. Qualquer que fosse o rosto escondido atrás do elmo do Forte, devia permanecer oculto por enquanto. O gigante silencioso era a única esperança de sua sobrinha. E rezemos para que seja tão formidável quanto parece.
Mas Mace Tyrell não conseguia ver além da ameaça à sua própria filha.
- Sua Graça nomeou Sor Robert para a Guarda Real - Sor Kevan o recordou - e Qyburn atesta pelo homem também. Seja como for. Precisamos que Sor Robert prevaleça, meus senhores. Se minha sobrinha for considerada culpada por essas traições, a legitimidade de seus filhos será colocada em questão. Se Tommen deixar de ser rei, Margaery deixará de ser rainha. - Deixou Tyrell remoer aquilo por um momento. - O que quer que Cersei tenha feito, ainda é uma filha do Rochedo e do meu próprio sangue. Não deixarei que morra como traidora, mas me assegurei de remover suas presas. Todos os guardas dela foram dispensados e substituídos pelo meus homens. No lugar de suas antigas damas de companhia, ela passará a ser atendida por uma septã e três noviças escolhidas pelo Alto Septão. Não tem mais voz no governo do reino, nem na educação de Tommen. Pretendo que ela retorne a Rochedo Casterly depois do julgamento e vou garantir para que permaneça lá. É o suficiente.
O resto, deixou sem ser dito. Cersei era mercadoria suja agora, seu poder se acabara. Todo padeiro e pedinte na cidade havia visto sua vergonha, e cada vendedor de tortas e curtidor da Baixada da Pulga à Curva do Mijaguado vira sua nudez, seus olhos ansiosos se arrastando por seus seios, barriga e partes femininas. Nenhuma rainha esperava governar novamente depois daquilo. Em ouro, seda e esmeraldas, Cersei fora uma rainha, a coisa mais próxima de uma deusa; nua, era apenas uma mulher, uma mulher de idade com estrias na barriga e tetas que começavam a ceder... como as megeras na multidão haviam ficado felizes em apontar para seus maridos e amantes. Melhor viver na vergonha do que morrer orgulhosa, Sor Kevan disse a si mesmo.
- Minha sobrinha não causará mais nenhum mal - prometeu para Mace Tyrell. - Tem minha palavra nisso, meu senhor.
Tyrell deu um aceno relutante.
- Como quiser. Minha Margaery prefere ser julgada pela Fé, então o reino inteiro poderá testemunhar sua inocência.
Se sua filha é tão inocente quanto você quer que acreditemos, por que precisa ter seu exército presente quando ela encarar seus acusadores? Sor Kevan podia ter perguntado.
- Em breve, espero - disse, em vez disso, antes de se virar para o Grande Meistre Pycelle. - Há mais alguma coisa?
O Grande Meistre consultou seus papéis.
- Devíamos endereçar a herança de Rosby. Seis petições foram colocadas ...
- Podemos tratar de Rosby em alguma data futura. O que mais?
- Preparativos devem ser feitos para a Princesa Myrcella.
- É isso que dá em se tratar com os dornenses - Mace Tyrell disse. - Certamente, um partido melhor pode ser encontrado para a garota.
Como seu próprio filho Willas, talvez? Ela, desfigurada por um dornense, ele, aleijado por outro?
- Sem dúvida - Sor Kevan disse - mas temos inimigos suficientes sem ofender Dorne. Se Doran Martell unir suas forças às de Connington e apoiar esse falso dragão, as coisas ficarão feias para todos nós.
- Talvez possamos persuadir nossos amigos dornenses a lidar com Lorde Connington - Sor Harys Swyft sugeriu com um irritante riso manso. - Isso pouparia um tanto de sangue e problemas.
- Pode ser - Sor Kevan disse, cansado. Era hora de colocar um fim naquilo. - Obrigado, meus senhores. Nos reuniremos novamente daqui a seis dias. Após o julgamento de Cersei.
- Como quiser. Que o Guerreiro dê forças aos braços de Sor Robert. - As palavras eram de má vontade, a inclinação de queixo que Mace Tyrell deu ao Senhor Regente a mais superficial das mesuras. Mas era algo, e, por esse tanto, Sor Kevan Lannister estava grato.
Randyll Tarly deixou o salão com seu senhor suserano, os lanceiros de mantos verdes atrás deles. Tarly é o perigo real, Sor Kevan refletiu enquanto via a partida dos dois. Um homem estrito, mas de vontade férrea e astuto, e tão bom soldado quanto a Campina pode se gabar. Mas como posso ganhá-lo para nosso lado?
- Lorde Tyrell não gosta de mim - o Grande Meistre Pycelle disse em tom sombrio quando a Mão partiu. - Essa questão do chá da lua ... eu nunca devia ter falado sobre isso, mas a Rainha Viúva me ordenou! Se for do agrado do Senhor Regente, eu dormiria mais profundamente se pudesse me emprestar alguns de seus guardas.
- Lorde Tyrell pode levar a mal.
Sor Harys Swyft puxou a barba do queixo.
- Também preciso de guardas para mim. Esses são tempos perigosos.
Sim, pensou Kevan Lannister, e Pycelle não é o único membro do conselho que nossa Mão gostaria de substituir. Mace Tyrell tinha seu próprio candidato para mestre do tesouro: seu tio, Senhor Senescal de Jardim de Cima, aquele a quem os homens chamavam de Garth, o Grosso. A última coisa que preciso é de outro Tyrell no pequeno conselho. Ele já estava em desvantagem. Sor Harys era pai de sua esposa, e Pycelle podia ser contado ao seu favor, também. Mas Tarly era juramentado ao Jardim de Cima, assim como Paxter Redwyne, senhor almirante e mestre dos navios, atualmente navegando com sua frota ao redor de Dorne para lidar com os homens de Euron Greyjoy. Uma vez que Redwyne retornasse a Porto Real, o conselho ficaria três a três, Lannister e Tyrell.
A sétima voz seria a da mulher dornense que agora escoltava Myrcella para casa. A Senhora Nym. Que não é nenhuma senhora, se metade do que Qyburn relatou for verdade. Uma filha bastarda da Víbora Vermelha, quase tão famosa quanto o pai e com a intenção de reivindicar o assento no conselho que o próprio Víbora Vermelha ocupara tão brevemente. Sor Kevan ainda não julgara adequado informar Mace Tyrell da chegada dela. A Mão, ele sabia, não ficaria satisfeita. O homem que precisamos é Mindinho. Petyr Baelish tem o dom de conjurar dragões do ar.
- Contrate os homens da Montanha - Sor Kevan sugeriu. - Ronnet Vermelho não terá mais utilidade para eles. - Não achava que Mace Tyrell seria tão tosco para tentar matar Pycelle ou Swyft, mas se guardas os fariam se sentir melhor, que tivessem guardas.
Os três homens saíram juntos da sala do trono. Do lado de fora, a neve estava rodopiando na ala externa, uma besta enjaulada uivando para ser libertada.
- Já sentiram tal frio? - perguntou Sor Harys.
- A hora para falar do frio - disse o Grande Meistre Pycelle - não é quando estamos parados nele. - Cruzou lentamente a ala externa, de volta a seus aposentos.
Os outros permaneceram um momento nos degraus da sala do trono.
- Não coloco fé nesses banqueiros de Myr - Sor Kevan disse para o sogro. - É melhor você se preparar para ir a Bravos.
Sor Harys não pareceu feliz com a perspectiva.
- Se eu devo ... Mas, digo novamente, esse problema não é feito meu.
- Não. Foi Cersei quem decidiu que o Banco de Ferro esperaria pelo que lhes é devido. Devo mandá-la para Bravos?
Sor Harys piscou.
- Sua Graça ... isso ... isso ...
Sor Kevan o salvou.
- Era uma brincadeira. Uma péssima brincadeira. Vá e encontre uma fogueira quente. Pretendo fazer o mesmo. - Puxou as luvas e começou a cruzar o pátio, inclinando-se com dificuldade contra o vento, enquanto seu manto batia e rodopiava atrás dele.
O fosso seco que cercava a Fortaleza de Maegor tinha quase um metro de neve, e as pontas de ferro que se alinhavam nele brilhavam com a geada. O único meio de entrar ou sair de Maegor era cruzando a ponte levadiça que passava por cima do fosso. Um cavaleiro da Guarda Real estava sempre postado na outra extremidade. Esta noite, o dever havia ficado com Sor Meryn Trant. Com Balon Swann caçando o desonesto cavaleiro Estrela Negra em Dorne, Loras Tyrell gravemente ferido em Pedra do Dragão, e Jaime desaparecido nas terras fluviais, apenas quatro das Espadas Brancas permaneciam em Porto Real, e Sor Kevan jogara Osmund Kettleblack (e seu irmão Osfryd) nos calabouços na mesma hora em que Cersei confessara que tomara os dois homens como amantes. Aquilo deixava apenas Trant, o fraco Boros Blount e o monstro mudo de Qyburn, Robert Forte, para proteger o jovem rei e a família real.
Preciso encontrar algumas espadas novas para a Guarda Real. Tommen devia ter sete bons cavaleiros com ele. No passado, a Guarda Real servia a vida toda, mas aquilo não impedira Joffrey de dispensar Sor Barristan Selmy para conseguir um lugar para seu cão, Sandor Clegane. Kevan podia se utilizar desse precedente. Poderia colocar Lancel em um manto branco, ele refletiu. Há mais honra nisso do que ele jamais encontrará nos Filhos do Guerreiro.
Kevan Lannister pendurou a capa encharcada pela neve dentro de seu solar, tirou as botas e ordenou ao seu servo que buscasse um pouco de lenha fresca para o fogo.
- Uma taça de vinho quente com especiarias também cairia bem - disse, enquanto se acomodava ao lado da lareira. - Providencie isso.
O fogo logo o descongelou, e o vinho aqueceu suas entranhas agradavelmente. Também o deixou com sono, então não ousou tomar outra taça. Seu dia estava longe de acabar. Tinha relatos para ler, cartas para escrever. E cear com Cersei e o rei. Sua sobrinha tinha estado subjugada e submissa desde a caminhada de expiação, graças aos deuses. As noviças que a atendiam relatavam que ela passava um terço de suas horas desperta com o filho, outro terço em oração e o resto na banheira. Estava se banhando quatro ou cinco vezes ao dia, esfregando-se com escovas de crina de cavalo e um sabão forte de lixívia, como se pretendesse arrancar a pele.
Ela nunca mais tirará a mancha, não importa o quão forte se esfregue. Sor Kevan se lembrava da garota que fora, tão cheia de vida e travessuras. E quando florescera, ahhh ... teria havido donzela mais doce de se olhar? Se Aerys tivesse concordado em casá-la com Rhaegar, quantas mortes poderiam ter sido evitadas? Cersei poderia ter dado ao príncipe os filhos que ele queria, leões com olhos púrpura e jubas prateadas ... e, com tal esposa, Rhaegar nunca teria olhado duas vezes para Lyanna Stark. A garota nortenha tinha uma beleza selvagem, ele se lembrava, mas por mais brilhante que uma tocha queimasse, nunca corresponderia ao sol nascente.
Mas de nada adiantava cismar com batalhas perdidas e trilhas não percorridas. Isso era um vício de velhos homens feitos. Rhaegar havia se casado com Elia de Dome, Lyanna Stark morrera, Robert Baratheon tomara Cersei como noiva, e aqui estavam eles. E esta noite, seu próprio caminho o levaria para os aposentos da sobrinha, e cara a cara com Cersei.
Não tenho motivos para me sentir culpado, Sor Kevan disse para si mesmo. Tywin entenderia isso, certamente. Foi sua filha quem trouxe a vergonha para nosso nome, não eu. O que eu fiz foi para o bem da Casa Lannister.
Não era como se seu irmão nunca tivesse feito isso. Nos últimos anos de vida do pai deles, depois que a mãe morrera, o velho Lorde Tytos tomara a formosa filha de um fabricante de velas como amante. Não era incomum que um senhor viúvo mantivesse uma garota do povo para aquecer sua cama... mas Lorde Tytos logo começara a sentar a mulher ao lado dele no salão, a cobri-la com presentes e honras, e até mesmo perguntava sua opinião em assuntos de estado. Em um ano, ela estava dispensando servos, dando ordens nos cavaleiros da casa, chegando a falar por sua senhoria quando ele estava indisposto. Ela ficara tão influente que se dizia, em Lannisporto, que qualquer homem que desejasse que sua petição fosse ouvida deveria se ajoelhar diante dela e falar em voz alta para seu colo... pois as orelhas de Tytos Lannister estavam entre as pernas de sua senhora. Ela até passara a usar as joias da mãe deles.
Isso fora até o dia em que o coração do senhor seu pai estourara no peito enquanto ele subia um lance íngreme de degraus para a cama dela. Todos aqueles que haviam se autointitulado amigos dela e cultivado seus favores a abandonaram rapidamente quando Tywin a deixou despida e a fez desfilar através de Lannisporto até as docas, como uma puta comum. Embora nenhum homem tivesse colocado a mão nela, aquela caminhada significava o fim de seu poder. Certamente Tywin jamais sonhara que o mesmo destino aguardava sua filha dourada.
- Teve que ser - Sor Kevan murmurou diante do último gole de vinho. Sua Alta Santidade ficara satisfeito. Tommen precisava da Fé ao seu lado nas batalhas que viriam. E Cersei... a menina dourada se transformara em uma mulher vaidosa, tola, gananciosa. Se deixada no governo, teria arruinado Tommen como fizera com Joffrey.
Do lado de fora, o vento aumentava, arranhando as janelas de seus aposentos. Sor Kevan ficou em pé. Hora de encarar a leoa em sua toca. Arrancamos suas garras. Jaime, no entanto... Mas, não, não ficaria remoendo isso.
Vestiu um gibão velho e bem cortado, caso sua sobrinha tivesse em mente jogar outra taça de vinho em seu rosto, mas deixou o cinturão da espada pendurado na parte de trás da cadeira. Apenas os cavaleiros da Guarda Real tinham permissão de manter espadas na presença de Tommen.
Sor Boros Blount atendia ao rei menino e sua mãe quando Sor Kevan entrou nos aposentos reais. Blount usava escamas esmaltadas, manto branco e meio-elmo. Não parecia bem. Ultimamente, Boros ficara notavelmente mais pesado no rosto e na barriga, e sua cor não era boa. Estava apoiado contra a parede atrás dele, como se ficar em pé tivesse se tornado um grande esforço.
A refeição foi servida pelas três noviças, garotas bem limpas, de bom nascimento, com idade entre doze e dezesseis anos. Em suas suaves lãs brancas, cada uma parecia mais inocente e irreal do que a anterior, mesmo assim, o Alto Septão insistira que cada garota não passasse mais do que sete dias a serviço da rainha, para que Cersei não as corrompesse. Elas cuidavam do guarda-roupa da rainha, preparavam seu banho, serviam-lhe vinho, mudavam as roupas de cama pela manhã. Uma dividia a cama com a rainha todas as noites, para assegurar-se de que ela não teria outra companhia; as outras duas dormiam no quarto ao lado com a septã que as vigiava.
Uma garota alta como uma cegonha e com o rosto coberto de marcas o escoltou até a presença real. Cersei se levantou quando ele entrou e o beijou suavemente no rosto.
- Querido tio. É tão bom que tenha vindo cear conosco. - A rainha estava vestida tão modestamente quanto qualquer matrona, em um vestido marrom-escuro abotoado até o pescoço e um manto com capuz verde que cobria sua cabeça raspada. Antes da caminhada, ela teria ostentado a calvície embaixo de uma coroa. - Venha se sentar - ela disse. - Gostaria de vinho?
- Uma taça. - Ele se sentou, ainda cauteloso.
Uma noviça sardenta encheu as taças com vinho quente com especiarias.
- Tommen me disse que Lorde Tyrell pretende reconstruir a Torre da Mão - comentou Cersei.
Sor Kevan assentiu.
- A nova torre será duas vezes mais alta que aquela que você queimou, ele diz.
Cersei deu uma risada gutural.
- Longas lanças, altas torres ... Lorde Tyrell está insinuando alguma coisa?
Aquilo o fez sorrir. É bom que ela ainda se lembre de como rir. Quando perguntou se ela tinha tudo o que precisava, a rainha respondeu:
- Estou bem servida. As garotas são doces, e a boa septã se assegura de que eu diga minhas orações. Mas, uma vez que minha inocência seja provada, me deixaria satisfeita se Taena Merryweather pudesse me atender novamente. Ela traria o filho à corte. Tommen precisa de outro garoto com ele, amigos de nascimento nobre.
Era um pedido modesto. Sor Kevan não via nenhuma razão pela qual não pudesse ser concedido. Ele mesmo podia adotar o menino Merryweather, enquanto a Senhora Taena acompanhava Cersei de volta a Rochedo Casterly.
- Eu a buscarei após o julgamento - prometeu.
A ceia começou com carne e sopa de aveia, seguidas por um par de codornas e um assado no espeto de quase noventa centímetros de comprimento, com nabos, cogumelos, e diversos pães quentes e manteiga. Sor Boros provava cada prato que era enviado antes do rei. Um dever humilhante para um cavaleiro da Guarda Real, mas talvez tudo o que Blount fosse capaz de fazer naqueles dias ... e sábio, depois da maneira como o irmão de Tommen morrera.
O rei parecia mais feliz do que Kevan Lannister vira durante muito tempo. Da sopa ao doce, Tommen balbuciou sobre as façanhas de seus filhotes, enquanto os alimentava com pedaços do espeto tirados de seu prato real.
- O gato mau estava do lado de fora da minha janela noite passada - contou para Kevan a determinada altura - mas Sor Salto sibilou para ele e ele fugiu pelo telhado.
- O gato mau? - Sor Kevan disse, divertido. Ele é um menino doce.
- Um velho gato preto com uma orelha rasgada - Cersei contou para ele. - Uma coisa imunda e mal-humorada. Arranhou a mão de Joff uma vez. - Ela fez uma careta. - Os gatos mantêm os ratos afastados, eu sei, mas esse aí... ele é conhecido por atacar os corvos no viveiro.
- Pedirei para os caçadores de ratos colocarem uma armadilha para ele. - Sor Kevan não se lembrava de ter visto a sobrinha tão tranquila, tão submissa, tão reservada. Tudo para o bem, ele supôs. Mas aquilo também o deixava triste. Seu fogo está apagado, ela que costumava queimar tão radiante. - Você não me perguntou sobre seu irmão - disse, enquanto esperavam pelos bolos de creme. Bolos de creme eram os favoritos do rei.
Cersei ergueu o queixo, os olhos verdes brilhando sob a luz das velas.
- Jaime? Você teve notícias?
- Nenhuma. Cersei, você precisa se preparar para ...
- Se ele estivesse morto, eu saberia. Viemos para este mundo juntos, Tio. Ele não partiria sem mim. - Ela tomou um gole de vinho. - Tyrion pode partir quando desejar. Tampouco teve notícias dele, suponho.
- Ninguém tentou nos vender a cabeça de um anão ultimamente, não.
Ela assentiu.
- Tio, posso lhe fazer uma pergunta?
- O que quiser.
- Sua esposa ... pretende trazê-la à corte?
- Não. - Dorna era uma alma gentil, nunca à vontade, exceto em casa, com amigos e parentes ao redor dela. Cuidara bem de seus filhos, sonhava em ter netos, rezava sete vezes ao dia, amava bordados e flores. Em Porto Real, seria tão feliz quanto um dos gatinhos de Tommen em um poço de víboras. - A senhora minha esposa não gosta de viagens. O lugar dela é em Lannisporto.
- É sábia a mulher que conhece seu lugar.
Ele não gostou de como aquilo soou.
- Explique o que quer dizer.
- Eu pensei que soubesse. - Cersei pegou sua taça. A garota sardenta a encheu novamente. Os bolos de creme apareceram, então, e a conversa tomou um rumo mais leve. Apenas depois que Tommen e seus gatinhos foram escoltados até o quarto de dormir real por Sor Boros, a conversa deles se voltou para o julgamento da rainha.
- Os irmãos de Osney não ficarão de braços cruzados vendo-o morrer - Cersei o advertiu.
- Nem esperava que ficassem. Tenho os dois presos.
Aquilo pareceu surpreendê-la.
- Por qual crime?
- Fornicação com a rainha. Sua Alta Santidade diz que você confessou ter dormido com ambos. Você se esqueceu?
O rosto dela corou.
- Não. O que fará com eles?
- A Muralha, se admitirem sua culpa. Se a negarem, podem encarar Sor Robert. Tais homens nunca deviam ter sido erguidos tão alto.
Cersei abaixou a cabeça.
- Eu ... eu os julguei mal.
- Você julgou mal bons homens também, pelo que parece.
Ele teria mais a comentar, mas a noviça de cabelos escuros e rosto redondo voltou para dizer:
- Meu senhor, minha senhora, sinto interromper, mas há um rapaz lá embaixo. O Grande Meistre Pycelle implora o favor da presença do Senhor Regente imediatamente.
Asas escuras, palavras escuras, Sor Kevan pensou. Será que Ponta Tempestade caiu? Ou será que as notícias são de Bolton, no Norte?
- Podem ser notícias de Jaime - a rainha falou.
Só havia um jeito de saber. Sor Kevan se levantou.
- Por favor, me dê licença. - Antes de sair, apoiou-se em um joelho e beijou a sobrinha na mão. Se seu gigante silencioso falhasse, aquele poderia ser o último beijo que ela receberia.
O mensageiro era um garoto de oito ou nove anos, tão empacotado em pele que parecia um filhote de urso. Trant o deixara esperando na ponte levadiça em vez de admiti-lo no Maegor.
- Vá procurar uma fogueira, rapaz - Sor Kevan disse para ele, colocando uma moeda de um dinheiro em sua mão. - Conheço o caminho para o viveiro bem o bastante.
A neve finalmente parara de cair. Atrás de um véu de nuvens esfarrapadas, uma lua cheia flutuava gorda como uma bola de neve. As estrelas brilhavam frias e distantes. Enquanto Sor Kevan seguia pela ala interna, o castelo parecia um lugar estranho, onde em cada fortaleza e torre haviam crescido dentes congelados, e todos os caminhos familiares haviam desaparecido sob um lençol branco. Um pingente longo como uma lança caiu para se espatifar a seus pés. Outono em Porto Real, ele meditou. Como deve ser na Muralha?
A porta foi aberta por uma serva, uma coisa magrela em uma túnica forrada de pele grande demais para ela. Sor Kevan sacudiu a neve de suas botas, tirou o manto e entregou-o à garota.
- O grande meistre está me esperando - anunciou. A menina acenou com a cabeça, solene e silenciosa, e apontou para os degraus.
Os aposentos de Pycelle ficavam embaixo do viveiro, um espaçoso conjunto de quartos cheios de prateleiras de ervas e pomadas, e estantes repletas de livros e pergaminhos. Sor Kevan sempre achara o local desconfortavelmente quente. Não nessa noite. Uma vez atravessada a porta do aposento, o frio era palpável. Cinza negra e brasas morrendo era tudo o que restava de uma fogueira. Algumas velas tremeluzindo lançavam luzes fracas aqui e ali.
O resto estava envolto em sombras ... exceto sob a janela aberta, onde nuvens de cristais de gelo brilhavam à luz da lua, rodopiando ao vento. No banco sob a janela, um corvo perambulava, claro, imenso, com as penas eriçadas. Era o maior corvo que Kevan Lannister já vira. Maior do que qualquer falcão de caça em Rochedo Casterly; maior do que a maior coruja. Neve soprada pelo vento dançava ao redor dele, e a lua o pintava de prateado. Não prateado. Branco. O pássaro é branco.
Os corvos brancos da Cidadela não carregavam mensagens, como seus primos escuros faziam. Quando deixavam Vilavelha, era apenas com um propósito: anunciar a mudança da estação.
- Inverno - disse Sor Kevan. A palavra formou uma névoa branca no ar. Deu as costas para a janela.
Então algo o acertou no peito entre as costelas, duro como o punho de um gigante. Aquilo o fez perder o ar e o fez cambalear para trás. O corvo branco saiu voando, as asas claras batendo sobre sua cabeça. Sor Kevan meio sentou e meio caiu no banco sob a janela. O que... quem ... Uma seta estava afundada quase até a altura das penas em seu peito. Não. Não, foi assim que meu irmão morreu. Sangue escorria em volta da haste.
- Pycelle - murmurou, confuso. - Ajude-me... eu ...
Então ele viu. O Grande Meistre Pycelle estava sentado em sua mesa, a cabeça apoiada em um grande tomo encadernado de couro diante dele. Dormindo, Kevan pensou ... até que piscou e viu o profundo corte vermelho no crânio sarapintado do velho, e o sangue empoçado sob sua cabeça, manchando as páginas do livro. Ao redor de sua vela havia pedaços de ossos e cérebro, ilhas em um lago de cera derretida.
Ele queria guardas, Sor Kevan pensou. Eu devia ter enviado guardas para ele. Poderia Cersei estar certa o tempo todo? Isso seria trabalho de seu sobrinho?
- Tyrion - chamou. - Onde... ?
- Muito longe - uma voz meio familiar respondeu.
Ele estava parado na sombra de uma estante de livros, gordo, rosto pálido, ombros redondos, segurando uma besta nas suaves mãos empoadas. Chinelos de seda envolviam seus pés.
- Varys?
O eunuco abaixou a besta.
- Sor Kevan. Perdoe-me, se puder. Não lhe tenho nenhum ressentimento. Isso não foi feito com malícia. Foi pelo reino. Pelas crianças.
Eu tenho crianças. Tenho uma esposa. Oh, Dorna. A dor o encobriu. Fechou os olhos e os abriu novamente.
- Há ... Há centenas de guardas Lannister neste castelo.
- Mas nenhum neste quarto, felizmente. Isso me dói, meu senhor. Você não merece morrer sozinho em uma noite escura e fria como esta. Há muitos como você, bons homens a serviço de causas más ... mas você estava tramando para desfazer todo o bom trabalho da rainha, queria reconciliar Jardim de Cima e Rochedo Casterly, ligar a Fé ao seu pequeno rei, unir os Sete Reinos sob o governo de Tommen. Então ...
Uma rajada de vento soprou. Sor Kevan tremeu violentamente.
- Está com frio, meu senhor? - perguntou Varys. - Perdoe-me. O Grande Meistre se sujou enquanto morria, e o fedor estava tão abominável que pensei que fosse asfixiar.
Sor Kevan tentou se levantar, mas sua força o deixara. Não conseguia sentir as pernas.
- Achei a besta adequada. Você partilhou tanto com Lorde Tywin, por que não isso? Sua sobrinha pensará que os Tyrell o assassinaram, talvez com a conivência do Duende. Os Tyrell suspeitarão dela. Alguém, de alguma forma, encontrará uma maneira de culpar os dornenses. Dúvida, divisão e desconfiança vão roer o chão por baixo do seu rei Tommen, enquanto Aegon levanta seu estandarte sobre Ponta Tempestade e os senhores do reino se reúnem em torno dele.
- Aegon? - Por um momento, ele não entendeu. Então se lembrou. Um bebê envolto em um manto carmesim, o tecido manchado com o sangue e o cérebro dele. - Morto. Ele está morto.
- Não. - A voz do eunuco pareceu mais profunda. - Ele está aqui. Aegon tem sido moldado para governar desde antes que pudesse andar. Foi treinado em armas, como convém a um cavaleiro, mas esse não foi o fim de sua educação. Ele lê e escreve, fala diversas línguas, estudou história, leis e poesia. Uma septã o instruiu nos mistérios da Fé desde que teve idade suficiente para entendê-los. Viveu com pescadores, trabalhou com as próprias mãos, nadou em rios, remendou redes e aprendeu a lavar as próprias roupas na necessidade. Ele consegue pescar, cozinhar e curar uma ferida, sabe como é sentir fome, ser caçado, sentir medo. Tommen tem sido ensinado que a realeza é o direito dele. Aegon sabe que a realeza é seu dever, que um rei deve colocar seu povo em primeiro lugar, e viver e governar para eles.
Kevan Lannister tentou gritar... para seus guardas, a esposa, o irmão ... mas as palavras não saíram. Sangue escorreu de sua boca. Estremeceu violentamente.
- Sinto muito. - Varys torceu as mãos. - Você está sofrendo, eu sei, e eu aqui continuando a falar como uma velha tola. É tempo de pôr um fim nisso. - O eunuco franziu os lábios e deu um pequeno assobio.
Sor Kevan estava frio como gelo, e cada respiração ofegante enviava uma nova pontada de dor por seu corpo. Ele vislumbrou um movimento, ouviu o som suave de passos de um chinelo se arrastando na pedra. Uma criança saiu de uma poça de escuridão, um garoto pálido em uma túnica esfarrapada, com não mais do que nove ou dez anos. Outro se ergueu de trás da cadeira do grande meistre. A garota que abrira a porta para ele estava ali também. Estavam todos ao redor dele, meia dúzia deles, crianças de rosto branco e olhos escuros, meninos e meninas juntos.
E, em suas mãos, as adagas. 

71 - DAENERYS


O morro era uma ilha de pedra em um mar verde.
Dany levou metade da manhã para descê-lo. Quando chegou ao fim, estava sem fôlego. Seus músculos doíam, e sentia-se como se estivesse com um início de febre. As rochas haviam deixado suas mãos em carne viva. Estão melhores do que estavam, pensou, enquanto cutucava uma bolha estourada. Sua pele estava rosada e macia, e um claro líquido leitoso vazava das rachaduras nas palmas, mas as queimaduras estavam sarando.
O morro era maior dali. Dany começara a chamá-lo de Pedra do Dragão, por causa da antiga citadela onde nascera. Não tinha lembranças daquela Pedra do Dragão, mas não esqueceria dessa tão cedo. Um matagal de gramíneas e arbustos espinhosos cobria as encostas inferiores; mais acima, um emaranhado irregular de rochas nuas se erguia íngreme e repentinamente para o céu. Lá no alto, entre pedregulhos quebrados, cumes afiados e pináculos finos, Drogon fizera seu covil em uma caverna rasa. Ele morava lá havia algum tempo, Dany percebeu na primeira vez em que viu o morro. O ar cheirava a cinzas, cada pedra e árvore à vista estava queimada e enegrecida, o chão repleto de ossos queimados e partidos, mesmo assim, era um lar para ele.
Dany conhecia a atração de um lar.
Dois dias atrás, subindo em um pináculo de pedra, vislumbrara água ao sul, uma linha tênue que brilhara brevemente enquanto o sol se punha. Um córrego, Dany reconheceu. Pequeno, mas poderia levar a um riacho maior, e esse riacho poderia desaguar em algum rio pequeno, e todos os rios nessa parte do mundo eram vassalos do Skahazadhan. Uma vez que encontrasse o Skahazadhan, precisaria apenas seguir a jusante até a Baía dos Escravos.
Preferia ter retornado para Meereen nas asas do dragão, é claro. Mas aquele era um desejo que Drogon não parecia partilhar.
Os senhores de dragões da antiga Valíria controlavam suas montarias com feitiços de ligação e cornos mágicos. Daenerys fizera com uma palavra e um chicote. Montada nas costas do dragão, frequentemente se sentia como se estivesse aprendendo a montar novamente. Quando chicoteava sua égua prateada no flanco direito, a égua ia para a esquerda, por causa do instinto primitivo dos cavalos de fugir do perigo. Quando acertava o chicote do lado direito de Drogon, ele desviava para a direita, pois o primeiro instinto do dragão é sempre atacar. Mas, algumas vezes, parecia não fazer diferença onde ela o acertava; algumas vezes ele ia para onde queria e a levava consigo. Nem chicote nem palavras podiam virar Drogon, se ele não quisesse ser virado. O chicote mais irritava o animal do que o feria, ela viera a perceber; suas escamas haviam ficado mais duras do que um chifre.
E não importava o quão longe o dragão voasse cada dia, chegando o anoitecer algum instinto levava-o para casa em Pedra do Dragão. A casa dele, não a minha. Sua casa estava em Meereen, com seu marido e seu amante. Era o local ao qual pertencia, certamente.
Continuar andando. Se olhar para trás, estarei perdida.
As lembranças caminhavam com ela. Nuvens vistas de cima. Cavalos tão pequenos quanto formigas andando pela grama. Uma lua prateada, quase perto o suficiente para ser tocada. Rios correndo brilhantes e azuis embaixo, resplandecendo ao sol. Verei essas coisas novamente? Nas costas de Drogon, ela se sentira inteira. Lá em cima, no céu, os infortúnios do mundo não podiam tocá-la. Como poderia abandonar aquilo?
Já era tempo, no entanto. Uma garota passaria a vida nessa brincadeira, mas ela era uma mulher crescida, uma rainha, uma esposa, mãe de milhares. Seus filhos precisavam dela. Drogon se dobrara diante do chicote, e ela também devia. Tinha que vestir sua coroa novamente e retornar para seu banco de ébano e para os braços de seu nobre marido.
Hizdahr, dos beijos tépidos.
O sol estava quente naquela manhã, e o céu, azul e sem nuvens. Aquilo era bom. As roupas de Dany eram dificilmente mais do que trapos e forneciam muito pouco calor. Uma de suas sandálias escorregara durante a luta selvagem em Meereen, e deixara a outra na caverna de Drogon, preferindo andar descalça do que meio calçada. O tokar e os véus, ela abandonara na arena, sua roupa de baixo de linho não fora feita para enfrentar os dias quentes e as noites frias do mar dothraki. Suor, grama e sujeira a mancharam, e Dany havia rasgado uma faixa da bainha para fazer uma bandagem para sua canela. Devo parecer uma coisa esfarrapada e faminta, pensou, mas se os dias permanecerem quentes, não congelarei.
A jornada dela fora solitária, e na maior parte do tempo estivera machucada e com fome ... mesmo assim, apesar de tudo sentira-se estranhamente feliz ali. Algumas dores, uma barriga vazia, frio à noite... o que isso importa quando você pode voar? Eu faria tudo novamente.
Jhiqui e lrri deviam estar esperando no topo da pirâmide em Meereen, disse para si mesma. Sua doce escriba, Missandei, também, e seus pequenos pajens. Eles lhe trariam comida, e ela poderia se banhar na piscina sob o caquizeiro. Seria bom sentir-se limpa novamente. Dany não precisava de um espelho para saber que estava imunda.
Estava faminta também. Em uma manhã, encontrara algumas cebolas selvagens crescendo a meio caminho da encosta sul e, mais tarde, naquele mesmo dia, um frondoso vegetal avermelhado que podia ser algum tipo estranho de repolho. O que quer que fosse não a deixara doente. Além daquilo, e de um peixe que pegara na lagoa temporária do lado de fora da caverna de Drogon, tivera que sobreviver da melhor maneira possível dos restos do dragão, ossos queimados e pedaços de carne esfumaçada, meio torradas e meio cruas. Precisava de mais, sabia. Um dia, chutou o crânio partido de uma ovelha com a lateral do pé descalço e a mandou saltando pela beira do morro. Enquanto observava o crânio rolar pela encosta íngreme até o mar de grama, percebeu que poderia seguir por ali.
Dany partiu pela grama alta em um ritmo acelerado. A terra estava quente entre os dedos de seus pés. A grama era tão alta quanto ela. Não parecia tão alta quando eu estava montada na minha prata, cavalgando ao lado do meu sol-e-estrelas na frente de seu khalasar. Conforme andava, batia em suas coxas com o chicote do mestre da arena. Aquilo e os trapos em suas costas era tudo o que trouxera de Meereen.
Embora caminhasse entre um reino verde, não era o profundo e rico verde do verão. Mesmo aqui o outono marcava sua presença, e o inverno não estava muito longe. A grama era mais clara do que ela se lembrava, um verde abatido e doentio, em vias de se tornar amarelo. Depois disso, viria o marrom. A grama estava morrendo.
Daenerys Targaryen não era estranha ao mar dothraki, o grande oceano de grama que se estendia da floresta de Qohor até a Mãe das Montanhas e o Ventre do Mundo. Vira-o pela primeira vez quando ainda era uma garota, recém-casada com Khal Drogo e a caminho de Vaes Dothraki para ser apresentada às anciãs do dosh khaleen. A visão de toda aquela grama se espalhando diante dela lhe tirara o fôlego. O céu era azul, a grama era verde, e eu estava cheia de esperanças. Sor Jorah estava com ela, seu velho urso rude. Tinha Irri, Jhiqui e Doreah para cuidar dela, seu sol-e-estrelas para abraçá-la à noite, seu filho crescendo dentro de si. Rhaego. Eu ia chamá-lo de Rhaego, e o dosh khaleen disse que ele seria o Garanhão que Monta o Mundo. Nunca, desde aqueles dias de poucas lembranças em Bravos, quando vivera na casa com a porta vermelha, havia sido tão feliz.
Mas, no deserto vermelho, toda sua alegria se transformara em cinzas. Seu sol-e-estrelas caíra do cavalo, a maegi Mirri Maz Duur matara Rhaego em seu útero, e Dany asfixiara a casca vazia de Khal Drogo com as próprias mãos. Depois, o grande khalasar de Drogo fora aniquilado. Ko Pono nomeara-se Khal Pono e levara muitos cavaleiros consigo, e muitos escravos também. Ko Jhaqo nomeara-se Khal Jhaqo e cavalgara com muitos mais. Mago, companheiro de sangue de Khal Jhaqo, estuprara e matara Eroeh, uma garota que Daenerys salvara dele. Apenas o nascimento dos dragões entre o fogo e a fumaça da pira funerária de Khal Drogo poupara Dany de ser arrastada de volta a Vaes Dothrak para viver o restante de seus dias entre as anciãs do dosh khaleen.
O fogo queimou meu cabelo, mas, fora isso, não tocou em mim. Acontecera o mesmo na Arena de Daznak. Disso ela se lembrava, embora muito do que se seguiu estivesse obscuro. Tantas pessoas, gritando e empurrando. Lembrava-se de cavalos empinando, de uma carroça de comida espalhando melões quando tombou. Por baixo, uma lança veio voando, seguida por flechas de bestas. Uma passou tão perto que Dany sentiu raspar em sua bochecha. Outras escorregaram pelas escamas de Drogon, alojaram-se entre elas ou atravessaram a membrana de suas asas. Lembrava-se do dragão torcendo-se embaixo dela, estremecendo aos impactos, enquanto ela tentava desesperadamente se agarrar às costas do animal. Os ferimentos soltavam fumaça. Dany viu uma das flechas queimando em chamas súbitas. Outra caiu, soltando-se com a batida das asas. Embaixo, via homens girando, envoltos em chamas, mãos para cima, como se apanhados em alguma dança louca. Uma mulher em um tokar verde alcançou uma criança que chorava, puxando-a para seus braços para protegê-la das chamas. Dany viu a cor vividamente, mas não o rosto da mulher. Pessoas a pisotearam enquanto se enroscavam nos tijolos. Alguns estavam em chamas.
Então tudo aquilo desaparecera, os sons ficando mais baixos, as pessoas encolhendo, as lanças e flechas caindo embaixo deles, conforme Drogon arranhava seu caminho para o céu. Para cima, para cima, e para cima ele a levara, bem acima das pirâmides e das arenas, as asas estendidas para pegar o ar quente que se erguia dos tijolos da cidade cozidos pelo sol. Se eu cair e morrer, mesmo assim terá valido a pena, ela pensara.
Voaram para o norte, além do rio, Drogon deslizando com asas rasgadas e esfarrapadas, através de nuvens que se moviam como os estandartes de algum exército fantasmagórico. Dany vislumbrara a costa da Baía dos Escravos e a antiga estrada valiriana que corria ao lado por areia e desolação até desaparecer no oeste. O caminho para casa. Então não havia nada sob eles além de grama ondulando ao vento.
Esse primeiro voo foi há mil anos? Algumas vezes, parecia que sim.
O sol ficava mais quente conforme se levantava no céu, e, em pouco tempo, a cabeça dela latejava. O cabelo de Dany estava crescendo de novo, mas lentamente.
- Preciso de um chapéu - disse em voz alta. No alto da Pedra do Dragão, tentara fazer um, tecendo hastes de grama como vira as mulheres dothraki fazendo durante seu tempo com Drogo, mas estava usando o tipo errado de grama, ou simplesmente não tinha a habilidade necessária. Seus chapéus desfaziam-se aos pedaços em suas mãos. Tente novamente, dizia para si mesma. Você fará melhor da próxima vez. Você é o sangue do dragão, você pode fazer um chapéu. Tentou e tentou, mas sua última tentativa não fora mais bem sucedida do que a primeira.
Só à tarde Dany encontrou o córrego que vislumbrara do alto do morro. Era um ribeirinho, um regato, um fio d'água, não mais largo que seu braço ... e seu braço emagrecera cada dia que passara em Pedra do Dragão. Dany pegou um punhado de água e jogou no rosto. Quando colocou as mãos em concha na água, os nós de seus dedos se afundaram na lama no meio do regato. Ela desejara água mais fria e mais limpa... mas, não, se tivesse que se prender a esperanças e desejos, desejaria um resgate.
Ainda se agarrava à esperança de que alguém viria atrás dela. Sor Barristan poderia vir procurá-la; ele era o primeiro de sua Guarda da Rainha, jurado a defendê-la com a própria vida. Seus companheiros de sangue não eram estranhos ao mar dothraki, e as vidas deles estavam ligadas à dela. Seu marido, o nobre Hizdahr zo Loraq, devia enviar pessoas para buscá-la. E Daario ... Dany o imaginava cavalgando na direção dela através da grama alta, sorrindo, seu dente de ouro brilhando com a última luz do sol poente.
Só que Daario fora enviado para os yunkaítas, um refém para garantir que nenhum mal acontecesse aos capitães de Yunkai. Daario, Herói, Jhogo e Groleo, e três dos parentes de Hizdahr. Agora, certamente, todos os reféns deviam ter sido libertados. Mas ... Ela se perguntava se as lâminas de seu capitão ainda estavam penduradas na parede ao lado de sua cama, esperando que Daario voltasse para reivindicá-las.
- Deixarei minhas garotas com você - ele dissera. - Mantenha-as a salvo para mim, amada.
E ela se perguntara o quanto os yunkaítas sabiam sobre o tanto que seu capitão significava para ela. Fizera aquela pergunta a Sor Barristan na tarde em que os reféns foram enviados.
- Eles devem ter ouvido boatos - ele respondera. - Naharis pode até mesmo ter se gabado da grande... estima ... de Vossa Graça por ele. Se me perdoa dizer isso, a modéstia não é uma das virtudes do capitão. Ele tem muito orgulho de sua ... de sua habilidade na espada.
Ele se gaba de dormir comigo, você quer dizer. Mas Daario não seria tão tolo de vangloriar-se disso entre seus inimigos. Não importa. Neste momento, os yunkaítas devem estar marchando para casa. Fora por isso que ela fizera tudo o que fizera. Pela paz.
Virou-se para o caminho de onde tinha vindo, para onde Pedra do Dragão se erguia sobre as terras de grama como um punho cerrado. Parece tão perto. Estive andando por horas e, mesmo assim, parece que eu poderia alcançá-la e tocá-la. Não era muito tarde para voltar. Havia peixes no lago temporário na caverna de Drogon. Pegara um no primeiro dia ali, podia pegar mais. E haveria ossos despedaçados e carbonizados, com pedaços de carne ainda neles, os restos das matanças de Drogon.
Não, Dany disse para si mesma. Se olhar para trás, estou perdida. Podia viver anos entre as rochas cozidas pelo sol de Pedra do Dragão, montando nas costas de Drogon durante o dia e roendo suas sobras todo entardecer, enquanto o grande mar de grama passava de dourado para laranja, mas essa não era a vida para a qual nascera. Então, mais uma vez, virou as costas para o morro distante e fechou os ouvidos para a canção de voos e liberdade que o vento cantava enquanto brincava entre os cumes de pedra do morro. O córrego corria para sul e sudeste, tanto quanto podia dizer. Ela seguiu o curso. Leve-me para o rio, é tudo o que peço. Leve-me para o rio, e farei o resto.
As horas passavam lentamente. O córrego dobrava por aqui e por ali, e Dany seguia, marcando o tempo em sua perna com o chicote, tentando não pensar sobre quão longe tinha que ir, ou no latejar em sua cabeça, ou em sua barriga vazia. Dê um passo. Dê o seguinte. Outro passo. Outro. O que mais poderia fazer?
Estava quieto em seu mar. Quando o vento soprava, a grama suspirava, como se os caules roçassem uns nos outros, sussurrando em uma língua que apenas os deuses podiam entender. Agora e novamente o pequeno córrego borbulhava onde fluía ao redor de uma pedra. A lama saía em jatos entre seus dedos dos pés. Insetos zumbiam em volta dela, preguiçosas libélulas, brilhantes vespas verdes e mosquitos quase pequenos demais para se ver. Ela os golpeava distraidamente, quando pousavam em seus braços. Uma vez, foi para cima de um rato que bebia do córrego, mas ele fugiu quando ela apareceu, correndo entre os caules e desaparecendo na grama alta. Algumas vezes ouvia pássaros cantando. O som fazia sua barriga roncar, mas não tinha redes para fazer uma armadilha e, até agora, não vira nenhum ninho. Uma vez sonhei que estava voando, ela pensou, e agora já voei, e sonho em roubar ovos. Aquilo a fez gargalhar.
- Homens são loucos e deuses são mais loucos - disse para a grama, e a grama murmurou concordando.
Por três vezes naquele dia, ela avistou Drogon. Da primeira vez, ele estava tão longe que poderia ter sido uma águia, deslizando para dentro e para fora das nuvens distantes, mas Dany o reconhecia agora, mesmo quando não era mais do que um pontinho. Da segunda vez, ele passou diante do sol, as asas negras estendidas, e o mundo escureceu. Da última vez, ele voou bem sobre ela, tão perto que pôde ouvir o som de suas asas. Por meio segundo, Dany pensou que ele a estivesse caçando, mas ele voou sem tomar qualquer conhecimento dela e desapareceu em algum lugar no leste. Ainda bem, ela pensou.
A noite a pegou quase desprevenida. Enquanto o sol dourava os pináculos distantes de Pedra do Dragão, Dany tropeçou em um muro de pedra baixo, quebrado e coberto de mato. Talvez tivesse sido parte de um templo, ou o salão do senhor do vilarejo. Mais ruínas estavam além; um velho poço e alguns círculos na grama que marcavam os locais onde os casebres estiveram. Haviam sido construídos de lama e palha, ela julgou, mas longos anos de vento e chuva os desgastaram completamente. Dany encontrou oito antes que o sol desaparecesse, mas poderia haver mais por ali, escondidos na grama.
O muro de pedra durara mais que o resto. Embora não tivesse mais do que noventa centímetros de altura, o ângulo onde ele se encontrava com outra parede mais baixa ainda oferecia algum abrigo dos elementos, e a noite chegava rapidamente. Dany encolheu-se em um canto, fazendo um ninho com vários tipos de grama que cresciam ao redor das ruínas, arrancados aos punhados. Estava muito cansada, e novas bolhas haviam aparecido em seus pés, incluindo um conjunto combinado em cima dos seus dedos rosados. Deve ser do jeito que ando, pensou, dando uma risadinha.
Quando o mundo escureceu, Dany se instalou e fechou os olhos, mas o sono se recusava a vir. A noite estava fria, o chão duro, sua barriga vazia. Pegou-se pensando em Meereen, em Daario, seu amante, e Hizdahr, seu marido, em lrri e Jhiqui e na doce Missandei, em Sor Barristan, em Reznak e em Skahaz Cabeça-Raspada. Será que temem que eu esteja morta? Eu voei nas costas de um dragão. Eles pensarão que ele me comeu? Ela se perguntava se Hizdahr ainda era rei. A coroa dele vinha dela, ele poderia mantê-la em sua ausência? Ele queria Drogon morto. Eu o ouvi. “Matem ele”, ele gritava, “matem a besta”, e o olhar em seu rosto era lascivo. E Belwas, o Forte, estava de joelhos, arfando e estremecendo. Veneno. Tinha que ser veneno. Os gafanhotos no mel. Hizdahr insistiu que eu os provasse, mas Belwas comeu todos eles. Ela fizera de Hizdahr seu rei, levou-o para sua cama, abriu as arenas por ele, ele não tinha razão para querê-la morta. No entanto, quem mais poderia ter sido? Reznak, seu senescal perfumado? Os yunkaítas? Os Filhos da Harpia?
Ao longe, um lobo uivou. O som a fez se sentir triste e sozinha, mas não menos faminta. Quando a lua se ergueu sobre as terras da grama, Dany mergulhou finalmente em um sono agitado.
Ela sonhou. Todas as preocupações a deixaram, assim como todas as dores, e parecia flutuar em direção ao céu. Estava voando mais uma vez, rodopiando, rindo, dançando, enquanto as estrelas giravam em torno dela e lhe sussurravam segredos ao ouvido.
- Para ir para o norte, você deve viajar para o sul. Para alcançar o oeste, você deve ir para leste. Para ir adiante, você precisa ir para trás. Para tocar a luz, você precisa passar sob a sombra.
- Quaithe? - Dany chamou. - Onde você está, Quaithe?
Então ela viu. Sua máscara é feita da luz das estrelas.
- Lembre-se de quem você é, Daenerys - as estrelas sussurraram, em uma voz de mulher. - Os dragões sabem. Você sabe?
Na manhã seguinte, despertou dura, ferida e com dores, com formigas rastejando em seus braços, pernas e rosto. Quando percebeu que estavam ali, chutou de lado os gravetos e a grama marrom seca que haviam lhe servido de cama e lençol e fez um grande esforço para ficar de pé. Tinha mordidas por todo o corpo, pequenos inchaços vermelhos, inflamados e coçando. De onde vieram todas estas formigas? Dany se esfregou para tirá-las dos braços, das pernas e da barriga. Passou a mão pelo couro cabeludo, onde seu cabelo havia se queimado, e sentiu mais formigas na cabeça, e uma delas rastejando para baixo, pelo seu pescoço. Jogou-as no chão e as esmagou com seus pés descalços. Havia tantas ...
Descobriu que o formigueiro estava do outro lado da sua parede. Perguntava-se como as formigas conseguiram escalar tudo aquilo para encontrá-la. Para elas, essas pedras em ruínas deviam parecer tão grandes quanto a Muralha de Westeros. A maior muralha em todo o mundo, seu irmão Viserys costumava dizer, tão orgulhoso como se ele mesmo a tivesse construído.
Viserys contava para ela histórias de cavaleiros tão pobres que tinham que dormir sob as antigas sebes que cresciam ao longo dos caminhos secundários dos Sete Reinos. Dany teria dado muito e ainda mais por uma bela e grossa sebe. De preferência, uma sem um formigueiro.
O sol estava apenas nascendo. Algumas estrelas brilhantes permaneciam no céu cobalto. Talvez uma delas seja Khal Drogo, sentado em seu garanhão de fogo nas terras da noite e sorrindo para mim. Pedra do Dragão ainda estava visível sobre as terras da grama. Parece tão perto. Devo estar a quilômetros de distância agora, mas é como se eu pudesse estar de volta em uma hora. Ela queria se deitar, fechar os olhos e entregar-se ao sono. Não. Preciso continuar. O córrego. Apenas siga o córrego.
Dany levou um momento para se assegurar da direção. Não podia ir pelo caminho errado e perder seu córrego.
- Meu amigo - disse em voz alta. - Se permanecer perto do meu amigo, não me perderei.
Teria dormido ao lado da água, se ousasse, mas alguns animais iam ao córrego para beber durante a noite. Vira os rastros deles. Dany daria uma refeição minguada para um lobo ou um leão, mas mesmo uma refeição minguada era melhor do que nenhuma.
Assim que teve certeza de qual lado era o sul, contou os passos de volta. O córrego apareceu no oito. Dany colocou as mãos em concha para beber. A água fez sua barriga se contrair, mas cólicas eram mais fáceis de suportar do que a sede. Ela não tinha outra bebida que não o orvalho da manhã que brilhava na grama alta, e absolutamente nenhuma comida, a menos que gostasse de comer grama. Eu podia tentar comer formigas. As amarelinhas eram pequenas demais para garantir qualquer tipo de sustento, mas havia formigas vermelhas na grama, e aquelas eram maiores.
- Estou perdida no mar - disse, enquanto mancava ao lado do regato sinuoso - então, talvez, encontre alguns caranguejos, ou um belo e gordo peixe.
O chicote batia suavemente contra sua coxa, tap, tap, tap. Um passo por vez, e o riacho a levaria para casa.
Um pouco depois do meio-dia, chegou a um arbusto que crescia ao lado do córrego, seus galhos retorcidos cobertos com duras bagas verdes. Dany olhou para elas com desconfiança, então pegou uma e a mordiscou. Sua polpa era azeda e mastigável, com um gosto residual amargo que lhe pareceu familiar.
- No khalasar, eles usavam estas bagas para temperar os assados - lembrou-se.
Dizer isso em voz alta a fez ter mais certeza daquilo. Sua barriga roncava, e Dany pegou a si mesma arrancando as bagas com as duas mãos e enfiando-as na boca.
Uma hora mais tarde, seu estômago começou a se contrair tão violentamente que não pôde continuar. Passou o resto do dia vomitando gosma verde. Se ficar aqui, morrerei. Posso estar morrendo agora. Será que o deus cavalo dos dothrakis partira a grama e a reivindicara para seu khalasar estrelado, para que pudesse cavalgar nas terras da noite com Khal Drogo? Em Westeros, os mortos da Casa Targaryen eram dados às chamas, mas quem acenderia uma pira para ela ali? Minha carne alimentará os lobos e os corvos carniceiros, pensou, tristemente, e vermes cavarão meu ventre. Seus olhos se voltaram para Pedra do Dragão. Parecia menor. Podia ver fumaça se erguendo do cume esculpido pelo vento, a quilômetros de distância. Drogon retornou de sua caçada.
O pôr do sol a encontrou de cócoras na grama, gemendo. Cada uma de suas fezes era mais solta do que a anterior, e cheirava pior. Quando a lua chegou, estava evacuando água marrom. Quanto mais bebia, mais evacuava, mas, quanto mais evacuava, sua sede aumentava, e a sede a fez rastejar até o córrego para sugar um pouco de água. Quando finalmente fechou os olhos, Dany não sabia se teria forças suficientes para abri-los novamente.
Sonhou com seu irmão morto.
Viserys parecia exatamente como era da última vez que o vira. Sua boca estava retorcida de angústia, o cabelo estava queimado e o rosto estava negro e esfumaçado onde o ouro derretido escorrera por sua testa, bochechas e pelos olhos.
- Você está morto - Dany falou.
Assassinado. Embora os lábios dele não se movessem, de alguma forma podia ouvir sua voz, sussurrando no ouvido dela. Você nunca me velou, irmã. E duro morrer sem ser velado.
- Eu o amei uma vez.
Uma vez, ele disse, tão amargamente que a fez estremecer. Você devia ter sido minha esposa, me dar filhos com cabelos prateados e olhos cor de púrpura, manter o sangue do dragão puro. Tomei conta de você. Ensinei quem você era. Eu a alimentei. Vendi a coroa da nossa mãe para mantê-la alimentada.
- Você me machucava. Você me assustava.
Apenas quando você acordava o dragão. Eu amava você.
- Você me vendeu. Você me traiu.
Não. Você é a traidora. Você se virou contra mim, contra seu próprio sangue. Eles me trapacearam. Seu marido cavalo e seus bárbaros fedorentos. Eram trapaceiros e mentirosos. Me prometeram uma coroa de ouro e me deram isso. Ele tocou o ouro derretido que se espalhara por seu rosto, e a fumaça se levantou de seu dedo.
- Você podia ter tido sua coroa - Dany lhe disse. - Meu sol-e-estrelas a teria conquistado para você, se você tivesse esperado.
Eu esperei tempo demais. Esperei minha vida inteira. Eu era rei deles, o legítimo rei. Eles riram de mim.
- Você devia ter ficado em Pentos com o Magíster Illyrio. Khal Drogo teria me apresentado para o dosh khaleen, mas você não tinha que ir conosco. Essa foi sua escolha. Seu erro.
Quer acordar o dragão, sua putinha estúpida? O khalasar de Drogo era meu. Eu o comprei dele, mil gritadores. Paguei por eles com sua virgindade.
- Você nunca entendeu. Dothrakis não compram e vendem. Eles dão presentes e os recebem. Se você tivesse esperado ...
Eu esperei. Por minha coroa, por meu trono, por você. Todos estes anos, e tudo o que consegui foi um pote de ouro derretido. Por que deram os ovos de dragão para você? Eles deviam ter sido meus. Se eu tivesse um dragão, teria ensinado ao mundo o significado do nosso lema. Viserys começou a rir, até que sua mandíbula caiu de seu rosto, soltando fumaça, e sangue e ouro derretido escorreram de sua boca.
Quando ela acordou, ofegante, suas coxas estavam escorregadias de sangue.
Por um momento, não percebeu o que era aquilo. O mundo apenas começava a clarear, e a grama alta farfalhava suavemente ao vento. Não, por favor, deixe-me dormir mais. Estou tão cansada. Tentou se enterrar sob a pilha de grama que havia feito quando foi dormir. Alguns dos talos estavam molhados. Estava chovendo novamente? Sentou-se, com medo de ter se sujado enquanto dormia. Quando levou os dedos da mão ao rosto, pôde sentir o cheiro de sangue neles. Estou morrendo? Então viu a pálida lua crescente flutuando alta sobre a grama e percebeu que aquilo não era nada mais do que sangue da lua.
Se não estivesse tão doente e assustada, poderia ter sido um alívio. Em vez disso, começou a tremer violentamente. Esfregou os dedos na terra e agarrou um punhado de grama para secar entre as pernas. O dragão não chora. Estava sangrando, mas era apenas sangue de mulher. A lua ainda está crescente, no entanto. Como pode ser? Tentou se lembrar da última vez que havia sangrado. Na última lua cheia? Na anterior? Na anterior ainda? Não, não pode ter sido há tanto tempo assim.
- Sou o sangue do dragão - disse para a grama, em voz alta.
Antes, a grama sussurrou de volta, até que você acorrentou os dragões na escuridão.
- Drogon matou uma garotinha. O nome dela era ... seu nome... - Dany não conseguia se lembrar do nome da criança. Aquilo a deixou tão triste que teria chorado se todas as suas lágrimas não tivessem sido queimadas. - Nunca terei uma garotinha. Eu era a Mãe dos Dragões.
Sim, a grama disse, mas você se virou contra seus filhos.
Sua barriga estava vazia, os pés doloridos e com bolhas, e parecia que suas cólicas estavam ficando piores. Suas entranhas estavam cheias de cobras que se contorciam e mordiam seus intestinos. Pegou um punhado de lama e água com as mãos trêmulas. Ao meio-dia, a água estaria tépida, mas no frio do amanhecer era quase gelada e a ajudaria a manter os olhos abertos. Quando molhou o rosto, viu sangue fresco nas coxas. A bainha esfarrapada de sua túnica de baixo estava manchada com ele. A visão de tanto vermelho a assustou. Sangue da lua, é apenas meu sangue da lua, mas não se lembrava de ter um fluxo tão intenso. Poderia ser a água? Se fosse a água, estava condenada. Tinha que beber, ou morrer de sede.
- Ande - Dany ordenou a si mesma. - Siga o riacho e ele o levará ao Skahazadhan. É onde Daario encontrará você. - Usou toda a força que tinha para ficar em pé, e quando conseguiu, tudo o que pôde fazer foi ficar parada ali, febril e sangrando. Ergueu os olhos para o céu azul vazio, olhando o sol. Metade da manhã já se foi, percebeu, consternada. Obrigou-se a dar um passo, depois outro, e então estava caminhando novamente, seguindo o pequeno riacho.
O dia ficava mais quente, e o sol batia sobre sua cabeça e queimava o que restava de seus cabelos. A água espirrava contra a sola de seus pés. Estava caminhando no riacho. Por quanto tempo estava fazendo aquilo? A suave lama marrom era agradável entre os dedos e ajudava a aliviar as bolhas. No riacho ou fora dele, tenho que continuar andando. A água segue a jusante. O riacho me levará para o rio, e o rio me levará para casa.
Só que não, não realmente.
Meereen não era a casa dela, e nunca seria. Era uma cidade de homens estranhos, com deuses estranhos e cabelos estranhos, de senhores de escravos enrolados em tokars, onde a graça era obtida pela prostituição, a matança era uma arte, e cachorro era uma iguaria. Meereen sempre seria a cidade da harpia, e Daenerys não podia ser uma harpia.
Nunca, disse a grama, no tom rude de Jorah Mormont. Você foi advertida, Vossa Graça. Deixe a cidade, eu disse. Sua guerra é em Westeros, eu lhe falei.
A voz não era mais do que um murmúrio, mesmo assim, de algum modo, Daenerys sentia que ele estava andando bem atrás dela. Meu urso, ela pensou, meu doce e velho urso, que me amou e me traiu. Sentia tanta falta dele. Queria ver seu rosto feio, enrolar os braços em torno dele e se apertar contra seu peito, mas sabia que se virasse para trás, Sor Jorah teria partido.
- Estou sonhando - disse. - Um sonho acordada, um sonho acordada. Estou só e perdida.
Perdida, porque permaneceu em um lugar que não era para ser, murmurou Jorah Mormont, tão suavemente quanto o vento. Sozinha, porque me expulsou do seu lado.
- Você me traiu. Você dava informações sobre mim, por ouro.
Pelo lar. Lar era tudo o que sempre quis.
- E a mim. Você me queria. - Dany vira isso em seus olhos.
Queria, a grama sussurrou, com tristeza.
- Você me beijou. Eu nunca disse que podia, mas você fez. Você me vendeu aos meus inimigos, mas foi a sério que me beijou.
Eu lhe dei bons conselhos. Consegui suas lanças e espadas para os Sete Reinos, eu lhe disse. Deixe Meereen para os meereeneses e vá para oeste, eu falei. Você não ouviu.
- Eu tinha que tomar Meereen ou ver meus filhos morrerem de fome ao longo da marcha. - Dany ainda podia ver a trilha de cadáveres que deixara para trás quando cruzara o deserto vermelho. Não era uma visão que desejava ter novamente. - Tive que tomar Meereen para alimentar meu povo.
Você tomou Meereen, ele retrucou, e, mesmo assim, permaneceu.
- Para ser uma rainha.
Você é uma rainha, seu urso disse. Em Westeros.
- É um caminho muito longo - ela reclamou. - Eu estava cansada, Jorah. Estava farta da guerra. Queria descansar, rir, plantar árvores e vê-las crescer. Sou apenas uma garota jovem.
Não. Você é o sangue do dragão. O sussurro estava ficando mais baixo, como se Sor Jorah estivesse ficando para trás. Dragões não plantam árvores. Lembre-se disso. Lembre-se de quem você é, para o que você foi feita. Lembre-se do seu lema.
- Fogo e Sangue - Daenerys disse para a grama que balançava.
Uma pedra virou embaixo de seu pé. Tropeçou, caiu sobre um joelho e gritou de dor, na esperança de que seu urso viesse até ela e a ajudasse a ficar em pé. Quando virou a cabeça para olhá-lo, tudo o que viu foi a água corrente marrom ... e a grama, ainda se movendo um pouco. O vento, disse para si mesma, o vento agita os caules e os fazem balançar. Só que nenhum vento estava soprando. O sol estava a pino, o mundo imóvel e quente. Mosquitos invadiam o ar, e uma libélula voava sobre o riacho, pousando aqui e ali. E a grama se movia quando não havia motivo para se mover.
Tateou na água, encontrou uma pedra do tamanho de seu punho, tirou-a da lama.
Era uma arma frágil, mas melhor do que uma mão vazia. Do canto do olho, Dany viu a grama se mover novamente, bem à sua direita. A grama balançava e se inclinava, como se estivesse diante de um rei, mas nenhum rei apareceu para ela. O mundo estava verde e vazio. O mundo estava verde e silencioso. O mundo estava amarelo, morrendo. Eu devia me levantar, disse a si mesma. Tenho que andar. Tenho que seguir o riacho.
Através da grama veio um suave tilintar de prata.
Sinos, Dany pensou, sorrindo, lembrando-se de Khal Drogo, seu sol-e-estrelas, e os sinos trançados em seus cabelos. Quando o sol nascer no ocidente e se puser no oriente, quando os mares secarem e as montanhas forem sopradas pelo vento como folhas, quando meu ventre voltar a ganhar vida para dar à luz um filho vivo, Khal Drogo retornará para mim.
Mas nenhuma daquelas coisas acontecera. Sinos, Dany pensou novamente. Seus companheiros de sangue a haviam encontrado.
- Aggo - murmurou. - Jhogo. Rakharo. - Daario teria vindo com eles?
O mar de grama se abriu. Um cavaleiro apareceu. Sua trança era negra e brilhante, a pele tão escura quanto cobre polido, os olhos no formato de amêndoas amargas. Sinos tocavam em seu cabelo. Ele vestia um cinto de medalhões e um colete pintado, tinha um arakh em um quadril e um chicote no outro. Um arco de caça e uma aljava de flechas estavam pendurados em sua sela.
Um cavaleiro, e sozinho. Um batedor. Era quem cavalgava diante do khalasar para encontrar a caça e a grama bem verde, e farejar inimigos onde quer que pudessem estar escondidos. Se a encontrasse ali, ele a mataria, a estupraria, ou a escravizaria. Na melhor das hipóteses, ele a mandaria de volta para as anciãs do dosh khaleen, aonde supunha-se que as boas khaleesi deveriam ir depois que seus khals morriam.
Ele não a vira, no entanto. A grama a escondeu, e ele estava olhando para outro lado. Dany seguiu seu olhar, e a sombra voou, com suas asas estendidas. O dragão estava a quilômetros de distância, e mesmo assim o batedor congelou até que seu garanhão começou a relinchar de medo. Então despertou, como se estivesse sonhando, virou sua montaria e correu pela grama alta a galope.
Dany o observou partir. Quando o som dos cascos tinham sumido no silêncio, começou a gritar. Gritou até que sua voz ficou rouca ... e Drogon veio, bufando nuvens de fumaça. A grama se prostrou diante dele. Dany saltou em suas costas. Ela fedia a sangue, fedor e medo, mas nada disso importava.
- Para seguir em frente, tenho que voltar para trás - disse. Suas pernas nuas se apertaram no pescoço do dragão. Ela o chutou, e Drogon atirou-se no céu. Seu chicote se perdera, então usou as mãos e os pés para virá-lo para noroeste, o caminho que o batedor tomara. Drogon foi com suficiente boa vontade; talvez tivesse sentido o medo do cavaleiro.
Em uma dúzia de segundos, ultrapassaram o dothraki, que galopava bem abaixo. Para a direita e para a esquerda, Dany vislumbrava lugares em que a grama havia sido queimada e transformada em cinzas. Drogon já veio por este caminho, percebeu. Como uma corrente de ilhas cinzentas, as marcas de suas caçadas pontilhavam o mar de grama verde.
Um vasto rebanho de cavalos apareceu embaixo deles. Havia cavaleiros também, um grupo ou mais, mas eles se viraram e fugiram ao primeiro sinal do dragão. Os cavalos pararam e fugiram quando a sombra passou sobre eles, galopando através da grama até que suas laterais ficassem brancas de espuma, rasgando o chão com seus cascos ... mas por mais velozes que fossem, não podiam voar. Logo um cavalo começou a ficar para trás. O dragão desceu sobre ele, rugindo, e imediatamente a pobre besta estava em chamas, mas, de alguma forma, continuou correndo, gritando a cada passo, até que Drogon pousou sobre ele e quebrou seu pescoço. Dany agarrou o pescoço do dragão com todas as suas forças, para não escorregar.
A carcaça era muito pesada para que pudesse levar para sua toca, então Drogon consumiu sua caça ali, rasgando a carne carbonizada enquanto a grama queimava ao redor deles, o ar grosso com a fumaça que subia e com o cheiro de pelo de cavalo queimado. Dany, faminta, desceu de suas costas e comeu com o dragão, arrancando pedaços de carne defumada do cavalo morto com as mãos queimadas e nuas. Em Meereen eu era uma rainha, em sedas, mordiscando tâmaras e cordeiro no mel, lembrou-se. O que meu nobre marido pensaria se pudesse me ver agora? Hizdahr ficaria horrorizado, sem dúvida. Mas Daario ...
Daario daria risada, tiraria um pedaço de carne de cavalo com seu arakh e se agacharia para comer ao lado dela.
Quando o céu no ocidente ficou com a cor de um hematoma sangrento, ouviu o som de cavalos se aproximando. Dany se levantou, limpou as mãos na túnica esfarrapada e foi para o lado do dragão.
Foi como Khal Jhaqo a encontrou, quando meia centena de guerreiros montados emergiram das nuvens de fumaça.